No início da década de 1980, um garoto no auge de sua adolescência ganhava seu sustento vendendo algodão-doce, cocada e refrigerante na paradisíaca Praia de Boa Viagem, em Pernambuco, no Recife. E nem era um grande sacrifício, afinal, depois do trabalho, viria o tão esperado “futebolzinho”.
José de Arymatéia Gutemberg ainda era jovem, e, como tal, não imaginaria o rumo que sua vida tomaria.
Durante sua infância, a paisagem da praia foi o cenário de sua vida, mas, até chegar a trabalhar como auxiliar de operação na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, sua trajetória daria mil voltas.
Parte essencial disso começou nos seus 21 anos, quando Ary, como prefere ser chamado, resolveu vir para São Paulo e conhecer, sem grandes pretensões, a cidade da qual tanto ouvia falar. De início, ficou na casa de um tio, mas logo conseguiu um emprego no ramo de construção civil e passou a morar sozinho.
Foi algum tempo depois que o caminho da arte e da cultura cruzou com o seu. Apaixonado pelo teatro, começou a trabalhar como ator em 1991, no Grupo de Teatro Tubo de Ensaio. Com a trupe, apresentou os espetáculos “Navalha na Carne”, “Lição de Mestre” e “O Segredo de Alice”, todos voltados ao público infanto-juvenil, em uma série de bibliotecas, escolas e espaços culturais da cidade. “Era surreal. Tínhamos nossas dificuldades, mas era muito bom. Chegamos a nos apresentar para 1.200 pessoas”, afirma, lembrando, com um sorriso no rosto, de seus “dias de bom ator”.
Paralelamente à atuação, Ary trabalhava com eletricidade. Mas, para sua tristeza, em 1999 chegou o momento de fazer uma escolha: “Ou me mantinha vivo, ou fazia teatro. Não tínhamos patrocínio e incentivo, e, assim como tantos outros grupos bons, estava cada vez mais difícil nossa situação”. Abandonou, ali, sua carreira de ator.
Até 2002, continuou lidando apenas com eletricidade. Naquele ano, surgiu a oportunidade de voltar a respirar cultura. E lá foi Ary fazer a manutenção da Sala São Paulo. Depois de quatro anos por lá, ainda ficou um ano trabalhando na Secretaria da Cultura.
Mexendo novamente com eletricidade, o recifense recebeu, em 2009, convite para trabalhar na Associação Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo (Assaoc). Aceitou e, ali, conheceu Eric Vecchione, gerente de Comunicação e Ideias na SP Escola de Teatro. O amigo, três anos depois, o avisou sobre uma vaga disponível na a Produção da Escola. E deu certo: Ary passou pelo Processo Seletivo e conseguiu a vaga.
Na Instituição, mantém o contato com o teatro, sua grande paixão. Seja drama, comédia, melodrama, ou qualquer outro gênero, Ary aprecia o teatro feito de corpo e alma. “Aqui é corrido e divertido. Quando você realmente gosta de arte, é difícil deixar de gostar. O teatro, especialmente, abre a mente das pessoas, dá visão mais ampla. Nosso povo precisa de cultura”, diz.
A propósito, música é outra forma de arte que exerce grande interesse em Ary, que se arrisca a cantar fora do chuveiro e até já ganhou concursos de karaokê. E não deixa de tentar influenciar sua mulher e os três filhos a apreciar a arte. “Minha filha mais nova, de 6 anos, gosta tanto que já começou a tocar violão e cantar. Nunca precisei forçar essa vontade nela, só apresentei algumas coisas de que gosto. Ela leva jeito, acho que vai ser uma artista”, fala, empolgado.
Hoje, “mais paulista que pernambucano”, Ary não se considera ex-ator, porque, para ele, um ator de verdade é um ator para a vida toda. Mesmo assim, sente-se feliz pelo que faz, cuidando dos bastidores da Escola, contribuindo para a formação de novos profissionais do teatro.
Quem sabe um dia, em uma aventura inédita, ele não volta à cena? Vindo de alguém dotado de uma experiência de vida como essa, fica difícil duvidar de que isso possa acontecer.
Texto: Felipe Del
