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Aprendiz em Foco | Luana Hansen

Publicado em: 29/10/2012 |

“Me derrubar é fácil. Me deixar lá embaixo é que é difícil”. Dita por Luana Hansen, aprendiz de Sonoplastia da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, esta frase vai muito além do clichê e reflete o que ela vivenciou ao longo de seus 31 anos de vida.

 

Hoje, a aprendiz faz sucesso na internet com o videoclipe “Ventre Livre de Fato”, música na qual expõe sua incisiva opinião sobre a legalização do aborto. “Direito imediato, revolução de fato / Protesto na batida, ventre livre de fato / Então lutar pela legalização do aborto / É lutar pela saúde da mulher”, canta, acompanhada da batida do rap. 

 

A motivação para escrever essa canção, segundo ela, foi presenciar, desde cedo, mulheres morrendo na tentativa de interromper a gravidez. “Não basta apenas distribuir preservativos, tem de haver um trabalho de conscientização”, comenta. A música, criada em parceria com a ativista Elisa Gargiulo, foi encomendada pela ONG Católicas em Campanha pela Legalização do Aborto.

 

Por ter uma postura firme e não ficar “em cima do muro”, Luana sofre a reprovação de vários setores da sociedade. Desde que se envolveu com música, críticas e ofensas não são novidades em sua rotina. Os ataques, porém, passam longe de incomodá-la: “Não ligo de me expor, é o que eu escolhi fazer. Já estava esperando agressões. Até brincam, falando que eu tenho a cara do neofeminismo”, conta, sorrindo.

 

Produzido no estúdio que montou, recentemente, em sua casa, esse é o trabalho que mais visibilidade deu a Luana. Tanto é que ela destaca que vai ganhar espaço na próxima edição da revista Caros Amigos. 

 

Vida e “trampos”

Outro “trampo” recente que Luana vê com bons olhos é o documentário “4 Minas” (2012), que narra a história da vida dela e de outras três homossexuais, Priscilla Maia, Maria Cristina Grasselli e Fenanda Dias.

 

Quem testemunha a ascensão profissional da aprendiz mal pode acreditar que, há razoavelmente pouco tempo, sua situação era extremamente delicada e, seu caminho, bastante nebuloso. 

 

Nascida no Centro da capital paulista, mas criada na periferia da zona oeste, no bairro de Pirituba, Luana diz ter conhecido o fundo do poço. “Eu era traficante, já fui usuária de crack e fiquei internada em clínica de reabilitação”, recorda. 

 

Tudo isso foi há dez anos, quando, aos 21, resolveu mudar o rumo de sua vida e passou a se envolver com música, e, especialmente, o rap. “Comecei a cantar rap com o RZO (um dos principais grupos paulistas do gênero)”. Dez anos depois, espaço de tempo em que está “limpa”, Luana carrega uma grande bagagem e já é bem conhecida no circuito hip-hop de São Paulo. 

 

“Quando usei crack, larguei minha família, fui para a rua, trafiquei. Hoje sinto que ganhar dinheiro e trabalhar de uma forma honesta é extremamente gratificante para mim”, revela, com os olhos brilhando. Nesse período de estabilidade, discotecou em festas e eventos e compôs mais de cem músicas – grande parte delas “engajada”. Agumas podem ser conferidas no site soundcloud.

 

Cena do videoclipe “Ventre Livre de Fato” 

 

Entre várias outras coisas, também fez uma série de parcerias com músicos, como Rodriguinho (ex-Travessos); participa, desde 2008, da blitz Corda na Rua, da Coca-Cola, e atua como técnica de áudio no Teatro de Narradores, onde quer continuar. 

 

Afirmando ser a primeira mulher do Brasil a produzir seu próprio som hip-hop e uma das poucas que são tanto DJ como MC, Luana credita parte de sua reviravolta à SP Escola de Teatro. Logo no Processo Seletivo, segundo ela, percebeu que estava em um lugar diferenciado.

 

“Lembro que, na minha entrevista, o Raul Teixeira (coordenador do curso) e a Cíntia Onofre (então artista residente), me disseram que eu tinha algo que não era possível ensinar: dom; e que o dia em que aprendesse as técnicas, ninguém me seguraria”, conta, emocionada.

 

Cursando seu terceiro Módulo, a aprendiz também destaca o apoio que recebe do Programa Kairós – a Bolsa-Oportunidade, auxílio financeiro oferecido a metade dos aprendizes dos Cursos Regulares – e a valorização de seu trabalho. “Adoro a Escola. É um privilégio estudar com caras como o Wilson Sukorski, o Ricardo Severo, entre tantos outros. Aqui, aprendi na prática a parte técnica, a mexer com a mesa de som. Acima de tudo, aprendi a ser artista.”

 

E por aí continua a trajetória da mulher que fincou suas raízes na periferia, que canta em rima a indignação com a realidade que a cerca e, ao voltar para casa, mergulha nas melodias de músicos como Vivaldi e Mozart, peças fundamentais no acervo de música erudita que, há algum tempo, cresce em suas prateleiras.

 

 

Texto: Felipe Del

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