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Aprendiz em Foco | Durval Mantovaninni

Publicado em: 20/11/2012 |

Há quem diga que todos têm, dentro de si, pelo menos um pouco de loucura. Mas existem aqueles que são clinicamente diagnosticados com algum tipo de sofrimento psíquico e encontram sérias dificuldades para viver em sociedade, perdendo, muitas vezes, o contato com a realidade.

 

Pensar nisso sempre provocou uma sensação de dualidade em Durval Mantovaninni, aprendiz de Direção da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco. Enquanto ministrava oficinas de teatro para pacientes com transtornos mentais, na ONG Viva Vida, sediada em Atibaia, sua cidade natal, a loucura provocava enorme fascinação sobre ele. Ao mesmo tempo, instalava-se o medo de um dia também viver sob essa condição.

 

A questão é que Durval não imaginava que a inquietação trazida por essa reflexão ainda o levaria à França para fazer aquilo que mais gosta: teatro. 

 

O embrião dessa história surgiu em meados do ano passado, quando ele foi convidado por Silvia Masulo para substituí-la na direção do espetáculo “Menino Luz”, enquanto ela ia para os palcos interpretar a única personagem da peça, que tem como pano de fundo justamente a loucura. Amigo de longa data da artista, aceitou a proposta de imediato.

 

A trama da peça, escrita por Pierce Willians, traz um contador de histórias que está confinado em uma clínica psiquiátrica. De lá, ele fala sobre um menino, cujos mistérios e peripécias preocupam a mãe. Por seu jeito diferenciado, acaba sendo excluído, assim como o próprio contador de histórias, afinal, como diz a epígrafe da peça: “Aos insanos, ninguém dá ouvidos”. 

 

Por meio dessa trama, é levantada a possibilidade de se adotar tratamentos menos agressivos aos pacientes que sofrem de transtornos mentais, para que eles possam, enfim, retornar ao núcleo familiar e à sociedade.

 

Durante a concepção do espetáculo, os artistas pesquisaram a loucura, a esquizofrenia, os casos do artista plástico Bispo do Rosário e do pregador Profeta Gentileza, além de obras de Augusto Boal. “O fato de ver como a arte por si é terapêutica – o que é diferente de arteterapia –, de como ela pode servir de ferramenta para promover a integração do indivíduo, foi o que nos motivou”, comenta o diretor.

 

Ele explica, ainda, que o “Menino Luz” faz alusão ao menino Jesus, sendo adotado como referência para o trabalho o texto “O Primeiro Milagre do Menino Jesus”, de Dario Fo, que dessacraliza a imagem da figura. A peça, dirigida pelo aprendiz, também evidencia a questão feminina, pela forma como a personagem se identifica mais com a mãe.

 

O sagrado também se manifesta no interior da personagem, o que, segundo Durval, é característica comum em boa parte dos esquizofrênicos. “Eles costumam ter uma ligação muito forte com o divino e dizem ser capazes de ouvir a voz de Deus”, comenta.

 

Com iluminação de Adilson Cunha, trilha sonora e sonoplastia de Breno José Regueira e cenografia e figurino de Cláudia Parolin, o espetáculo “Menino Luz” foi apresentado em cidades do interior e litoral de São Paulo (Atibaia, Guarujá e Santos), algumas vezes em parceria com instituições engajadas na luta antimanicomial.

 

“Uma vez, apresentamos na rua, no Guarujá, na semana da luta antimanicomial. O público foi composto pelos próprios pacientes. Eles receberam muito bem, pegaram algumas sacadas que nós mesmos não tínhamos percebido. Foi algo muito forte para mim”, lembra Durval.

 

Do interior, o espetáculo deu um grande salto. O impulso foi tomado quando o aprendiz soube da abertura do Edital do “Programa de Difusão de Língua e Cultura” (PDLC), iniciativa do Consulado-Geral do Brasil em Paris, que dava espaço às comunidades brasileiras no exterior. “Para ‘vencer’ esse Edital realizamos uma parceria com a ONG Atellier Brasil, sob a produção de Cláudia Campos. Fomos aprovados, mas não com a verba total, então esperamos um pouco para juntar recursos suficientes”, diz o diretor.

 

Silvia Masulo em cena de “Menino Luz” (Foto: Alexandre Marques)

 

Alguns meses depois, a peça atravessava o Atlântico com direção à cidade francesa de Beynes, onde os artistas fizeram três apresentações e ministraram uma oficina de “Experiência Cênica em Arteterapia”. “Todas as sessões lotaram. No final, fazíamos debates sobre o processo criativo. O público (brasileiros, franceses e portugueses) recebeu muito bem e percebeu a poesia. Disseram que mesmo sem a legenda seriam capazes de entender e peça. A experiência foi tão boa que pretendemos voltar.”

 

Falando em futuro, Durval revela que pretende montar mais duas peças para concluir uma trilogia sobre a loucura, talvez explorando abordagens como a relação entre mãe e filha, ou família e exclusão.

 

Trajetória

Aos 30 anos de idade, Durval recorda seu início no teatro na Escola, aos 15, e, mais tarde, no teatro amador e de grupo. Em sua cidade natal, Atibaia, fez bastante teatro de rua. Ainda como uma prática “sazonal”, fundou, em 2006, seu próprio grupo, o Arcênicos.

 

Sua vontade de estudar e viver disso, porém, era muito superior às oportunidades que surgiam. “Por motivos financeiros, não tive chance de fazer muitos cursos”. Chegou a ingressar em escolas, mas não completou nenhum curso na área.

 

O conhecimento sobre teatro que adquiriu, segundo ele, advém de workshops, livros e profissionais da área que conheceu ao longo de sua trajetória. E Silvia Masulo é uma delas: “Ela é uma das minhas professoras e confia muito no meu trabalho. Sou extremamente grato a ela e pretendo continuar essa parceria”. Outras duas “madrinhas” são Lilita de Oliveira e Lenah Ferreira.

 

Essa lacuna em sua formação teatral está sendo preenchida agora. Ao saber da existência da SP Escola de Teatro, no ano passado, Durval conta que ficou muito empolgado e não hesitou em se inscrever no Processo Seletivo. 

 

Foi com um projeto surgido na Instituição, inclusive, que Durval participou do Festival de Cenas Curtas do Grupo Galpão Cine Horto, de Belo Horizonte, realizado em maio. “Violentados da Pátria”, cena criada no Experimento do semestre de 2011 sob sua direção, foi selecionada para integrar a mostra.

 

“A SP tem me ajudado muito, só tenho a agradecer. A Escola socializou o acesso a pensadores e profissionais do teatro. Não é apenas mais uma, ela vem para dividir o conhecimento das artes do palco”, afirma.

 

No dia 29 de novembro, às 19h30, na Sede Roosevelt, Durval realiza um bate-papo com os outros aprendizes para falar de sua experiência com “Menino Luz” na França. E, no dia 3 de dezembro, às 20h, o espetáculo será apresentado no mesmo espaço. 

 

 

 

Serviço

Bate-Papo: “Menino Luz – A Experiência Teatral em Baynes/França”

Com Durval Mantovaninni

Quando: 29 de novembro, às 19h30

Onde: SP Escola de Teatro – Sede Roosevelt

Praça Roosevelt, 210 – Centro

Tel.: (11) 3775-8600

Grátis

 

Espetáculo: “Menino Luz”

Quando: 3 de dezembro, às 20h

Onde: SP Escola de Teatro – Sede Roosevelt

Praça Roosevelt, 210 – Centro

Tel.: (11) 3775-8600

Grátis

 

 

Texto: Felipe Del

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