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Papo com Paroni | Rock pregresso, Rock progressivo

Publicado em: 11/11/2013 |

* por Maurício Paroni de Castro, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

Se fizermos um arbitrário alinhamento do Rock progressivo à poesia barroca e romântica, chegaremos a indagações surpreendentes sobre o nosso futuro do presente teatral. Pari passu:

 

1. Convido o leitor a visionar a banda Procol Harum executando o lendário “A whiter shade of pale” com a Danish National Concert Orchestra e seu coro sinfônico no jardim Castelo de  Ledreborg, num suave verão Dinamarquês de 2006. Para os fãs, a versão completa desse concerto está aqui.

 

2. O videoclipe da mesma canção, que popularizou o Rock progressivo, de 1968:

 

3. Em 1967, o letrista Keith Reid escreve a letra para uma melodia do tecladista Gary Brooker. Como num concerto grosso barroco, inserem no arranjo um instrumento a partir de cada verso. Vão ainda mais longe na inspiração histórica: sobrepõem a parte inferior do segundo movimento da Suíte para Orquestra n. 3 BWV 1068 de Johann Sebastian Bach, a “Aria da quarta corda”,  com o coral em Mi bemol maior, BWV 645, “Wachet auf, ruft uns die Stimme”.

 

Tudo foi misturado num órgão elétrico Hammond, o biscoito fino instrumental de antes do sintetizador. Gary Brooker gravou a canção com o organista Matthew Fisher, e, em poucos dias, o disco liderava as paradas britânicas. Terminaram brigando por direitos autorais, mas esta é outra estória. Assista aqui.

 

Estava consolidado, em pouquíssimo tempo, o chamado Rock progressivo, pré-orquestral, e tocada  a “corda” romântica da nossa contemporaneidade.

 

A atmosfera de todos esses trechos cabe perfeitamente num castelo pulsante na levada barroco-rock, culminada na tristeza dos olhos de  Gary Broocker. Romantismo inoculado na nossa veia.

 

O espírito triste daqueles olhos é o mesmo espírito que inflamou “Hernani”, drama de Victor Hugo, de 1830. Nobre, bandido, herói, maldito, cheio de fãs, Hernani tem 20 anos. Sua vida é marcada pelo ódio ao rei, Don Carlos, cujo pai condenou à morte o seu pai. Pior: seu amor, Dona Sol, é desejada por D. Carlos. Apologista do amor natural e gótica, a obra evoca Shakespeare e marca o início do Romantismo no teatro francês.

 

Dada a sua estética, o texto não podia ser montado por falta de recursos. Hugo chegou a escrever que “subvenção é sujeição”, pois esta ia somente para o teatro classicista. Com a nova ordem, a partir de 1812, a visão luminar do Barão Isidore Taylor, comissário real dos societários do Théâtre-Français, permitiu que “Hernani” fosse montada.

 

A estreia de “Hernani” foi o primeiro grande acontecimento teatral com alma de concerto de Rock que o mundo viu. Um pequeno “exército” de jovens românticos ocasionou a lendária briga que entrou para a história como a “Batalha de Hernani”. A velha guarda classicista vaiava, enquanto os partidários da sinceridade “despudorada” do romantismo aplaudiam. A plateia foi tomada pelo pânico e pela violência, mas a réplica prosseguiu até o fim graças à paradoxal frieza dos artistas. Obra-prima do romantismo, Hernani foi recriada como ópera por Giuseppe Verdi, em 1844.

 

O Romantismo não parou, tardo ou não, de alimentar transformações sociais como revoluções de costumes, barricadas e unificações de estados nacionais. Tal pulsão segue um traçado: nasce da matemática teo-diabólica de Bach, e é assimilada por cabeludos pós-revolucionários iluministas via afirmação shakespeariana do individuo. Estes rejeitam a razão classicista e suas perucas de seda, até chegarem ao limite da não-representação dos rockstars dos anos 1970 e 1980. Aqui, a representação de si mesmo – principalmente das angústias pessoais , coincide com as da massa. Representação de si mesmo, mas ainda representação. A vanguardista performance quebra esse paradigma, mas já não é fenômeno de massa. Harmonia de formal versus atrito performático: qual gramática está por surgir? Podemos contar às centenas as obras do tipo que encontramos no percurso, de Gonçalves Dias a Lou Reed, de Emily Brontë a Kate Bush, mas isso será assunto – e escuta – de um podcast só deles.

 

Por enquanto, aqui estão duas pérolas do Rock da época da batalha de “Hernani”;

– De Theophile Gautier – “Todo mundo era jovem no ‘exército romântico’ […] Como no exército italiano, em sua maioria não tinham atingido a maioridade e o mais velho do bando era o comandante em chefe, de 28 anos (…) A idade de Bonaparte e Victor Hugo”.

– Do discurso do “comandante” Hugo, antes da estreia “Hernani”  “A batalha que envolve Hernani é sobre a ideia de progresso. Essa é uma luta comum. Vamos lutar contra essa literatura truncada pelas ameias da idade […] a luta entre o velho e o novo mundo, […] nós somos o mundo novo.”

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