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Marcelo Drummond relembra Zé Celso: uma carta de amor

Publicado em: 07/07/2023 | por: Guilherme Dearo

Fotografia colorida do casamento de Zé Celso e Marcelo Drummond

Casamento de Zé Celso e Marcelo Drummond em 6 de junho de 2023, no Teatro Oficina | Foto: Jennifer Glass

José Celso Martinez Corrêa nos deixou ontem (6), aos 86 anos. Nome maior do teatro nacional, um de nossos maiores encenadores deixa como legado o Teatro Oficina, no Bixiga, e uma legião de aprendizes, profissionais e admiradores. As peças de Zé Celso e do Oficina, há décadas, formam e inspiram artistas e cidadãos.

Exato um mês antes, Zé Celso se casou com o ator Marcelo Drummond, seu companheiro de mais de três décadas. O casamento foi no Teatro Oficina e promoveu uma festa memorável que contou com centenas de convidados e shows de Marina Lima e Daniela Mercury.

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Em 2012, Drummond publicou um texto no site da SP Escola de Teatro, falando sobre como conheceu seu companheiro. Relembramos ele agora, em homenagem a Zé Celso.

Marcelo também foi afetado pelo trágico incêndio do dia 4 que vitimou Zé Celso, e os amigos da SP Escola de Teatro prestam seus pêsames à perda e desejam uma pronta recuperação, com desejo de dias mais felizes e de saudades.

O texto:

“Ivam Cabral é uma cara que admiro muito, porque, quando o vejo em cena, lembro de mim mesmo, da minha trajetória, não tão diferente da dele. Um ator que quis um grupo, um trabalho próprio, não seguiu uma carreira e sim quis um movimento de teatro. Começo falando dele porque foi ele que me pediu que escrevesse um depoimento sobre o Zé Celso.

Pra um depoimento meu sobre o Zé, talvez tenha que rever minha vida inteira, desde quando pequeno e via o programa do Chacrinha na TV, em preto e branco, imaginando suas cores, na TV, onde assistia a Caetano, Gil… Enfim, os tropicalistas que eu amava. Aquilo que parecia muito novo – e via adultos comentando, às vezes, escandalizados, às vezes, encantados sobre o que estava acontecendo –, não sabia que era cultura, e, como a maior parte das pessoas, achava que era uma coisa de música. Depois, percebi que não era só a música que tocava no rádio e estava no Chacrinha, mas exposições, filmes, peças. ‘Asdrúbal Trouxe o Trombone’ foi o que me levou ao teatro, nunca tinha visto uma peça do Oficina e muito menos sabia quem era Zé Celso; a propósito, a primeira, e única, peça do Zé que vi, sem estar envolvido, foi ‘Esperando Godot’, em 2001, no Rio. Gostei muito do que vi.

Mas cresci, no Rio, com isso na cabeça, que a grande coisa era criar um movimento. Metade da minha vida é dedicada a isso. O Oficina não é um grupo, são muitos grupos, num só, num movimento constante. Faço de tudo pra ver se consigo dizer o quanto eu amo isso. O Zé é esse movimento em pessoa.

Conheci o Zé no Baixo Gávea, no Rio, e, imediatamente, fomos trepar – aliás, Zé é muito bom de cama – e lemos ‘As Bacantes’, que, na época, ele queria montar. Uma semana depois, estava em São Paulo pra não voltar. Cheguei a São Paulo (no Oficina) nos anos 80, na época que Zé Celso era considerado um louco; era brigado com o que se intitulava classe teatral – digo que se intitulava porque a classe teatral é muito maior do que os que se intitulam da classe – porque o antigo prédio do Teatro Oficina tinha sido demolido pra construção do prédio atual. Eles eram incapazes de ver o projeto de teatro – digo teatro profundamente, não somente a casa de espetáculos –, mas o teatro que o Zé fazia, e continua fazendo, é que estava fora de cena, praticamente desde 1974, quando foram exilados.

Produzo coisas sem o Zé e o Zé sem mim, mas, ao mesmo tempo, somos dependentes um do outro, um vício bom. O amor que aconteceu e continua acontecendo é um dos maiores, se não o maior que conheci na vida. Sempre procuro aquela mesma sensação, nunca encontro, mas encontro outras que fazem amar mais ainda o que construímos: um teatro, uma companhia, um modo de praticar teatro próprio e, agora, construindo uma universidade pra passar os conhecimentos que esse cara, que como um guesa, guardou.

Queria poder festejá-lo, não somente neste dia dedicado ao teatro ou no seu aniversário, daqui a três dias, aniversário que comemora com outro cara de teatro que não dá pra esquecer pelo amor e pelo que aprendi e aprendo com ele, que é o Renato Borghi. O Zé, às vezes, me chama de Renato e se refere ao Borghi como Marcelo, o que só me deixa feliz.

Foram, até agora, mais de 20 produções, que muitas delas eu protagonizei. Sou talvez o pior ator que o Zé encontrou, não o pior no sentido técnico ou de não ser bom ator (tem gente que acha, muitos acham o contrário), mas porque sou desobediente, chato, quero fazer do meu jeito e quero descobri-lo; às vezes, entro em choque com o diretor, o Zé (nunca trabalhei com outro diretor, não porque tenha planejado, mas porque aconteceu assim).

Trabalhar com o Zé, nem sei dizer o que é; se soubesse, talvez, já teria decifrado e não teria mais graça, não saberia o que buscar, mas sei que o trabalho do Zé Celso não é Zé, mas uma máquina em Camilas, Anas, Letícias, Pedros, Felipes, Itos, Guis, Naomis e muitos Zés, todos no plural, porque trazem em si, como Zé, outra máquina, que fazem parte como órgãos desse imenso corpo, essa máquina de desejo, em que todos têm Zé no corpo porque o tempo todo comemos Zé e Zé nos come – só a antropofagia nos une.

Lembro-me de um depoimento de Bete Coelho quando fez ‘Cacilda’, em 1998, em que ela dizia mais ou menos assim: ‘Zé me fez ver de novo que nosso trabalho é buscar novos sentidos, afinal isso é interpretação e é o que nos dispomos a fazer.’

Mas queria mesmo falar do Zé que conheço em casa, que grita me chamando no chuveiro enquanto toma banho porque teve uma nova ideia ou uma nova interpretação de uma cena qualquer, ou que na madrugada, bebendo uma taça de vinho, inverte toda situação confusa ou ruim numa saída nova, com uma nova interpretação.

É esse cara que é meu diretor, esse cara que é meu amor.”

Marcelo Drummond é ator e diretor.

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