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SP Escola de Teatro se despede de Zé Celso

Publicado em: 06/07/2023 | por: Guilherme Dearo

 

Zé Celso Martinez Corrêa (1937-2023), em foto de 2010: despedida do maior nome do teatro brasileiro.

Zé Celso Martinez Corrêa (1937-2023), em foto de 2010: despedida do maior nome do teatro brasileiro. | Foto: Garapa – Coletivo Multimídia

Faleceu hoje (6) José Celso Martinez Corrêa (1937-2023), maior encenador do teatro brasileiro, fundador do Teatro Oficina, um dos espaços mais revolucionários e impactantes da cultura brasileira, parte seminal do tropicalismo.

A SP Escola de Teatro se despede de seu amigo, companheiro e professor, com tristeza e saudade.

Em 2010, ano de fundação da Escola, Zé Celso deu a aula inaugural aos estudantes, batizando a Escola e dando forças e inspirações para o futuro. Foi o nosso professor número um.

Leia os depoimentos da SP Escola de Teatro em homenagem a Zé Celso:

Ivam Cabral, diretor da SP Escola de Teatro e um de seus fundadores; fundador da Cia Os Satyros

“Zé que abriu todos os nossos caminhos. O Zé Celso sempre esteve no DNA dos Satyros. Desde o início. Antes do início, até. Quando eu conheci o Rodolfo, lá em 1989, foi o Zé quem nos aproximou. O Rodolfo estava no mestrado, nas Ciências Sociais da USP, pesquisando o Teatro Oficina. E uma das intersecções de seu trabalho eram as ideias do apolíneo/dionisíaco em Nietzsche, que eu lia e relia. ‘O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música’ era um dos meus livros preferidos e importante material para a pesquisa do Rodolfo. Estávamos, naquele momento, buscando o dionisíaco no teatro, que, em verdade, andava higiênico demais, apolíneo demais. Este foi o nosso primeiro elo construído juntos. E, a partir de então, um mundo de descobertas iria nos jogar em direção ao Teatro Oficina. Em 1989 a gente ainda não conhecia o Oficina como é hoje. O teatro seria inaugurado em 1993, quando não morávamos mais em São Paulo. Passamos muitos anos longe do Brasil. Fizemos um exílio voluntário entre 1992 e 1999 e, nesse período, idealizando o que conhecíamos, em teoria, do trabalho do Zé. Quando retornamos a São Paulo, em 2000, porém, o Teatro Oficina entraria nas nossas entranhas de maneira visceral. Enquanto reformávamos a sala que viria a se tornar o Espaço dos Satyros, ensaiamos no Teatro Oficina a peça que inaugurou nosso espaço na Praça Roosevelt, ‘O Retábulo da Avareza, Luxúria e Morte’, de Valle-Inclán. Entre Satyros e Oficina, naquele momento, a Letícia Coura, atriz desse trabalho e figura importantíssima dos primeiros tempos dos Satyros na Roosevelt. Zé, mais do que trazer Dioniso para a cena, nos ensinou que era possível. Zé é nosso Exu, nosso Ogum, nosso abre-todos-os-caminhos. Não apenas revolucionou a cena contemporânea, como nos indicou que era possível atravessar o nosso campo e o nosso tempo com paixão e muita resiliência. Existimos porque Zé veio antes. Como sábio maior disse, desde sempre: teatro existe para disfarçar o tempo ruim e alertar o tempo bom que a vida é finita apenas nos teatrões onde a coxia disfarça a cena. Por isso os Satyros, como o Teatro Oficina, não disfarçam os bastidores. Estaremos sempre nus, de prontidão, dissimulados e prontos para o embate. Em 2010, quando inauguramos a SP Escola de Teatro, Zé foi nosso professor de número 1. Queríamos homenageá-lo. Mais: queríamos sua energia presente em nossa história. Sim, sabíamos, tínhamos certeza, que estávamos vivendo um divisor de águas na história do teatro brasileiro. E nosso mestre maior tinha que estar conosco. Choro, de verdade choro. Perdemos o melhor do Brasil. Nosso Tirésias, nosso timoneiro, nosso norte; o Teatro Oficina, nosso panteão mais seguro. Porque, nenhuma dúvida: Zé foi o maior encenador brasileiro. Um dos maiores do mundo. Encerra-se hoje o capítulo mais importante da história do teatro brasileiro.”

Rodolfo García Vázquez, coordenador do curso de direção da SP Escola de Teatro; fundador da Cia Os Satyros

“Obrigado, eternamente, Zé Celso! Quando eu não sabia quem eu podia ser, quando eu não imaginava o que o teatro podia fazer pelo mundo, eu li tua história no livro Oficina: Do Teatro ao Te-ato, do prof Armando. Eu sabia tudo de voce, devorei tuas aventuras dos anos 1960 e 1970, sem nunca ter assistido ao teu trabalho até então. Eu fiquei sabendo da tua arte pelas lembranças de quem tinha te conhecido. Foi lendo sobre você que, quando conheci o Ivam, sonhamos com o que Os Satyros poderiam ser. Você mudou minha vida antes mesmo de eu poder ver o teu teatro, o que só foi possível depois que voltamos da Europa. Você marcou a história do teatro neste país, marcou a vida de milhares, marcou a cultura deste país!!!! Obrigado eternamente!”

Marici Salomão, coordenadora do curso de dramaturgia da SP Escola de Teatro

“Dos encenadores brasileiros, Zé Celso foi o mais transgressor, disruptivo. Da Ditadura à abertura, imprimiu loucura, orgia, anticonvencionalismo, e fez de sua arte lugar do susto e da beleza. Como repórter colaboradora do Caderno 2, de O Estado de S. Paulo, cobri os ensaios da primeira montagem de ‘Os Sertões’ (2002). No Oficina, fiquei esperando por cerca de meia hora na cabine técnica. Quando desci, Zé e o elenco formavam um círculo em torno da cadeira em que eu sentaria. Encaravam-me. Logo percebi que quem chegava não era a Marici, mas uma personagem euclidiana, diante de Conselheiro e seu bando. Eu estava em Canudos , transportada a um universo outro. Essa era a força do Zé, romper com o lugar comum”.

Raul Barreto, coordenador do curso de humor da SP Escola de Teatro

“Eu trabalhei com o Zé, quarenta anos atrás, quando ele era conhecido como o decano do ócio, e tive o privilégio desse convívio com ele e com o Marcelo Drummond. O Zé fazia atos públicos, para os políticos, para convencê-los a criar o Teatro Oficina. Ali, antes, era um terreno baldio. O Sérgio Mamberti fez um projeto chamado Balanço Geral, que era uma leitura dramática de textos que fizeram sucesso no teatro. Ali, o Zé fez uma leitura de Roda Viva e outros dois textos. Foi no palco do Teatro Sérgio Cardoso e foi um fenômeno. Depois de dez anos sem fazer teatro, ele mostrou para São Paulo toda sua capacidade inventiva, criativa de encenador. Foi uma ópera, não uma leitura dramática. Foi um acontecimento único. Tive e tenho uma admiração profunda por ele. Ele é uma figura única no teatro brasileiro e não vai ter outra igual. Devemos fazer uma homenagem permanente, constante e eterna para ele, por tudo o que ele representa para o teatro brasileiro. E precisamos lutar para que o Parque do Bixiga aconteça e seja o réquiem dele. Sua partida foi um horror. Ele merecia ir embora do jeito dele, fazer um happening do jeito dele”.

Miguel Arcanjo Prado, coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro 

“Estou dilacerado com a morte de Zé Celso. Um verdadeiro bastião da cultura brasileira e que faz parte destes meus 20 anos de jornalismo. Zé Celso foi padrinho de momentos marcantes da minha trajetória como jornalista e crítico. No lançamento do Blog do Arcanjo, meu site de jornalismo cultural, uma década atrás, ele me concedeu uma entrevista exclusiva em seu apartamento. Ele falou que gostaria de dar a entrevista no banheiro e me colocou sentado no sanitário, momento registrado pelo fotógrafo Bob Sousa, que estava comigo nesta pauta. Foi a entrevista mais marcante que fiz, com a típica genialidade do mestre. Em 2019, fiz questão de homenagear Zé Celso e o Teatro Oficina na primeira edição do Prêmio Arcanjo de Cultura, no Theatro Municipal. Ele me abençoou mais uma vez naquele palco sagrado. E cantou ao meu lado Roda Viva, com o Municipal inteiro em coro. Foi um marco na minha vida e na de todos que viveram aquele instante mágico. Hoje o Brasil perde seu maior nome do teatro. Seu maior gênio. E eu perco um mestre, um amigo e referência maior de artista. Zé me chamava de “Arcanjo do Teatro”, apelido carinhoso que carrego no coração. Evoé, Zé.”

Marcio Aquiles, crítico literário e teatral, trabalha com projetos internacionais na SP Escola de Teatro 

“Lembro-me de uma crítica que escrevi sobre o espetáculo Cacilda!!!!, em 2014. Depois da publicação da resenha, o Zé escreveu em seu blog: ‘O crítico da Folha Marcio Aquiles tem razão na lentidão e nos buracos […] Algumas pessoas ficam ainda realmente extenuadas como ele ficou, mas uma grande parte sai extasiada, com a energia vital renascida. Ele vem de um país chamado Folha de S.Paulo e se sente um antropólogo viajando em um país desconhecido. Tem dificuldade a viajar no não dito…’. Muito melhor do que se tivesse feito um elogio gratuito à minha resenha, tomei suas palavras ácidas como ensinamento e comprovação de que eu havia feito meu trabalho com lisura e rigor conceitual. Enfim, é uma perda inestimável, o Zé foi um dos maiores nomes do teatro ocidental no último século, mas tenho a certeza de que seu espírito seguirá vivo na plêiade de astros que continuarão a habitar o Oficina, pois seu legado é coletivo, é do teatro de grupo, e transcende qualquer individualização”.

+ 80 anos de Zé Celso, o mestre que batizou a SP Escola de Teatro




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