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Henrique Schafer

Publicado em: 17/06/2013 |

Henrique Schafer é ator, locutor, professor, coordenador e diretor

Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Foi aos poucos. Num primeiro momento, era menos o teatro e mais a possibilidade de ser visto. É aquela história do jovem que não era bom em nada, e como queria chamar a atenção, foi fazer teatro. Mas eu não tinha o menor jeito pra coisa também. Tanto que eu entrei num grupo fazendo só operação técnica. O Edgar Rizzo, diretor do Grupo Téspis (de Campinas), era também professor de História. Eu estudava em escola pública. E, no começo dos anos 80, vivíamos o processo de redemocratização no País. Comecei a trabalhar aos 14 anos, passei a estudar à noite. De repente, saí de um ambiente superprotegido, para conviver com pessoas de outra realidade social. Comecei a atuar no movimento estudantil e fazia parte do grêmio da escola (que se chamava “centro cívico”). O Edgar nos incentivava a assumir uma postura mais crítica, a sair da mesmice. Organizamos um festival de teatro. Foram dez dias de apresentações de peças feitas pelos alunos. A escola parou pra ver teatro, para discutir, para se estranhar, pra se conhecer. Lembro de um professor de Educação Artística que disse pra mim, na frente de toda a sala: “O exército vai acabar te prendendo”. Pô, o cara era professor de Educação Artística e o maior reacionário (hoje sei que nem toda arte liberta). Fiquei exultante com a ideia de ser um preso político. Naquele momento, tudo se misturava: teatro, escola,  movimento social, cultural e político, ser visto, ser reconhecido. Anos mais tarde saí do emprego que tinha desde os 14 anos, no Banco do Brasil, pra fazer só teatro. No meio desse percurso, me interessei mais pela pedagogia do teatro. Engraçado, mas só hoje eu penso que poderia seguir uma “carreira” de ator.

Lembra da primeira peça a que assistiu? Como foi?
Foi “O gato de botas”, da Cia. Sia Santa. Essa companhia viajava por vários Estados brasileiros apresentando teatro para escolas. Ela ainda está em plena atividade, pelo que eu sei. Eu já devia ter uns 9 anos. Fiquei encantado com uma atriz, não com o teatro ainda.

Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
Em épocas diferentes, momentos de vida diferentes, diferentes peças mudaram o modo de olhar o teatro e também a vida. De pronto, me vêm à cabeça dois exemplos: “Vereda da salvação”, de Jorge Andrade, com direção do Antunes Filho, em 1993, e “Divinas palavras”, de Ramón del Valle-Inclán, com um grupo da Bahia dirigido pela diretora alemã Nehle Franke, em 1997. Vagamente, à medida que respondo às perguntas, vou me lembrando de outras peças que também me tocaram muito, claro. De um modo geral, acredito que, na década de 80, o teatro do Antunes e de encenadores como o Gerald Thomas e o Ulysses Cruz (Boi Voador), foram muito importantes. E tinha a ver, claro, com o que eu era e no que estava vivendo: rito de passagem pra vida adulta, decidir fazer teatro, sair de casa. Então, tudo o que via me alimentava aí. Foi nessa década também que comecei a ver teatro feito em outros lugares do mundo. A Unicamp realizava, nessa época, um festival internacional. Porque é assim, não é? Acredito que a peça não é, em si, um valor absoluto como obra artística. Ela é um momento capturado da vida do homem. Da nossa vida naquele instante. E é capturada com os recursos dos quais dispomos.

Um espetáculo que mudou a sua vida.
“O Porco”. E, claro, respondo como ator, e não espectador. É que isso é tão claro e profundo em minha vida, que não poderia dar outra resposta. Não somente no sentido simbólico. O trabalho com o Antônio Januzelli mudou meu modo de ver teatro, de aprender e conhecer. Foi um processo terapêutico. Passei a acreditar que podia ser ator. Há muito pouco tempo, inclusive, me dei conta de que, apesar do Januzelli ter sido professor de quase todo mundo nos últimos 30 anos, fui eu quem teve a experiência mais profunda com os princípios que ele trabalha, para levar o homem a ser ator.

Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
Já tive vontade de fazer muita peça boa a que assisti. Penso como deve ser bom trabalhar com alguns atores, diretores e grupos que admiro (podem me convidar que eu vou correndo!). Para citar uma recente: a peça “Idiota”, dirigida pela Cibele Forjaz. A peça, a obra, o texto eram muito bons. E a ideia de fazer a peça em três dias, como capítulos de uma novela, muito interessante. Como espectador, a experiência de ir três dias seguidos ao teatro, estabelecendo uma relação de intimidade com outros espectadores e com os atores, foi deliciosa.

Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?
Gosto muito do Luís Alberto de Abreu. Assisti a “Bela ciao” quando estreou e fiquei maravilhado. Gosto porque ele é um estudioso da escrita. Escreve para teatro, cinema e televisão com a mesma qualidade. Ele é popular, sem abrir mão de uma sofisticação da linguagem. Gosto também do Jorge Andrade porque foi um dramaturgo de uma escola realista, que produziu muitos bons textos pelo mundo.  E ele falava, óbvio, de coisas brasileiras, como o fim da riqueza dos barões do café. É como assistir a uma peça do Arthur Miller com personagens que não se chamam Mary ou coisa assim. Fez dramaturgia para o TBC num momento importante para o teatro brasileiro. Admiro também o Qorpo Santo porque foi um inovador em sua época. Gosto do Brecht porque propôs um teatro que se escreve com teatralidade, uma estrutura que permite o espectador realizar um processo duplo de fruição, tirando do palco, levando pra vida e retornando ao palco.
Queria conhecer mais da dramaturgia contemporânea, mas não conheço muito. O que sei é que hoje tem muita gente escrevendo e há muitos processos colaborativos que apontam para novas soluções e uma nova relação entre texto e cena. São muitos. E muitos, muito bons.
Gosto do jeito que o Leonardo Moreira, da Cia. Hiato, escreve e faz suas peças. 

Qual companhia brasileira você mais admira?
Falei da década de 80. Depois, veio a fase em que assistia tudo do Teatro da Vertigem e da Companhia do Latão. E todo um debate vindo de dois olhares distintos sobre o mundo. Adorava essa reflexão. Agora, não dá pra deixar de falar do Zé Celso e do Oficina e de toda a sua importância e significado para o teatro e a cultura brasileiros e que está plenamente ativo. E tem o Teatro Vento Forte, do Ilo Krugli, que apresentou um novo jeito de fazer teatro para crianças, isso lá na década de 70.

Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
Eu e Tatiana Schunck temos alguns projetos. É tudo muito simples, tá no começo, mas temos desejos e inquietações comuns (além de um filho). É dos sonhos, porque é nosso sonho, nosso tesouro: falar daquilo que nos apaixona e descobrir como falar. “Tentativa” foi nosso primeiro trabalho com ela em cena, direção minha e texto escrito pelos dois. O próximo processo já está em curso.

Cite um cenário surpreendente.
Por razões não só emocionais, o cenário que o Cyro Del Nero fez pra mim, numa montagem em formato reduzido de “Porgy and Bess”, no teatro do clube A Hebraica. Era um trabalho que reunia grandes solistas convidados e músicos profissionais com um coro, atores e dançarinos não profissionais. Eu era aluno do Cyro na USP e fazia a direção de cena deste trabalho. Perguntei, timidamente, se ele poderia me ajudar, talvez com imagens e referências, para que eu colocasse no palco algum elemento cênico mais simbólico, etc. Ele se virou e disse: eu faço. E fez um cenário lindo com dois andares. E praticamente de graça. Um cenário realista, que dava vontade de brincar de mocinho e ladrão.

O que não é teatro?
Todo o resto?

A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Para alguém, alguma coisa, sempre vale a pena. Depende das suas escolhas de fundo filosófico, de princípios. Formalmente, no mundo de hoje, as coisas tendem a se equivaler num mundo midiático e de mercado. Tudo é válido. Fazer o quê…

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
O teatro não é futuro. Ele é sempre presente. Cada vez mais, o teatro é o lugar possível, senão o único, para o encontro entre os homens. Encontro físico, profundo, sutil. E, claro, falo de um teatro intimista, que traga o ator e o espectador para o círculo. Onde um conte uma história e os outros a deem vida. Que se olhem no olho e sintam o cheiro da pele. Tem muita gente que está procurando isso. Por outro lado, já participei duas vezes do Teatro Para Alguém, dos amigos Renata Jession e Nelson Kao. Eles oferecem obras com transmissão ao vivo e permanente na Internet. Peças que nunca saem de cartaz. A rigor, talvez não seja nem teatro, nem cinema. Mas tá lá, vivo, pulsante. É isso, eles estão discutindo, refletindo, produzindo, pensando as plataformas, os conteúdos, as práticas que vão virar teoria. E muita gente faz isso permanentemente. Isso nunca vai parar.

Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?
Até bem pouco tempo, eu não diria isso: todas as peças do Nelson Rodrigues. Ler Nelson Rodrigues em voz alta é uma delícia.

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Tanta gente… Vá lá… Vou citar dois. Uma que é atriz e é diretora: Georgette Fadel. Ela me disse uma vez que viu uma peça minha (que era muito ruim) e decidiu fazer teatro. Brincadeira ou muita generosidade. Mas fiquei lisonjeado. A Georgette é muito corajosa. O outro é Antônio Januzelli. Ele é um estudioso das práticas do ator. E tem uma visão do homem e do ator que são únicas.

Qual o papel da sua vida?
O teatro é tão generoso. Estou começando a envelhecer. E gosto dessa perspectiva porque cansa essa história de que somos todos jovens e coisa e tal. Começo a sentir muita vontade de estar no palco. É o melhor lugar pra envelhecer.  Escolher o que quero falar e criar junto com outros atores e dramaturgos esses textos.

Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertolt Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire. 
Para Shakespeare: “Caralho, como você conseguiu?”

O teatro está vivo?
O homem ainda está vivo? Sim. Então, o teatro também. 

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