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Tônia Carrero por
Tania Carvalho

Publicado em: 23/08/2012 |

Nesta semana, a seção Bravíssimo presta uma homenagem a Tônia Carrero, que hoje (23) completa incríveis 90 anos.

Apresentação
Este livro foi feito também com paixão. Tônia foi incansável em remexer em seus arquivos, contar histórias, procurar material de texto, como o programa de sua peça “Amigos para Sempre”, no qual constam depoimentos diversos de muitos amigos ilustres: Carlos Drummond de Andrade, Aníbal Machado, Guilherme Figueiredo, Fernando de Barros, Rubem Braga, entre tantos outros que traçam um painel da linda mulher e atriz Tônia Carrero.

Fez questão de que eu lesse seu livro de memórias, “O Monstro de Olhos Azuis” (Editora L&PM, 146 págs., Ano: 1986), do qual foram tirados também vários trechos de seus conflitos na infância. Todas as vezes em que nos encontramos em sua casa no Jardim Botânico, onde viveu as últimas décadas e se preparava para mudar e começar uma vida nova no Leblon, Tônia foi de uma gentileza enorme, mesmo quando já estava cansada de tanto puxar pela memória ou mesmo remexer nas gavetas em busca das melhores fotos.

Tônia é e, sem dúvida, sempre será uma mulher à frente de seu tempo. Para ela, minha admiração e carinho.

Introdução
Maria Antonietta Portocarrero nasceu em 23 de agosto de 1922, com cabelos castanhos, nariz chatinho, a boca pequenininha. Ainda na maternidade ganhou uma touquinha de filó bordada, uma camisola de opala cor-de-rosa, uma fronha de pongée. Sorriu pela primeira vez no dia 29 de setembro e falou a primeira palavra – “mamãe” – no dia 12 de fevereiro de 1923.

Tudo isso está carinhosamente registrado no livro do Bebê, feito pela sua mãe, Zilda de Farias Portocarrero. Falta um dado, porém: o dia em que Mariinha, como era chamada por todos da família, descobriu que não ia ser igual às outras, e que estava fadada a ter bem mais do que uma vida reta e sem sobressaltos, que sua mãe idealizara para ela.

Seu pai, Hermenegildo Portocarrero, chamado por todos de Barão, em função de um título dado à sua família algumas gerações anteriores, dizia a todos que havia pressentido que a única filha seria loura de olho azul, uma princesa. E realmente ela ficou absolutamente loura no primeiro ano de vida, lindos cachinhos que emolduravam o rosto perfeito desde a infância. Todos os dias, Barão dizia à pequena Mariinha: você é minha rainha, minha dona, só você manda na casa.

Sua mãe, apesar da ternura com que fez o livro do Bebê, era severa. Criada pela avó, por ter perdido os pais muito cedo, Zilda sempre foi uma pessoa seca, sem carinho na voz – relembra Tônia. Queria que a filha tivesse uma vida como a sua, se casasse, tivesse filhos e cuidasse do lar. Heraldo e Humberto, seus outros filhos, que seriam militares como o pai, deveriam prestar atenção e zelar pela segurança e honra de Mariinha, a caçulinha da família. Crítica ao extremo, Zilda foi a primeira a observar: “Não tira um retrato natural esta menina!”. Mariinha gostava de aparecer desde pequena, prenunciando a estrela que iria se tornar poucos anos depois. Embora soubesse que, para ser amada, precisava ser boazinha, viver dentro dos moldes deles, entrar na bitola, no jogo combinado, sabia também que algo a impelia para voos mais longínquos, mesmo que solitários.

Com a mãe, Mariinha de fato nunca se reconciliou, digamos que relevou, perdoou, mas não esqueceu. Mariinha era além do seu tempo. Zilda, aquém.

“Minha mãe me fez sofrer muito, ela foi muito dura comigo. Quando estava velha, eu ia visitá-la, levava umas flores e ela dizia: ‘Você é tão gentil comigo’. E eu respondia: ‘Eu sou sua filha’. Ela dizia que nunca havia tido uma filha, só filhos. Não me reconhecia, mas, na verdade, acho que ela jamais me conheceu”, conta Tônia. Do pai, guarda sempre uma doce recordação e admiração, quase uma paixão. Militar, engenheiro, diretor do Colégio Militar por muitos anos, Barão tinha um outro lado: amante do teatro, amigo de Procópio Ferreira, Walter Pinto, Jaime Costa, Carlos Machado, Oscarito, Dulcina de Moraes e tantos outros, era sempre saudado ao ser visto na primeira fila das plateias cariocas. Um dia confidenciou à filha, a sua rainha: “Se você quer saber, talvez o teatro fosse a minha inclinação. Já houve um na família, do lado da minha mãe. Ficou desmoralizado. Largou a farda, família e foi trabalhar no Teatro República. Não conta para ninguém que te disse. Não é assunto pra se comentar. Depois, o teatro não serve de modo algum para moça de família. Seria um desgosto para a sua mãe. Esquece!”.

 



A atriz Tônia Carrero, que hoje (23) completa 90 anos de vida!

E ela esqueceu por uns tempos. Estudou no Instituto de Educação e, aos 14 anos, começou a namorar firme com um jovem rebelde, filho de desquitados, civil. “Um artista desesperado que num redemoinho envolveu-me, formou-reformou minha cabeça”, lembra a atriz. Seu nome: Carlos Arthur Thiré, 19 anos. No primeiro dia em que foi a sua casa, Carlos levou um patinete de presente, tão menina que achava ser a namorada. Três anos depois se casaram. E, como Tônia frisa em seu livro de memórias, “O Monstro dos Olhos Azuis”: …e não foram felizes para sempre. E complementa: “Acho que casei porque estava muito atraída por ele e porque queria fugir da minha família”.

Já casada, em 1941 formou-se em Educação Física. Dois anos depois, nascia seu primeiro e único filho, Cecil Thiré. “E que filho! Uma jóia rara. Uma pessoa admirável. Um artista de sensibilidade única. Ele está sempre ao meu lado me amparando, me amando, me protegendo e mandando em mim. Nossa, como ele manda em mim! E me deu uma família linda: quatro netos e cinco bisnetos”, diz.

Um dia, Mariinha fez as malas, deixou Cecil com a Bá Luiza – que havia sido também a sua babá – e com Zilda e foi com Carlos para Paris, estudar teatro. E ai sua vida mudou. Virou realmente Tônia Carrero, após ter aulas com os maiores atores do mundo, dentre eles Jean-Louis Barrault. O nome artístico nascera antes, desde sua pequena participação no primeiro filme, “Querida Suzana”. Mas depois da temporada em Paris, Tônia virou mais Tônia.

Mulher de muita fibra, talento, beleza, que despertava paixões. O escritor Rubem Braga, por exemplo, apaixonou-se perdidamente por Tônia nessa mesma temporada parisiense, quando seu casamento com Carlos já se deteriorava.

Outra paixão, já no Brasil: Paulo Autran. “Quando o conheci, me apaixonei completamente. Cecil era bem pequenininho. Achava Paulo um talento para o teatro, mas inventei de fazer uma peça com ele só porque queria ficar perto dele. Paulo era advogado e não queria largar a profissão. Pediu um salário absurdo e deixei de receber só para ficar perto dele. Não ganhei um tostão. Com o tempo, a paixão foi acabando, mas o carinho, o respeito, a cumplicidade no palco, a amizade permaneceram até o fim”, lembra.

Foi ai que Tônia decidiu tomar o lugar de Cacilda Becker. Onde? No coração, mente e vida de Adolfo Celi, italiano que veio para o Brasil em 1949 para ser o primeiro diretor artístico do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Celi revolucionou o teatro brasileiro e a vida de Tônia. Em 1957, levada pela mão do Barão, e sem a presença de Zilda, Tônia e Celi se casaram no Bispo de Maura, que na época oficializava uniões que a lei e a Igreja Católica não permitiam. Foi uma paixão atroz, e como toda paixão, acabou um dia. Até hoje Tônia sonha com Adolfo Celi, que morreu em 1986, “talvez por ele ter sido o homem mais importante da minha vida, por ser homem de teatro. A minha admiração por Celi era e sempre será infinita”.

Seu terceiro marido foi o empresário César Thedim. Cecil desafiou Tônia: “Esse casamento não vai dar certo, você jamais vai ser aceita pelo meio dele”. Tônia, que até hoje não pode ver um desafio que cai dentro, resolveu investir na relação com o homem rico, um típico playboy dos anos 50. “Ele era muito divertido, maravilhoso, não como companheiro. Melhor dos amigos e pior dos maridos”. Tônia confessa que, nesse terceiro casamento, ela buscava outra coisa: “Eu queria aprender a colocar uma mesa bem, usar o copo certo, não sabia nada e nem era indispensável saber, mas naquela época eu sentia que precisa viver isso. Virei uma dondoca durante o meu casamento com César. Logo eu, que vinha de uma família classe média, filha de uma dona de casa e de um militar. E contrariando o Cecil fui muito bem aceita por todos do meio de César”, afirma. Tônia usa até hoje o sobrenome Thedim, pois jamais se separou legalmente de César, que morreu em 2000.

Entre amores e desamores, casamentos e separações – “sempre casei com quem eu quis, mas nunca deu certo” – , Tônia cumpriu o que escrevera em um questionário de suas amigas, quando ainda era criança, mais um livro em que sua história está registrada: “Já foste beijada? Não. Amas alguém? Com paixão”.

E amando com paixão, ela segue a sua vida até hoje. Paixão pelo filho. Paixão pelos netos. Paixão pelos bisnetos. Paixão pelos amigos. Paixão pela arte. Paixão pela vida. Simplesmente paixão.

*Apresentação e introdução extraídas do livro Tônia Carrero – Movida pela Paixão, de Tania Carvalho, lançado pela Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Clique aqui para download completo da obra.

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