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Terceiro Experimento do Módulo Vermelho por Wilson Julião

Publicado em: 17/12/2012 |

Depois de um semestre inteirinho trabalhando sobre a epígrafe do geógrafo Milton Santos (“O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir”), nove núcleos de trabalho, formados pelos aprendizes do período vespertino de todos os Cursos Regulares da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, os que compõem o chamado Módulo Vermelho, apresentaram, de 4 a 13 de dezembro, seus Experimentos (leia mais aqui).

Abertas ao público e com entrada gratuita, essas investigações cênicas foram acompanhadas de perto por muita gente. Dentre o público fiel, destaque para o ator e artista-educador Wilson Julião que, abaixo, relata suas impressões sobre o que viu:

Andarilho entre as chances
A responsabilidade aumenta. Sempre e na medida em que construímos conhecimento. Conhecimento é poder e engendra determinadas responsabilidades, às quais podemos aderir ou não. A responsabilidade aumenta quando me vejo à frente da tarefa de acompanhar os núcleos do Módulo Vermelho e dedicar-me à escrita de um texto sobre essa experiência. A responsabilidade sempre aumenta, não só a minha.

 

O trabalho do núcleo 7 invade os largos do Anhangabaú e conta-nos sobre as raízes deste.No início, com certa timidez de estreia, e, depois, dominando o espaço, com respeito aos moradores desalojados e mordazes conexões com nosso contexto atual. Vozes, presenças, visualidade, inteligência espacial e notada pesquisa de campo promoveram uma jornada a novos vales da capital paulista. Mas como ser contundente a quem acompanhar a obra por apenas alguns minutos?

 

O processo artístico-pedagógico da SP Escola de Teatro consegue proporcionar estrutura, aportes conceituais, técnicos, práticos e de reflexão como poucos espaços em nosso País. São ações de formação e reflexão, cronogramas, orientadores, acionamentos e outras opções que criam uma teia de movimentos artístico-pedagógicos. Com este grande espaço de manobra, existe a chance do estabelecimento de realidades de aprendizado específicas a cada um dos processos instaurados e seus respectivos contextos. Tal mundo parece-me ímpar, porque nos dá a possibilidade de que o trabalho teatral seja pesquisado, projete-se, surja, encontre etapas de prática efetiva e decante em nós como um todo.

 

Uma interessante estranheza acompanhou a apresentação do núcleo 4. Um cenário em planos e/ou volumes que determinava limites sociais e narrativos. Um tempo alterado que compunha muito bem com os impasses da fábula. A repetição poderia se consolidar como um tema formal, uma vez que é indicada, ainda que com timidez. Boas vozes e canções pertinentes competiram com a extensão demasiada da obra. Com outro tempo para as coisas teria sido diferente?

 

O preâmbulo que ensaio é acerca de uma impressão cindida que tenho, depois de acompanhar os experimentos e ouvir os relatos durante os debates: a sensação de testemunhar processos que ora se alimentaram da crise, ora foram engolidos por ela.

A crise está dada. Ou, didaticamente, o conflito está dado e sempre estará. Não há espaço em nossa coletividade para a deserção dessa função de guerra, de luta, de atrito, negociação, diálogo, alteridades e afetos. A ordem que escolho não é aleatória. Não escaparemos tão cedo desta equação formada por vetores, tendências, fluxos e potências. Nada amortizou ou amortizará, em grande escala, essa parte inerente da experiência humana. Então, o que faremos com isso? Enceno a crise ou a deixo encenar o que quiser?  Enceno alguma parte mínima da minha resposta a ela? Enceno algum mínimo comentário acerca de minha posição em relação à crise? Enceno a pergunta ou enceno algo que surge desta? Construo a crise ou aceito as crises que me chegam? Nos tempos da propriedade, quem é o dono da minha crise?

Deste modo, anteriormente a qualquer comentário acerca da linguagem, precisamos refletir sobre essa questão das relações interpessoais, do processo de trabalho em equipe, abrindo espaço para que outras imaterialidades sejam pesquisadas neste percurso de formação do artista.

 

O núcleo 8 migrou – e, assim, encadeou movimentos interessantes – a partir das qualidades mono (monocromia, monotipia, monocordia) para as qualidades polifônicas, envolvendo espaços, composições cenográficas, fusões textuais e de suas respectivas fontes, recolocando teatralmente aspectos da problemática contemporânea, desta feita, aspectos da vida a partir do prisma dos call centers e seus operadores.  Numa inversão ao filme “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, meio que partindo da morte consumada, as figuras jogam um xadrez em coletivo, que, arduamente, segue em direção à cor, até a fila que foge pela colina, aqui não de braços dados com a morte, mas sim entoando a explosão do corpo na Praça Roosevelt.


Posto isto, uma questão: como escreverei sobre tantos processos, aos quais tive contato mínimo, resumido a uma apresentação e minutos de conversa?

Poderia escrever de forma irresponsável, ou seja, jorrar minhas impressões com a ideia de que fui estimulado e a resposta surge daí. E pronto. Poderia lembrar, inclusive, da minha irresponsabilidade quanto aos processos e liberar-me de qualquer tipo de ditame, falácia ou ponderação. Poderia lembrar que os artistas são os responsáveis pela criação, e não eu, que ali fora tornado público. Poderia ser irresponsável porque em certa medida sou mesmo, como qualquer singularidade que ali compareceu para uma apresentação. Se bem que comparecer – em certo sentido – já é se responsabilizar…

Poderia também escrever, de forma responsável, uma vez que fui convidado, aceitei e tenho grande prazer nessa tarefa. E porque anos de trabalho junto a processos artístico-pedagógicos e junto a artistas que construíram comigo conhecimento, me possibilitam entender elementos do processo que nas apresentações se materializaram ou não. Poderia escrever de forma responsável porque – mesmo que eu não queira – minha experiência aciona deduções, analogias, memórias, sugestões, construções e muito mais.






Escreveu Wilson Julião, sobre o núcleo 2: “A variabilidade de espaços, apesar de cansativa e esgarçada por vezes, impõe a atividade da audiência, bem como aciona aspectos mitóicos de sombra ou imemoriais nos participantes” (Foto: SP Escola de Teatro)

Diante da crise, agora eu.

 

“O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir” (Milton Santos)

 

Quando retornei à SP Escola de Teatro – Sede Brás (estive lá para trabalhar junto ao 2º Experimento do Módulo Amarelo, elaborando um texto reflexivo), fui tomado pelos ares das escolas de artes, dos espaços culturais, desta miscelânea trabalho-prazer-vida. Ali, o diálogo, os estados de presença, o olho-no-olho, a moda, os vãos-livres compõem uma egregora que me inclui. Então, tudo continua a me invadir e, cada detalhe tomo-o como meio. Enquanto espero, participo de algo que é ligado à ordem do acaso, mas que detém elementos do estético. A chuva torrencial que respeita o silêncio necessário e desaba pouco depois do final da apresentação inunda as proximidades e me deixa ilhado ou avizinhado por mais tempo. Enquanto transito pela Escola, os amigos que reconheço e reencontro são personagens e conteúdos que me formaram e ali, imediatamente, tudo em mim se revolve. Os aprendizes empenhados, nervosos, mal-acabados em vestes porque, envolvidos com alguma construção cenográfica ou produção imaterial, são como linhas simultâneas de expressão que geram sentido ao que vemos depois nas cenas. Um espirro (amo quem espirra!) é um acento à qualidade imprecisa da vida, signo porventura do que sempre sairá de nós – e independente de nós – e que tem composto, junto com todas as outras dramaturgias, a nossa trajetória.

 

Núcleo 2 – Uma galeria desconhecida num cenário conhecido de São Paulo conecta a epígrafe, provocação subsequente e encenação, num mesmo bojo de sentido. A variabilidade de espaços, apesar de cansativa e esgarçada por vezes, impõe a atividade da audiência, bem como aciona aspectos mitóicos de sombra ou imemoriais nos participantes. Muita coragem, segurança e apuro nas escolhas e execuções. Como, num espaço gigante, aproximar artistas e público e qualificar esse encontro?

 

Fica claro para mim que posso conectar tudo o que me acontece e do que participo às apresentações que presenciei e a tudo o que depois fruí na vida. Esse princípio de reincorporação inventa em mim uma nova percepção sobre a encenação e amplia minha leitura da cena, da obra, da vida e do mundo.

Leia aqui, sobre os núcleos 5, 1, 3, 9 e 6.

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