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Técnicas de Palco | Entrevista com o artista plástico e cenógrafo Juvenal Irene

Publicado em: 03/10/2016 |

Por Mauro Prazeres
 
Muitos frequentadores do teatro, musicais, exposições, shows e os apaixonados por cinema e TV acham fantástica a sensação que os cenários, as pinturas, os objetos e a movimentação dos mesmos lhes proporcionam. Porém, a grande maioria, apesar de encantada, não imagina como tudo isso acontece e quem são os profissionais responsáveis por estas obras de arte dos palcos.
 
Para entender e conhecer um pouco melhor os trabalhos destes profissionais, conversamos com Juvenal Irene, que, no mês de setembro de 2016, completa 60 anos de idade, sendo mais 45 anos dedicados às artes plásticas para cenografia.
 
Comemoração do aniversário do artista em seu ateliê, em companhia dos aprendizes do Curso Regular de Técnicas de Palco da SP Escola de Teatro. Ao fundo, trabalho finalizado pelos aprendizes sob a orientação do mestre Juvenal Irene. Foto: Giselle Martins
 
Juvenal Irene nasceu em 1956 na cidade de Jaraguá em Goiás e desde os 13 anos de idade já se interessava pela arte, tendo iniciado seus estudos e trabalho como autodidata. Mudou-se para São Paulo na década de 1970 e logo foi contratado pelos Diários Associados (grupo fundado em 1924 pelo então jornalista Assis Chateaubriand). Foi assim que começou a trabalhar com cenografia e arte na extinta Rede Tupi de Televisão, sob o comando de Ciro Del Nero. Trabalhou também na TV Cultura, TV Bandeirantes e, em 1984, abriu seu próprio ateliê, o “CENARIUM”, destinado à cenografia e arte para teatro, cinema e televisão. 
 
Desde então foram mais de 300 espetáculos incluindo peças de teatro, óperas, trabalhos para o Centro de Pesquisa Teatral do SESC. Executou diversos projetos para a TV Manchete, MTV, Rede Globo, TV Record, TV Cultura e produções cinematográficas. 
 
Recebeu o premio APETESP Aplauso da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, pelo reconhecimento ao conjunto da sua obra.
 
 
Mauro Prazeres: Como foi o início da sua carreira aos 13 anos como artista autodidata?
Juvenal Irene: Ser autodidata parece uma condição que teria que ser natural em todo ser humano, mais não é, pois demanda muita disciplina. Para mim, o autodidatismo está ligado visceralmente à autodisciplina, e, ao longo da minha vida profissional, sempre tive muita autodisciplina. Comecei aos 13 anos, foi quando começaram a elogiar os primeiros trabalhos de arte que eu fazia naquela época. Para não desapontar os admiradores do meu trabalho, eu me vi quase obrigado moralmente a corresponder com mais trabalhos as expectativas desses admiradores.  E, para poder realizar trabalhos cada vez mais exigentes, artisticamente falando, eu me vi numa condição onde a minha determinação em fazer o melhor sempre falou mais alto, exigindo que eu estudasse cada vez mais. Foi aí que tudo começou oficialmente na minha vida profissional. Naquela época eu não conhecia absolutamente nada. Nem pincéis, nem tintas, nem materiais, enfim, não conhecia nenhuma técnica, só conhecia mesmo as pinturas dos livros.
 
Pintura de telão para espetáculo do Balé Bolshoi. Foto: Arquivo, Juvenal Irene
 
MP: No decorrer da sua carreira, você fez cursos de aprendizagem para aprimorar suas técnicas?
JI: Podemos dizer que nessa época, quando tudo começou na minha vida profissional, eu era um fã de historias em quadrinhos. Nas últimas páginas desses gibis, vinham sempre anúncios de cursos por correspondência do Instituto Universal Brasileiro: um deles era o de Desenho Artístico e Publicitário, pelo qual, de cara, já me interessei muito. No entanto, não tinha condições de pagar na época. Apesar de ter apenas 12 anos, eu queria muito fazer isso e, para conseguir, comprei uma enxada e comecei a ir de porta em porta me oferecendo para capinar os quintais da vizinhança. Depois de quase dois meses limpando quintais, consegui juntar o suficiente para a matrícula do curso e comecei a estudar. Após um ano e meio, concluí meu único curso que foi o de Desenhista Artístico por correspondência e nunca mais consegui parar, sempre estudando cada vez mais como autodidata. Com o passar dos anos, as minhas pesquisas em relação ao universo artístico foram se tonando cada vez mais refinadas.
 
Escultura de Elefantes para o Espetáculo “Belinha Adormecida” de Maria Dudah Senne. Foto: Arquivo, Juvenal Irene
 
MP: Da época que você começou sua carreira na extinta Rede Tupi em relação aos dias de hoje, quais são as maiores diferenças que você pode observar?
JI: Em 1978, na TV Tupi, eram produzidas fitas de videotape gigantes e pesadas que eram carregadas manualmente pela área técnica dentro dos estúdios de TV. Isso por si só já determinava o ritmo de trabalho lento da época. Além disso, eram construídos naipes distintos de iluminação, construção cenográfica, captação de imagens, de modo que, no final do processo, todos esses naipes específicos convergiam para a cena como um produto final do trabalho. Com o passar do tempo, todas as áreas foram evoluindo e se conversando de uma maneira a facilitar todo o trabalho técnico de produção final, que hoje é compactada em arquivos de fácil transporte, velozes e muito mais simples de manipular. Outro aspecto que vale a pena ressaltar em relação ao inicio da minha carreira é a diversidade de matérias-primas que temos hoje para a construção cênica de um espetáculo de teatro, TV ou cinema. Porém, de uma forma geral, toda a evolução da arte cenográfica foi acontecendo de gradual e naturalmente ao longo de todos esses anos, sem nenhum trauma para os profissionais da área. 
 
Pintura de telão para o espetáculo “Folhas de Cedro”, de Samir Yazbek / Cenografia e Figurino: Laura Carone e Telumi Hellen. Foto: Arquivo, Juvenal Irene
 
MP: Em sua opinião, todo profissional da arte do palco que cria ilusões frente ao público precisa ter uma veia de artista plástico?
JI: Particularmente, acho que para atuar como artista plástico cenográfico, o profissional ele não precisa ter o dom para as artes. Eu acredito que o dom introduz o indivíduo em um meio. Para mim, o dom é um norteador que pega o individuo pela mão e o coloca dentro deste meio, vira as costas e vai embora. A partir dessa orientação, o indivíduo começa sua historia. Toda pessoa que perceber, dentro do seu coração, que tem um dom para as artes ou para qualquer outro campo deve se entregar aos estudos com determinação e disciplina, e quanto maior for o seu empenho nos estudos das técnicas, maior a sua excelência no trabalho a ser realizado. Então acredito que qualquer pessoa pode ser um grande artista e desenvolver seu trabalho com grande maestria, desde que tenha disciplina, estude profundamente as técnicas e tenha como objetivo fazer o melhor trabalho que lhe foi atribuído.
 
Pintura de telão para o espetáculo do “Sou Mais Zeus”, Direção de Antunes Filho / Cenografia: J.C. Serroni.  Foto: Arquivo, Juvenal Irene
 
MP: Como você vê hoje o mercado de profissionais das Técnicas de Palco?
JI: Acredito que o profissional de Técnicas de Palco precisa ser o mais completo possível e ter um conhecimento amplo nas técnicas utilizadas no teatro, TV e cinema, conhecendo profundamente todo o desenvolvimento dos mais diversos tipos de trabalho. Existe uma carência muito grande desse profissional no mercado, os trabalhos estão muito segmentados. Por exemplo, o técnico que pinta não esculpe, aquele que esculpe não pinta, o que pinta não faz o tratamento cenográfico adequado. Um trabalha apenas com isopor, outro só com madeira e por aí vai. Fica muito difícil ter uma equipe cenográfica com essas técnicas de palco num espetáculo onde cada um faz um detalhe do todo. A meu ver, o bom profissional deve transitar com conhecimento por todas essas técnicas.
 
 
Segundo Juvenal Irene, todos têm plena capacidade de ser um profissional das artes para cenografia, desde de que tenha muita dedicação, estudo e disciplina. Foto: Renato Dutra
 
MP: Você é um dos profissionais colaboradores na formação de aprendizes de Técnicas de Palco da SP Escola de Teatro. O que você diria a esses aprendizes que estão começando na carreira?
JI: Não posso dizer outra coisa a não ser que vislumbro o dia em que eu me encontre com alguém que apaixonadamente se lançou não para se especializar em uma única técnica, mas entender todo o universo das artes para cenografia. Dentro dessa diversidade, esse profissional poderá dizer “eu faço qualquer coisa”. Para mim, o artista que trilha o caminho da arte da cenografia precisa ser múltiplo, deve soldar, serrar, construir com madeira, construir com ferro, esculpir, modelar, reproduzir, criar mecanismos de movimentação no palco. Enfim, tenho a expectativa de encontrar um artista completo. Acho que ainda não temos uma usina geradora desses talentos, onde possa ser preparado um profissional com a mais completa gama de técnicas das artes do palco. Falando da SP Escola de Teatro, aqui está uma prova de que posso sonhar com esse tipo de formação. É uma excelente escola com uma gestão impecável, transparente e com preocupação de formar profissionais de gabarito. Por isso, acho que a SP Escola de Teatro deveria ser mais amparada pelas instituições de direito com maiores investimentos. 
 
Aula de pintura de telão com a Turma de aprendizes do Curso Regular de Técnicas de Palco/Módulo Vermelho, da SP Escola de Teatro. Foto: Giselle Martins

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