“É com imensa alegria que eu vejo, juntos, dois grandes nomes do teatro contemporâneo, a brasileira Maria Thais e o francês François Kahn. É uma honra tê-los aqui nesta noite.” Foram essas as palavras escolhidas por Francisco Medeiros, coordenador do curso de Atuação da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, para abrir a Mesa de Discussão que aconteceu na noite de ontem (13), na Sede Roosevelt da Instituição.
Norteado pelo tema “O Ator Narrador e o Teatro de Câmara”, o encontro reuniu uma plateia de mais de 50 pessoas, para ouvir François Kahn falar sobre sua experiência a respeito do assunto proposto. E olha que ele tem o que dizer… Desde a década de 90, o ator faz, na Itália, o que chama de Teatro de Câmara, no qual se apresenta em casas de pessoas que o contratam para encenar textos clássicos de autores como Proust e Kafka. O detalhe é que François faz sozinho todo o espetáculo: desde a produção até a iluminação, passando por figurino e elementos de cena. “Viajo de trem e chego sozinho à casa da pessoa, com uma única maleta na mão, o que passa uma sensação de alguém desprotegido, pronto para ser acolhido pelo anfitrião”, conta.
Ele ainda pontua algumas “regras” que, segundo ele, devem existir no Teatro de Câmara: “De maneira alguma o espectador deve ser forçado a perceber algo da cena. Não deve existir mentira nem manipulação entre o ator/narrador e a plateia. Ele não deve tocar no público, fazer com que ele tome parte da cena de modo autoritário; seu olhar deve fluir, sem se fixar em um único elemento na plateia. Isso pode constranger quem esta assistindo à apresentação. Também gosto de iluminar o público, com uma luz fraca, para ver e ser visto por ele”, pontua o francês.
Ser sozinho no palco foi a maneira que François Kahn encontrou para manter seu trabalho de pesquisa sem ruptura, o que acabava acontecendo no final da década de 80 e início da década de 90, quando uma crise econômica séria passou a afetar as companhia de teatro da Polônia, onde ele estudava com Jerzy Grotowski, em seu Teatro Laboratório.
Aliás, foi com o mestre polonês que ele enveredou pelo experimento Teatro das Fontes, que deu a base para o desenvolvimento de seu Teatro de Câmara. E histórias engraçadas não faltam a Kahn que, em sua experiência de levar o teatro a algumas casas, chegou a ver alguns de seus espectadores mais idosos dormirem enquanto ele atuava. “Mas Grotowski sempre dizia que não há mal algum em a plateia dormir durante o espetáculo. Nesse instante, o que o ator tem de fazer é simplesmente diminuir o tom de sua voz para não atrapalhar a soneca do público”, disse ele, arrancando risos dos ouvintes da palestra.
Francisco Medeiros apresenta os convidados da Mesa de Discussão: a brasileira Maria Thais e o francês François Khan (Foto: SP Escola de Teatro)
“Costumo dizer que o teatro de representação entrega para o público tudo pronto, até o sentido da história. Na narrativa, não. Ela alarga a possibilidade de extensão do teatro e a imaginação do narrador. O espectador também é autor”, observou a professora, pesquisadora e diretora teatral Maria Thaís.
Depois da explanação de Kahn e Maria Thaís, foi a fez de a plateia fazer perguntas aos participantes da Mesa. O primeiro foi Cristiano Alfer, aprendiz do curso de Atuação, Módulo Amarelo, da SP Escola de Teatro. Ele queria saber como se dá esse teatro nas casas, feito por François Kahn, e qual o caminho para desenvolver esse tipo de trabalho? “De início, foi tudo feito de modo ‘clandestino’, com divulgação apenas via e-mail. Depois, aconteceu o que se chama de ‘boca a boca’ e, a partir daí, criei uma rede grande e fiel de público”, contou Kahn.
François em cena
Para quem quer ter uma ideia do tipo de trabalho desenvolvido pelo francês, fica o convite: dias 27 de agosto e 3 de setembro, ele apresenta o monólogo “Moloch”, na Sede Roosevelt da SP Escola de Teatro, a partir das 20h, com entrada franca. A peça foi produzida a partir de notas sobre o julgamento em que Allen Ginsberg (poeta americano da geração beat) foi testemunha de defesa, num processo político dos Estados Unidos de 1969. Mas, no domingo, 26 de agosto, às 18h, ele vai apresentar o monólogo na casa onde está hospedado, aqui em São Paulo, nos moldes do trabalho que desenvolve na Itália. Ingressos a R$ 25. Lugares limitados. O endereço é: Centro Iyengar Yoga São Paulo (Rua São Gall, 488, Lapa, tel. 3862-0158).
Texto: Majô Levenstein