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Tatiana Belinky por Aimar Labaki

Publicado em: 17/06/2013 |

Tatiana Belinky (Foto: Divulgação)

 

* Por Aimar Labaki, especial para o portal da Escola

 

Morreu Tatiana Belinky, grande brasileira, nascida na Rússia, 94 anos declarados – mas, na verdade, nunca passou dos 4 ou 5, pelos sinais exteriores. Duas lembranças pessoais atestam a diacronia etária.

Em 1988, faleceu seu companheiro de vida, Júlio Gouveia. Havíamos nos conhecido há pouco. Ela, crítica de teatro infantil respeitadíssima; eu, tateando na crítica dita adulta. Fui com meu amigo Alberto Guzik ao velório. Ao entrar na casa, primeiro fora: quase tropecei no corpo. Para disfarçar minha falta de jeito, fui direto até Tatiana, cumprimentei-a e sentei-me a seu lado. Começamos a conversar, tentei distraí-la, em meio à dor. Excedi-me. Falei algo mais picante, e Tatiana – que com certeza estava dilacerada pela dor, seu casamento era mais que um sacramento, uma parceria de vida e de arte – não se conteve e soltou uma risada mais alta. Olhares entre o perplexo e o hostil se voltaram para mim. Tatiana se recompôs, beijou-me o rosto e disse, carinhosa: “Labaki, querido, acho que é melhor você ir embora”. Fui.

 

Dois mil e pouco. A convite de Yacoff Sarkovas, fui fazer uma consultoria para o Centro da Cultura Judaica. Na primeira reunião, comentaram que precisavam fazer um evento para crianças, o ideal seria trazer alguém de nome, mas estava difícil. Para mostrar serviço, falei em Tatiana. Reagiram incrédulos. Liguei para ela na mesma hora. Aceitou o convite, feliz. Desliguei e disse para alguém da produção ligar em seguida e já combinar os detalhes: como ir buscá-la, contato da editora, etc. Afinal, era uma senhora de idade, era melhor deixar tudo amarrado antes que ela esquecesse do combinado. A menina da produção saiu da sala de reuniões e voltou, constrangida. “Algum problema?”, perguntei. Ela tentou disfarçar, mas insisti. “Ela é sua amiga, mesmo?”. Respondi: “Não somos exatamente amigos, mas nos conhecemos há muito tempo, e temos carinho um pelo outro, tenho certeza. Por quê?” A menina confessou: “Ela topou vir, combinou tudo. Mas no final me perguntou: ‘Me diz uma coisa, vocês aí no Centro da Cultura Judaica sabem que Labaki é árabe?’”. Mais tarde, liguei para ela. “Ô, Tatiana, tá querendo que eu perca o trabalho?”. Ela sorriu daquele jeito peculiar. “Você acha que eu ia perder essa chance de fazer uma traquinagem?”

 

Gerações e gerações já se formaram primeiro vendo os programas de TV e depois lendo os livros dessa mulher inteligente, bem-humorada e extremamente profissional, como só podem ser os verdadeiros amadores, os que produzem por amor. No seu caso, amor à própria infância transformada em amor a todas as infâncias. Muitas e muitas gerações ainda se formarão com seus livros. Que seu sorriso de menina nonagenária assim também se perpetue. Obrigado, Tatiana.

 

 

* Aimar Labaki é dramaturgo, diretor, ensaísta e tradutor

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