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Soraya Saide, artista formadora do curso de direção da SP, fala sobre os reflexos de seu trabalho como palhaça dentro e fora da Escola

Soraya Saide é uma das artistas convidadas do curso de Direção da SP Escola de Teatro do segundo semestre de 2022, onde tem realizado importantes pesquisas e experimentações com os estudantes, que neste semestre estudam a Juventude (anos 1980 e 2020). Em entrevista à comunicação da Escola, ela rememorou importantes momentos de sua carreira de mais de 30 anos nas artes e no terceiro setor. Ela foi uma das principais integrantes do elenco dos Doutores da Alegria, atuando como palhaça em hospitais por 26 anos, projeto em que desenvolveu uma pedagogia própria no ensino da máscara do palhaço. Também foi integrante da Cia Os Satyros, fundada por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, diretor executivo da SP e coordenador de direção, respectivamente, entre outras dezenas de iniciativas. A partir desse olhar, ela fala sobre a importância da pedagogia da SP e mesmo sem trabalhar com a comédia atualmente, traz aos seus ensinamentos uma necessária leitura do ambiente onde a intervenção teatral acontece como forma também de incluir o público.

Além disso, a artista fala sobre a importante relação entre palhaço e criança dentro de seu novo projeto Palhaços sem Juízo, da Cia de Teatro A Rã Ri, na qual foi uma das fundadoras.

Processo Seletivo 1/2023 – Confira o adendo ao edital nº 06/2022 com dias e horários das atividades do primeiro momento

Confira a entrevista completa:

Como está sendo dar aulas na SP Escola de Teatro?

Estou gostando muito da experiência na SP Escola. Em 2005, 2006, nos bastidores da Vida Na Praça Roosevelt, quando Ivam e Rodolfo sonhavam a escola, conversávamos a respeito do que seria uma escola dos Satyros. Companhia que agregava tantos jovens talentosos, que viam no teatro a possibilidade de um trabalho, de uma profissão, de uma vocação. O Satyros na época tinha dois espaços e meio, sendo que por dia, muitas vezes, tinham duas, três peças sendo encenadas em cada um! O Satyros resultava em um teatro vivo, errático, pulsante, e ao mesmo tempo estabelecia um jeito de fazer teatro, era o próprio método. Estava claro que havia, pela prática, pelo movimento que o Satyros gerava no teatro e na cidade, uma escola embrionária com espaço para diversas áreas, tão raro e necessário. Não há lugar melhor que uma escola para gerar, debater, compartilhar processos e experiências, de dentro de seu bojo e de fora. E a SP se propõe a isso!

Por ser atriz e palhaça, quais são as inovações desenvolvidas em aula?

Eu sou atriz formada pela EAD (Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo) e a formação na linguagem da máscara iniciei dentro da escola e em cursos customizados na década de 80. Paralelo ao teatro e em razão dele, no palco como palhaça, fui convidada pelo Wellington Nogueira para integrar o elenco dos Drs. da Alegria. Fui surpreendida por uma dimensão política do trabalho fora dos palcos, nas intervenções artísticas em espaços adversos, que eu desconhecia. O hospital expôs um público, usuário dos SUS, morador de regiões onde os aparelhos culturais eram, e são precários, gente que muitas vezes nunca foi ao teatro, criança que nunca viu um palhaço. E esse público me sacudiu, orientou meu fazer teatral desde então.

Nos Drs participei de um pequeno núcleo de pessoas que fundou a escola dos Drs., que desenvolveu uma metodologia na formação do palhaço considerando a base do teatro, do improviso, das máscaras amalgamando a experiência do hospital, da necessária leitura de ambiente para uma intervenção implicada, que esses espaços improváveis dão.

Eu trago esse modo de olhar para a sala de aula, trabalho para estabelecer um bom ambiente de trabalho, a partir da integração do grupo, respeitoso, focado e bem humorado – para que os artistas se sintam à vontade para experimentar. Possam compreender e apreender seu processo criativo. Ainda que não exista um caminho único, mas o corpo, a criatividade, como instrumento que a gente afina e dispõe para a criação. Na SP não estou trabalhando a máscara nem a comédia, sou artista formadora de uma turma de direção do módulo amarelo, mas uso alguns exercícios e conceitos, que ajudam a trazer a noção do comentário, de considerar e incluir o público.

Pensando nas questões de acesso ao ensino das artes do palco, para você, qual a importância da SP Escola de Teatro? 

Uma escola gratuita que ensina oito áreas das cênicas, onde os estudantes convivem, e criam e vivenciam o fazer teatral, contando com todas as áreas é uma experiência fundante para a formação de um artista. É a garantia da própria continuidade do teatro. O teatro tem um caráter criativo, visionário e artesanal. A paciência do artesão, do fio que vira, pelo trabalho, trama, de que nada vem pronto, tudo tem que ser feito, a escola favorece muito, é o lugar de germinar, de esperar, de florescer. Então, acredito, pelo que vejo das questões que os estudantes levantam, e da própria escola, uma pedagogia que contempla se colocar em formação, uma possibilidade fértil do teatro existir. Vejo uma força muito grande nesse fazer.

Ainda mais no momento crítico que estamos vivendo no país e no mundo. Pós pandemia, tanta gente machucada com o luto, com o isolamento, com a falta. De tudo, condição de viver, a falta de visão no bem estar coletivo. Muita desigualdade. Vivemos isso na ditadura de 64, e a arte, o teatro foi lugar de lucidez, morada da resistência. Agora tem um agravante, o meio ambiente dando sinais claros que há risco de morte para a raça humana. E a extrema direita que ameaça pela via democrática, as instituições democráticas. Que vem com uma força de articulação, desconstruindo tudo que vê pela frente, fazendo uso magistral das mídias, do discurso mentiroso e descarado.

Como você enxerga a relevância da pedagogia da SP Escola de Teatro para as artes cênicas? 

Pelo pouco tempo que estou na escola, entendo que a SP Escola busca isso oferecendo uma formação teórica, técnica, prática que estimula uma formação crítica, autônoma e sensível, promove o debate e oferece o caminho de criação colaborativa. Para que os artistas formados pela escola tenham material para criar a partir do que os inquieta, sejam capazes de afetar onde quer que vão.

A impressão que tenho é que o Satyros nasceu pequeno, uma Companhia que impactou a cidade a partir da ocupação de um pedaço da Praça Roosevelt, trazia as pessoas pro teatro, pra rua, pro convívio. E a SP já nasceu grande, constituída nesse estofo, a partir dessa coragem.

Após 26 anos atuando como palhaça no grupo Doutores da Alegria, você também é a fundadora do Palhaços Sem Juízo. Você poderia nos dizer como surgiu a ideia de fazer ações artísticas no Judiciário? 

Depois de 26 anos nos Doutores entendi que precisava encontrar outras fronteiras. Saí dos Drs sem saber muito bem para onde ir, quando li uma reportagem de uma juíza que atuava junto a crianças e adolescentes no tribunal, vítimas de abuso sexual e violência doméstica. Na hora tive uma epifania e entendi que o Judiciário era a fronteira que eu buscava. Escrevi para a juíza que me recebeu prontamente. Ela viu o potencial de uma intervenção artística de palhaços no momento que antecede depoimento de crianças e jovens somando os esforços do Judiciário para humanizar o atendimento ao público.

A partir daí comecei a estruturar a ação – convidei a Roberta Calza, atriz, palhaça, com quem trabalho há mais de 20 anos. E também, Gabriela Lois e Victor Mendes. Usamos a figura do assistente da juíza, que é o trabalhador que conhece tudo e todos (vítimas, réus…) num fórum. Atuamos em dupla, usamos o código do nariz vermelho, para dentro de um ambiente real, opor a ficção.

Primeiro fomos entender aquele espaço – O depoimento de uma criança tem peso, serve como prova num processo criminal. Há uma lei dentro do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) – a Lei do Depoimento Especial, em que a criança é ouvida de forma protegida. Ela não entra em contato com o agressor, é ouvida numa sala exclusiva, o depoimento é gravado e ela não tem mais que repetir a sua história, para não sofrer uma revitimização institucional. O ECA garante o direito de a criança e/ou do adolescente manifestar suas opiniões livremente, participar da definição do que irá acontecer com ela e mesmo de permanecer em silêncio em decorrência de suas condições de “sujeitos de direito”.

Falar, contar a sua verdade dos fatos é um ato de coragem, um ponto de mudança. É libertador.

Nos conte um pouco mais sobre a importância do teatro para crianças em vulnerabilidade social.

Nossa atuação acontece na chegada dessas crianças e seus familiares ao fórum. Uma criança não entende onde está, mas quando se depara com um palhaço, intui que aquele lugar está a serviço dela. Pretendemos, a partir da relação que estabelecemos ali, teatro de improviso em tempo real, que a criança se sinta empoderada, com pertencimento, para quando chegar o momento de ser ouvida pela juíza que conte a sua verdade, se expresse livremente. Atuamos no enfrentamento da violência contra crianças, adolescentes e mulheres. Essa é a nossa causa.

O projeto comunica à sociedade, sob o prisma da arte, o que é o Judiciário. Busca dar visibilidade a leis como a do Depoimento Especial, nascido no ECA, e outras iniciativas, que nem sempre são de conhecimento do público.
Na pandemia, com a interrupção do trabalho presencial, ativamos as redes sociais, lives, vídeos, quase 100! Por conta de nossos vídeos fomos convidados por uma outra juíza da área criminal a criar e a produzir a campanha “Não Se Cale!” contra a violência à criança e ao adolescente. A campanha já está em seu 3º ano. (Convido vocês a acessarem o Instagram, o Facebook ou canal no Youtube do Palhaços Sem Juízo. Tem muito material legal sobre a linguagem e sobre o tema).

Acredito que a arte abre perspectivas para a realidade e o palhaço está muito próximo do brincar dentro de um fluxo de emoções. Sem julgamentos, ele traz um mundo de possibilidades, sensível e imaginário. Isso dialoga com a natureza humana, sua capacidade criativa e espontânea de fabular, o que fortalece e potencializa a autonomia, a independência de cada um. O palhaço, em sua vulnerabilidade, traz identidades com a situação da criança, oferecendo suporte para ela se sentir reconhecida, ganhar pertencimento e voz ativa. Resumindo: palhaço e criança são feitos da mesma matéria – do brincar!

Direção SP Escola de Teatro

A linha  de estudo de  direção da SP Escola de Teatro é voltada à preparação e à instrumentalização para o fazer teatral, enfatizando a visão crítica e ampla sobre a sociedade e as possibilidades da encenação contemporânea. Oferece, assim, caminhos criativos e teóricos para que os encenadores saibam lidar com todos os âmbitos da cena teatral. Conhecimentos como a ordenação do fluxo do trabalho cênico, experimentações envolvidas no processo de criação teatral, procedimentos para o fazer criativo e a busca por uma expressão teatral singular fazem parte das propostas da especialidade, além de estudos de diversas perspectivas cênicas contemporâneas.

 




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