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SP TransVisão: O Assunto É Mercado de Trabalho

Publicado em: 29/01/2013 |



Com seu colorido, que representa a diversidade de gêneros, a felicidade e o alto-astral, típicos de quem resolveu se assumir, o arco-íris foi escolhido para representar o orgulho gay em todo o mundo. Mas a verdade é que esse símbolo esconde, no dia a dia de quem se assume, um lado triste e sépia. E foi um desses tópicos, nada coloridos e felizes da vida gay, que foi abordado ontem (28), durante a abertura da SP TransVisão – Semana da Visibilidade Trans: a dificuldade que travestis e trans têm de se inserir no chamado mercado de trabalho formal.

Diante de um auditório lotado, com mais de 60 pessoas, entre héteros, homossexuais, travestis e trans, uma mesa-redonda, comandada por Heloisa Gama Alves, da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, discutia o assunto, a partir de colocações feitas pela advogada Fabíola Marques, da OAB – SP; pelo ator, dramaturgo, cofundador dos Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro, Ivam Cabral; por Marcia Rocha, da Associação Brasileira de Transgêneros (Abrat), e por Laura Prevato e Flavia de Araújo, funcionárias da SP Escola de Teatro. O bate-papo fez parte do “P.E.G. – Projeto Expressões de Gênero”, um espaço de conversas sobre gênero e sexualidade, com foco nas identidades trans.

Quem abriu o debate foi Leo Moreira Sá, da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT), ex-aprendiz da SP Escola de Teatro, onde concluiu os quatro módulos do curso de Iluminação. Ele chamou a atenção para o fato de que a dificuldade de um trans ou um travesti de se inserir no mercado formal de trabalho começa na parca formação escolar. Segundo ele, muitos não chegam nem a concluir o Ensino Fundamental II (antigo Primeiro Grau). “E daí, sem estudo, a pessoa não consegue se capacitar profissionalmente. Fica difícil encontrar um emprego”, disse. Leo ainda apontou o preconceito como o grande vilão do mercado de trabalho: “Eu mesmo, que sou ganhador de um Prêmio Shell, enviei meu currículo para diversas companhias de teatro, mas não tive resposta. De empresas chamadas ‘formais’, então, nem se fala”, afirmou.

Depois, foi a vez de Flavia de Araújo, funcionária da SP Escola de Teatro, falar sobre sua trajetória pessoal e da iniciativa pioneira da SP Escola de Teatro de destinar as vagas de suas recepcionistas a travestis e trans. “Eu sou formada em Letras e só consegui concluir minha faculdade graças à oportunidade que encontrei aqui na Escola, onde trabalho na recepção. Agora, quero fazer outra faculdade, de Biblioteconomia, para atuar nesta área e, se for possível, aqui na Escola mesmo”, contou ela que, antes de dedicar-se aos estudos, ganhava a vida se prostituindo. “Foi meu companheiro, com quem estou casada até hoje, que me incentivou a desenvolver meu potencial, a ir estudar, aprender uma profissão”, lembra Flavia.
 
Também funcionária da SP Escola de Teatro, Laura Prevato narrou como percorreu seu caminho até a Instituição, onde atua como assistente administrativa. “Sempre tive o apoio da minha família, que foi fundamental na minha vida. Estudei, estou fazendo faculdade de Relações Públicas. Antes de vir para a SP, trabalhei vendendo cosméticos e em uma escola. A ideia era que eu também trabalhasse na recepção, mas acabou surgindo esta vaga no departamento administrativo e como eu já tinha uma certa experiência nesta área, foi ótimo. Acredito que tive sorte. Nunca precisei me prostituir, muito por conta do apoio que recebi da minha família. Enfim, sou um ser humano, como outro qualquer”, diz ela.

Da esq. para a dir., Flavia de Araújo, Marcia Rocha, Heloisa Gama Alves, Laura Prevato, Dra. Fabíola Marques e Ivam Cabral

Ivam Cabral, diretor executivo da SP Escola de Teatro, falou da iniciativa de colocar no estatuto da Instituição o comprometimento de reservar as vagas das recepcionistas da Escola para as travestis e trans. “Ninguém precisa agradecer nada. Se a Escola faz muito por elas, elas também fazem muito pela Escola. Eu acredito que o problema da inserção de travestis e trans no mercado de trabalho é um problema humano. Falta vontade, também, de agarrar as oportunidades que surgem. Aqui, ouvimos duas belas histórias, mas eu já vi e ouvi outras bem tristes”, afirmou.

A empresária e advogada Marcia Rocha, presidente da Associação Brasileira de Transgêneros  (Abrat), fez coro com Ivam dizendo que é muito difícil, também, convencer o travesti a deixar as ruas para receber um salário mínimo, por exemplo. “Há um estudo que indica que a estimativa de vida de um travesti é de 34 anos. Daí, eles se perguntam: ‘Por que eu vou estudar e sair da rua? Vou morrer daqui a dez anos mesmo’”, diz Marcia, que, como empresária, afirma que empregar um travesti é “comprar uma briga”. “Muitos clientes não aceitam ser atendidos por um travesti. É complicado. É entrar numa guerra com os clientes.”

A seguir, a advogada Fabíola Marques, da OAB-SP, deu exemplos de como  a Lei 9.029, de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência no emprego, pode ajudar na causa. “Essa lei foi usada em processos nos quais o emprego foi negado ao trabalhador por conta de origem, raça, cor e sexo. Outra ferramenta importante é a documentação de conversas (gravadas ou via e-mail), que comprovem ter havido discriminação por parte da empresa contra o homossexual ou o travesti. Se a causa da demissão foi essa, a empresa paga multa e é obrigada a readmitir o funcionário e a pagar-lhe pelo tempo em que ficou afastado”, disse a advogada.

Dentre o público presente, Soninha Francine, ex-candidata do PPS à prefeitura de São Paulo e membro do Conselho da Associação dos Amigos da Praça (Adaap), Organização Social de Cultura, responsável por gerir a SP Escola de Teatro. Ela perguntou se todas as vezes em que há caso de discriminação em uma empresa, é o trabalhador que tem de provar que foi vítima de um caso assim. “Não. Em casos envolvendo empresas grandes, muitas vezes, há inversão do ônus da prova. É a empresa que tem de provar que não houve discriminação, e não o trabalhador”, esclareceu doutora Fabíola.


Aberta a rodada de perguntas feitas pelo público aos integrantes da mesa, foi a vez de a plateia se manifestar. Dentre os mais entusiasmados, estava a travesti Miriam Queiroz, que foi pontual: “Não adianta capacitar. Gestores não dão emprego. O que tem é de conscientizar o empregador de que não somos marginais. Só queremos ganhar nosso sustento dignamente”.



Num bate-papo animado na plateia, as musas Phedra D. Córdoba e Bianca Soares (Bianca Exótica)

Ao final da discussão, uma boa notícia: algumas escolas de São Paulo estão com turmas voltadas a travestis e trans. No Senai Barra Funda, por exemplo, é possível cursar manipulação de alimentos, e nas escolas estaduais Caetano de Campos e Professora Marina Cintra, há turmas de gêneros diversos. Assim, como disse Ivam Cabral, “a vida não é fácil, mas é preciso saber agarrar as oportunidades”.

E, hoje (29), a programação da SP TransVisão – Semana da Visibilidade continua, com a inauguração da exposição  do cartunista Laerte, que desde 2009 adotou o “cross-dressing”, vestindo-se com roupas e acessórios femininos. Às 19h, ele abre uma exposição de quadrinhos da Muriel, o nome de sua personagem trans, no Saguão da SP Escola de Teatro. A mostra, chamada “Muriel Visível”, permanece até sexta-feira (1º), aberta para a visitação do público, das 9h às 21h. 

Sobre a SP TransVisão
Em uma iniciativa inédita, a SP Escola de Teatro  sedia a SP TransVisão – Semana da Visibilidade Trans. O evento, que reúne debates, exposição, filme, teatro e performances,  é promovido pela própria Escola, em parceria com a Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB – SP); a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania; a Assessoria de Gêneros e Etnias, da Secretaria da Cultura; a Associação Brasileira de Transgêneros (Abrat); a Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT); a Companhia de Teatro Os Satyros; a Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap), e o Governo de São Paulo.

O objetivo do encontro é abrir mais um espaço para o debate sobre a tolerância e a diversidade.

Serviço
Evento: SP TransVisão – Semana da Visibilidade Trans
Quando: De segunda (28) a sexta (1º), às 19h
Onde: SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco
Praça Roosevelt, 210 – Consolação
Tel. (11) 3775-8600

Peça: “Inferno na Paisagem Belga”
Quinta (31), às 21h
Onde: Espaço dos Satyros Um
Praça Roosevelt, 214 – Consolação
Tel.(11) 3258-6345

Toda programação do evento tem entrada gratuita.

 

 

Texto: Majô Levenstein

 

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