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Sobre os núcleos 5, 1, 3, 9 e 6*

Publicado em: 10/12/2012 |

*Por Wilson Julião

Problema teatral – Problema coletivo
Se minha percepção pode levar em conta tudo o que me envolve para que eu frua a obra artística e se o contrário também é operável, me encontro em pleno(s) diálogo(s) com o que me cerca e me compõe. E se levo em conta que sou parte de uma malha infindável de outros atuantes neste processo, poderia deixar esmaecer alguns aparatos do individualismo. Podemos aqui indicar um: o problema teatral é um problema coletivo.

E nada melhor que uma pequena multidão de atravessamentos para avançar na luta dentro desta questão. A SP Escola de Teatro trava caminhos acertados, amplia os espaços de atrito e de prática sobre os mecanismos infindáveis da Forma/Conteúdo. A jaula não impede a natureza da fera. Por sua natureza mutável, efêmera e imprecisa, o teatro garante o espaço de manobra: aprimorar uma pausa, reerguer a atenção a um detalhe, movimentar um pouco o corpo ou o cenário, promover uma associação nova a um texto, deslocamentos, rupturas, aportes, especulações, acionamentos… Estas são ações diárias e eternas assumidas pelo teatro – que se faz e desfaz o tempo todo – mas praticadas por nós, artistas de alguma das áreas do teatro. Para que faça sentido e para que promova conexão efetiva com a vida que nos rodeia. E se trabalharmos juntos (provavelmente a maior utopia é criar algo juntos) e instaurarmos um real processo de construção coletiva, onde mais do que as pessoas, os materiais gritem (como citou Joaquim Gama acerca da fala de Luis Alberto de Abreu) poderemos pesquisar sobre a desprivatização da autoria em prol de uma coletivização da responsabilidade em relação à obra.

 

A contaminação dos segmentos da sociedade pelo mercado e pela força do capital são abordados no trabalho do núcleo 5, sob o percurso de um corretor de imóveis e suas tangências ao espaço da Praça Roosevelt. Uma dificuldade aqui fora avançar para além do enunciado, ou seja, desenvolver o discurso na direção de apontamentos mais amplificados, menos polarizados. A brincadeira com o nome da empresa “Ode ao Brecht” dá a dica de um trabalho que faria diferença neste processo.

 

O cuidado apurado nas realizações demonstrou pesquisa e produção com significativa dedicação”, escreve
Wilson Julião (Foto: SP Escola de Teatro)


Ação relevante
Nos momentos de conversa após as apresentações, variadas falas discorreram sobre o fazer, sobre a ação como escolha para certa superação das dúvidas, anseios e acúmulos. Importante síntese e bom encaminhamento. Os meandros dispersivos de uma pesquisa sem foco podem atrapalhar o processo. O que não deve ser confundido com operações irrefletidas. Mas parece que boa parte dos aprendizes da SP Escola de Teatro procurou a via da ação para se aproximar da construção dos materiais artísticos. Notamos isso pelo cuidado apurado nas realizações que demonstrou pesquisa e produção com significativa dedicação.

Todavia, precisamos ainda verificar com os envolvidos se a compreensão deste processo complexo é exercida de fato e amplamente. Porque o trabalho envolvendo todas as áreas de criação de forma simultânea e contagiante é possível, é estrutura principal do projeto pedagógico da escola e parece-me experiência desejada por todos. Conscientizar é apossar-se, de algum modo. E fortalecido, todo artista envolvido pode evocar, sugerir, conceituar, ler e explanar sobre as materialidades, o que torna muito mais plural o caminho da obra. Sempre me ocorre a questão acerca da direcionalidade que um processo tem, por vezes, em detrimento de sua direção.

 

Nos minutos do debate, a disposição dos aprendizes já indicava a coesão do processo vivido. Certo relaxamento que introduz cumplicidade e consciência do que havia (bem) decorrido. O núcleo 1 mostrou-nos um trabalho delicado, com maestria nas composições de ações, iluminação, sonoplastia e cenografia, noção de ritmo e do alcance das escolhas. Questões profundas foram teatralizadas. E o material artístico que não entrou no experimento, ainda é teatro?

 

Da teatralidade
Porque, afinal, a questão fundamental é acerca da teatralidade, aquilo que é especificamente teatral e que em funcionamento constitui o fenômeno do teatro. Parece óbvio, mas jogar com materiais apenas acumulados e não articulados de forma orgânica pode ser um problema que não se deve mais operar com a chegada do público. Com a presença de público, outras questões aparecem, outros são os problemas e outro é o campo de construção. Não é aqui o momento de rever a teatralidade. Parece-nos que os envolvidos na construção da narrativa cênica precisam antever as conexões necessárias para que a linguagem teatral se efetue. Este é um trabalho que pode se iniciar em qualquer uma das áreas de criação e se desenvolver, por vezes com inúmeras peripécias, para todas as outras. É apostar no processo, nas opções, manter a obra viva e refletida por toda a equipe, e não apenas democratizar a participação de todas as dramaturgias da cena por uma necessidade de inclusão ou, no caso da SP Escola de Teatro, por conta de  uma equidade de criações entre os cursos. Porque é bem próprio do teatro a essencialidade, o jogo e, sobretudo, a construção de novas experiências ao espectador. Digo que o entendimento da narrativa da encenação global (para não confundirmos com a fábula…) precisa povoar todos os artistas envolvidos para que as escolhas sejam feitas em relação à obra, e não a uma simples participação democrática.

Logicamente, não podemos encarar essa abordagem como um estímulo ao purismo ou alguma afetação nostálgica. O que digo é que, mesmo que nossos processos sejam contemplados com aportes tecnológicos, interações estéticas, hibridizações, performações e performatividades, conluios e flertes com outras linguagens, isto é ainda meio e busca para a efetivação do fenômeno teatral. Talvez seja necessário hoje “roubar” elementos e procederes, meios e modos de produção de outras linguagens e áreas do conhecimento sem nenhum pudor. Porque hoje não pode ser de outro modo. Precisamos encontrar as formas necessárias a um encontro que se dará hoje e nosso público – bem como nós – não absorve experiências deficitárias ou insossas. A pesquisa para um teatro hoje se dá num ambiente de pesquisa aberto e ligado ao tempo/espaço de hoje. Até onde nossa vista alcança?  

 

Os quadros compostos pelo núcleo 3 para traçar um panorama da história brasileira e as nascentes dos problemas sociais variados, entre eles as questões da propriedade e da manipulação midiática, investigaram a linguagem do bufão. Soluções teatrais, elenco afinado e cheio de ânima, elementos artesanais e tecnológicos em pesquisa e a memória digital de um ato performativo na Rua Oscar Freire ampliaram a estrutura que ainda solicitava ajustes. Assumir as fragilidades como forma não configura alguma relação com nossa cultura?

 

Construção de um novo modo de percepção do mundo
Atuação, cenografia e figurino, direção, dramaturgia, humor, iluminação, sonoplastia e técnicas de palco são as áreas que integram os cursos regulares da SP Escola de Teatro. Para além e com intuitos de pesquisa e investigação, podemos incluir nesta reflexão uma possível coexistência da nona arte do palco nos processos instaurados: a plateia ou público, audiência, espectadores ou participantes (como nos ensinou Jerzy Grotowski). Esse conjunto deve ser levado em conta, seja durante os projetos e a teatralização dos conceitos, seja em ato, nos momentos que precedem, cedem e sucedem às apresentações. Uma grandeza em si, de larga magnitude, porque incomunicável previamente e fugidia em suas conexões e leituras. Figura como área imensa de pesquisa aquela que envolve os estudos acerca da leitura, da recepção, da percepção. Levanto essa questão porque ela fora pouquíssimo abordada nas rápidas conversas depois das apresentações e, em minha opinião, pouco apurada em alguns momentos dos trabalhos. Acomodações adequadas podem ampliar a conexão entre os envolvidos, bem como emissões e exibições com total alcance podem garantir a adesão, ou não, do público. A análise dos períodos de permanência em pé, em trajeto ou em acomodações desconfortáveis podem ser levadas em conta e promovidas à proposta clara e dramatúrgica. Alguns trabalhos teriam a ganhar com isso.

 

O vermelho imperou na construção do núcleo 9, trabalho que operou a visualidade ao ponto de poder descartar o texto ou boa parte dele, fato que não ocorreu. Um rodopio dos componentes e a “Guernica”, de Picasso, me ocorre e, com ela, um mundo de conteúdos. Uma encenação equilibrada entre sonoridades, visualidades e presenças, que poderia lembrar algo de Tadeusz Kantor. Um trabalho que produz uma experiência estética que requer depuração. Como ampliar aqui a experiência com a palavra?

Concluo esta escritura com agradecimento pelas inúmeras experiências proporcionadas pela fruição das apresentações do Módulo Vermelho. Reitero o quão importante foi percorrer esse caminho coletivizado do fazer teatral.

 

Trancafiados ora num vagão de metrô, ora em si mesmos, ora num sanatório, as figuras da encenação do núcleo 6 discorreram sobre assuntos pertinentes a muitas reflexões contemporâneas. A teatralização – dotada de humor e acidez – muito bem cuidada construiu uma coerência harmoniosa e fluída. Luz, cenários, visagismo e performances na medida do potencial de cada componente. Na conversa final, desabafos que revelaram um processo dificultado que eu não vira na cena. Será que o nariz (linguagem do clown) já não estava lá?

 

A delicadeza sábia das palavras de Eugenio Barbana sua passagem pela SP Escola de Teatro – lembrou-nos de que o teatro surgira como ofício e sem grandes pretensões, mas que alguns poucos (ele considerou a palavra “originais”) acreditam que o teatro pode realizar além do que uma profissão prevê. Provavelmente ele nos pondera sobre o Terceiro Teatro, conceito muito importante na formação da minha geração. Acionado, recordei-me da frase de Joseph Beuys (“Todo homem é um artista!”) e do quanto esse conceito – aliado ao mergulho em sua obra – mobilizou minhas opções e trajetória. Hoje, estamos em processo e temos as ferramentas para encontrar nosso caminho artístico, operá-lo e fruir seus sentidos. Porque todo artista já é uma origem.

Leia aqui, sobre os núcleos 7, 4, 8 e 2.

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