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Sísifo, o Mito e as Uniões Homoafetivas

Publicado em: 19/10/2023 | por: SP Escola de Teatro, Dinovan Dumas de Oliveira

Perséfone superviosa Sísifo empurrando sua pedra no mundo dos mortos. Imagem em uma ánfora ática, circa 530 AC.

Perséfone superviosa Sísifo empurrando sua pedra no mundo dos mortos. Imagem em uma ánfora ática, circa 530 AC. | Foto: Wikimedia Commons

Na esteira da discussão que toma nesse momento parte da sociedade brasileira sobre o casamento homoafetivo, após uma comissão da Câmara aprovar no dia 10 um projeto de lei que proíbe a união entre pessoas do mesmo sexo, o advogado Dinovan Dumas de Oliveira, que colabora com o trabalho da Associação dos Artistas Amigos da Praça (ADAAP), escreveu um importante artigo ampliando o debate. 

Sobre o assunto, como noticia a CNN Brasil: “Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Naquele ano, a Corte decidiu, por unanimidade, que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para garantir o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também considerou essas relações como entidades familiares. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução para obrigar a realização de casamentos homoafetivos em cartórios do país.”

O artigo de Dinovan Dumas de Oliveira foi publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo, no blog do Fausto Macedo. Querendo fazer parte desse importante debate, o site da SP Escola de Teatro republica o texto abaixo.

Sísifo, o Mito e as Uniões Homoafetivas

Há algum tempo, o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), usando e abusando da erudição que lhe é peculiar, aproveitou o suplício de Sísifo para falar sobre o trabalho de combate às fake news. Personagem da mitologia grega conhecido por, entre outras coisas, despertar a ira dos deuses, Sísifo foi condenado por Zeus à imortalidade e a viver a eternidade empurrando uma pedra gigante para o topo de uma montanha. Quando a pedra chegasse ao cume, rolaria de volta para a base, de modo que ele teria que empurrá-la de novo, de novo e de
novo. O escritor francês Albert Camus interpretou a história em 1941 no livro “O Mito de Sísifo”. Para o autor, o castigo a que aquele homem astuto foi condenado era uma analogia à realização de um trabalho vazio e sem sentido.

Me lembrei desta história ao ler o PL 5167/09, que tem como objetivo proibir a equiparação das uniões homoafetivas ao casamento ou à entidade familiar. De autoria dos ex-deputados Paes de Lira e Capitão Assunção, ele é relatado pelo deputado Pastor Eurico (PL-SP). Partindo do pressuposto de que a mitologia pode ser um ingrediente interessante para a estruturação das relações entre passado e presente, não pude deixar de pensar na tarefa angustiante que o deus dos deuses determinou para a vida de Sísifo — um entusiasta da felicidade — e sua relação com todas as recentes lutas que ocorreram até que o casamento homoafetivo pudesse, enfim, acontecer. E por enxergar que o olhar de parte dos congressistas brasileiros caminha na contramão do mundo.

Em dezembro de 2022, o parlamento norte-americano aprovou projeto de lei protegendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A medida não só freou o conservadorismo que a Suprema Corte do país sinalizava sobre o assunto, como vai em sentido totalmente contrário ao que o Brasil discute agora.

Há muito a comunidade científica fugiu das concepções limitadoras da sexualidade e passou a entender que restringir a sua definição apenas ao chamado sexo biológico e à reprodução, como previa Foucault — desprezando conceitos mais atuais, abrangentes e inclusivos — era inadequado. Ela entendeu que a educação sexual formal e restrita às questões anatomofisiológicas e fisiopatológicas não encontrava encaixe na sociedade moderna.

Em 2023, porém, o Brasil ainda tem congressistas sustentando a ideia de que o amor entre dois homens ou entre duas mulheres não pode ser equiparado ao casamento porque valores religiosos e fundamentalistas assim o querem. Seria bizarro, se não fosse cruel. E não só porque a base que sustenta esse raciocínio é a religiosidade cega, mas porque até quem caminha amparado pelos conceitos que sustentam o agnosticismo ateísta já entendeu que, na ideia de Jesus, sempre prevaleceu o amor.

O deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), sabedor de que o fundamentalismo religioso revela um certo prejuízo intelectual de quem o sustenta, questionou se o modelo bíblico de família de quem critica o casamento gay é compatível com o modelo de família do rei Davi, composto por um marido e oito esposas. Ou o do rei Salomão, composto por um marido, setecentas esposas e trezentas concubinas. Não teve resposta.

É cruel, portanto, enxergar que o Brasil ainda tenha representantes abarrotados desse vazio cultural e humano, e que sejam capazes de sustentar a necessidade de um projeto tão irrelevante para a sociedade. Enquanto as pessoas que defendem a proibição da união homoafetiva não enxergarem que essa tentativa de extinguir o casamento gay é imprópria, impotente e sem sentido, a luta pelas mudanças e pelos direitos homoafetivos continuará sendo um eterno jogo de empurrar pedras morro acima.

O amor é a saída. E disso, cara, nem Deus duvida.




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