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Olhares: Rebobinar para não reproduzir

Publicado em: 17/11/2019 |

POR ANA CLARA GONÇALVES PAMPLONA

Em um minúsculo apartamento no centro de São Paulo, um grupo igualmente minúsculo assiste a uma leitura dramática realizada por dois atores sentados, vestidos casualmente. É neste contexto, minimalista em seus recursos cênicos, que se ergue o texto “Réquiem”, de Marcelo Oriani, em uma proposta onde a narração é central. Neste, a agressão, inclusive na forma de estupro, é tratada de perto, sem desviar o olhar.

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O testemunho que constitui o cerne do peça é tratado de forma arrojada a partir de uma escrita que incorpora movimentos de fitas VHS. O texto, assim, parece reconhecer a trágica frequência dos eventos que relata; afinal, é um filme que se vê todos os dias. Em contrapartida, ao rebobinar a ação, o dramaturgo a desfaz, insinuando a esperança de que também as condições concretas que propiciam a agressão sejam desmanteladas.

Na leitura dramática, as referências à reprodutibilidade técnica estão presentes não apenas na estrutura da peça, que rebobina, pausa e reproduz, mas também na sonoplastia. Ela é comandada a partir do celular até uma caixa de som no rack da sala, do mesmo modo doméstico como assistiríamos a um VHS — aqui, ouvindo a voz dos atores Arthur Martinez e Marcelo Oriani. Os dois, aliás, entregam o texto com excelente ritmo, transmitindo os momentos do vórtice e da suspensão da ação.

Desse modo, em 20 minutos, na experiência proposta pela Cia. Façamos Assim, sob a direção de Amanda Stahl, entramos em contato com a reprodução literário-teatral de um filme trágico já assistido à exaustão, mas que continua sendo produzido, com renovada sanha, no Brasil de 2019.

 

Ana Clara Gonçalves Pamplona é participante da Oficina Olhares — Uma Poética da Crítica, ministrada por amilton de azevedo, como atividade de extensão cultural da SP Escola de Teatro. Os participantes foram convidados a escrever críticas de espetáculos das mostras AutoPeças e Ouvi Contar, dentro da programação das Satyrianas 2019.

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