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A arte imita a vida: crítica da peça “Frases de Porta de Banheiro”

Publicado em: 01/11/2023 | por: Thamires Araujo

Cena de "Frases de Porta de Banheiro", de Nina Nóbile, durante as Satyrianas 2023.

Cena de “Frases de Porta de Banheiro”, de Nina Nóbile, durante as Satyrianas 2023. | Foto: Coletivo Fotomix/Sofia Inati

Crítica da peça “Frases de Porta de Banheiro”, texto produzido durante a oficina “Olhares: Poéticas e Possibilidades da Crítica Teatral”, curso gratuito de extensão cultural da SP Escola de Teatro, ministrado por Amilton de Azevedo. A peça foi assistida durante o Festival Satyrianas 2023, em outubro de 2023.

Há dois meses, em Belo Horizonte (MG), estupraram uma mulher que foi deixada desacordada na calçada, encostada em um poste, quando voltava de um show. Um dos motivos de a notícia ter viralizado foi o fato de que ela deixou muito claro que era um crime que não precisava acontecer. Muitos homens poderiam tê-lo impedido. Nenhum o fez.

Nada na sinopse de “Frases de porta de banheiro” indicava que o tema da peça seria esse. A peça começa com Ana Clara Fischer sentada no centro do palco, apertando os próprios dedos, encolhida. Nervosa. Ela será interrogada sobre o que, aos poucos, entendemos que foi um abuso que ela sofreu. O procedimento é parecido com o usado por David Foster Wallace em seu “Breves entrevistas com homens hediondos”: nunca ouvimos as perguntas, apenas as respostas. Aqui, no entanto, não se ouvem os homens hediondos, só a mulher que teve a infelicidade de encontrar com um.

Dois planos narrativos se intercalam com a entrevista: uma reflexão descontraída sobre as frases encontradas em portas de banheiro (que nos pegam desprevenidas em um momento tão vulnerável e íntimo) e o relato do caminho percorrido pela vítima do crime em Minas Gerais, do show até o estupro. Também aqui o texto reage ao silenciamento feminino: só a mulher tem fala, os homens não. Sabemos que os homens da história falam porque a atriz diz “ele responde”, mas nunca sabemos o quê.

Enquanto a atriz conta, a luz oscila, quase como se fosse difícil, também para ela, assistir àquela história de horror. O ponto de vista também varia: a história é contada ora em primeira, ora em terceira pessoa. Quando se dá em primeira pessoa, é como se a própria vítima estivesse ali, revivendo aquilo tudo e contando para o público enquanto vive. A mulher interrogada, a violentada e a que coleciona frases de porta de banheiro se misturam: são uma, são três, são todas. Contudo, se os limites éticos em narrativas autoficcionais já são nebulosos, aqui, nesta peça que parte de uma história real, talvez caiba perguntar: uma história tem dono? Criar uma nova narrativa, imaginar sensações de uma pessoa real, que passou por uma experiência traumática recentemente é dar voz ou silenciar? Qual o limite entre dar voz e expor?

Como enfatiza a encenação – por meio dos diversos jornais espalhados pelo palco – uma mulher vítima de violência é notícia tantas vezes que chega a não ser novidade. Acontece todos os dias. Acontece todas as horas. Está acontecendo agora. Cada uma de nós tem pelo menos uma história de abuso para contar. Mas será que precisa acontecer, mais uma vez, também em cena? O teatro tem o seu papel de provocação e incômodo, e é importante combater a dessensibilização que a repetição causa, mas o público é, majoritariamente, feminino: nós, as pessoas mais comumente vitimadas, precisávamos mesmo assistir mais uma vez a uma história que já estamos cansadas de viver e ouvir, e sem qualquer tipo de prevenção (talvez, como quem lê uma frase numa porta de banheiro em seu momento mais vulnerável)? Não há nenhuma saída possível, nem na arte? Não seria o caso de, desta vez, no palco, pelo menos na ficção, salvar uma mulher a quem já foi negada tantas vezes a possibilidade de não ser uma vítima? Sim, a denúncia é necessária e deve ser feita dia após dia, mas a linha entre a denúncia e a mera reinstauração do abuso em cena é, muitas vezes, bastante tênue.

Ficha técnica

“Frases de Porta de Banheiro”, de Nina Nóbile. Direção: Silvio Eduardo. Elenco: Ana Clara Fischer. Som: Dennys Leitte. Luz: Marcelo Rodrigues. 

Thamires Araujo é dramaturga, atriz e tradutora. Pós-graduada em Dramaturgia pelo Célia Helena, técnica em Teatro pelo Indac – Escola de Atores e bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo. Atualmente, estuda Dramaturgia na SP Escola de Teatro.




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