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Ponto | O Início de uma Nova Cultura Teatral Brasileira

Publicado em: 24/05/2011 |

Em 1945, o empresário Franco Zampari escreveu uma peça chamada “A Mulher de Braços Alçados”. O que não se sabia era que, três anos mais tarde, após o aspirante a autor ter apresentado o espetáculo em uma festa da alta sociedade de São Paulo, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) iniciaria sua trajetória.

 

Os atores, na década de 30 e 40, eram, geralmente, donos de suas próprias companhias, assim como Procópio Ferreira, Dulcina de Morais e Jaime Costa. Nesta época, predominavam espetáculos de humor com apenas um ator principal, que era muito valorizado por sua habilidade e capacidade de improvisação diante do público.

 

Com a ideia de atualizar a prática teatral, universitários, intelectuais e profissionais liberais se agruparam para reformular o repertório e as técnicas já existentes no ramo. Então, em 1948, associado a empresários paulistanos, Zampari contrata diretores e técnicos estrangeiros, aluga um edifício no bairro da Bela Vista, o transforma em um luxuoso teatro e funda o TBC. O espaço contava com 18 camarins, duas salas de ensaio, uma sala de leitura, oficina de carpintaria e marcenaria e almoxarifados para cenografia e figurino. Além disso, investiu-se em modernos equipamentos de luz.

 

Enobrecer a cultura da cidade não era o único objetivo da companhia. O TBC caracterizava-se, ainda, por transformar atores amadores em profissionais e por fundir entretenimento e cultura. Para conseguir atingir esta meta, em outubro do mesmo ano, o grupo estreia, com sucesso, dois espetáculos: “A Voz Humana”, com a atriz francesa Henriette Morineau, e “A Mulher do Próximo”, com Cacilda Becker, atriz que se tornaria, anos mais tarde, uma das mais gloriosas da época.

 

O TBC conseguiu formar o melhor elenco do País, com nomes como Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Tônia Carreiro, Cleyde Yáconis, Nathalia Timberg, Paula Autran, Sergio Cardoso, Ruy Afonso e muitos outros. Com a proposta de elevar o repertório, alguns grandes autores como Sófocles, Bernard Shaw, Luigi Pirandello, Tennessee Williams e Arthur Miller tiveram suas peças encenadas ali. Entre os encenadores que, de certa forma, se alternavam nas montagens da companhia estavam Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobbi e Zbigniew Ziembinski. Antunes Filho foi um dos únicos brasileiros dessa equipe, ao lado de Flávio Rangel.

 

Em 1949, Franco Zampari decidiu expandir ainda mais suas atividades nas artes e fundou, junto ao industrial Francisco Matarazzo, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que, apesar de ter funcionado durante apenas 15 anos, foi o estúdio cinematográfico mais importante da época. 

 

Entre 1953 e 1955, o TBC enfrenta problemas financeiros e, devido às más condições, o teatro perde alguns de seus principais nomes, que decidem fundar suas próprias companhias. Dois anos depois, a atriz Cacilda Becker também se desliga do TBC e funda um teatro que leva seu nome. Embora o TBC tenha sido responsável pela origem de muitas companhias teatrais, como é o caso do Teatro Arena e o Teatro Oficina – que mesmo tendo propostas divergentes, tiveram o TBC como referência para sua formação – as perdas e os pesados investimentos contribuíram, e muito, para a sua decadência definitiva. 

 

Cacilda Becker falou em depoimento à teórica e pesquisadora das artes cênicas brasileiras, Maria Thereza Vargas: “Até 1956 tudo conseguiu caminhar bastante bem, porém, desse ano em diante, Zampari começa a lutar com dificuldades tremendas. (…) O governo não assistia o TBC. Zampari teria merecido apoio irrestrito de qualquer governo do mundo, mas o nosso nunca lhe ofereceu. (…) No enterro de Zampari, Alfredo Mesquita me disse: ‘O teatro brasileiro deve muito a muita gente, principalmente ao velho Ziembinski, a Paschoal Carlos Magno, mas, sobretudo, a Franco Zampari. Todos eles deram tudo o que tinham, mas Zampari deu mais, deu a vida…’ “

 

O ator e diretor Benedito Corsi, que participou da primeira companhia formada por ex-integrantes do TBC – Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA) – brincou que, antes de dormir, os jovens atores nacionais da década de 50 rezavam baixinho: “Que Deus nos Zampari”. A trajetória do então empresário despertou o interesse também do jornalista Alberto Guzik, que foi autor de um importante estudo sobre a história do teatro. O livro, entitulado “TBC: Crônica de um Sonho”, retrata o TBC como uma máquina de fazer teatro, a qual produzia sonhos por meio de seus espetáculos.  

 

Após todas essas ocorrências, o espaço foi propriedade de várias outras pessoas até ser arrendado pela Prefeitura, em 1990. Quase duas décadas depois, a Fundação Nacional de Artes (Funarte) aluga o prédio com a intenção de instalar ali a Biblioteca Jenny Klabin, que possui o maior acervo em artes cênicas do País.

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