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Ponto | Norma Bengell em apuros

Publicado em: 08/10/2013 |

O dia 8 de outubro guarda uma história pesada e lamentável para o teatro, a arte e a livre expressão no Brasil. Neste dia, há exatamente 45 anos, em 1968, no auge da ditadura militar no País, uma das principais atrizes daquela geração sofria na própria pele as consequências de um regime truculento. 

 

Com 33 anos, Norma Bengell já era muito famosa por suas atuações no cinema. Talentosa e polêmica, ela já havia chocado a sociedade em 1962, quando protagonizou o primeiro nu frontal da história do cinema brasileiro, no filme “Os cafajestes” – trabalho pelo qual chegou a ser ameaçada de excomunhão.

 

Porém, no 8 de outubro de 1968, a situação ganhou contornos trágicos. A atriz foi sequestrada em São Paulo por agentes do Exército à paisana, espancada e solta no Rio de Janeiro.

 

No livro “O tempo e a vida de um aprendiz”, biografia de Emílio di Biasi escrita por Erika Riedel, diretora de Comunicação e Ideias da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, o artista, amigo de Norma que presenciou o sequestro, narra o fato. Leia o trecho abaixo:

 

“Capítulo XXXII 

O Terror 

Essa temporada foi uma grande alegria até que essa alegria passou a se chamar medo. Um dia a Norma me liga e pede que eu vá buscá-la no hotel e a leve ao teatro. Ela estava hospedada no Hotel Amália, que existe até hoje na Xavier de Toledo. Hoje é um lugar bem fuleiro, mas na época não era e ficava perto do teatro. Fui até lá com o Paulo Bianco e esperamos na porta. Quando ela sai do hotel aparece um grupo de homens de terno e dizem algo do tipo: A senhora vem conosco. A Norma se recusou e eles insistiram. Dissemos a eles que tínhamos de ir para o teatro fazer o espetáculo. Reagimos fisicamente, mas eles agarraram a Norma e nos deram uns golpes de caratê. Eu voei para o meio da rua, o Paulinho voou para o outro lado. Jogaram a Norma num carro e foram embora. 


A Norma me goza até hoje porque quando o carro estava saindo, mesmo jogado no chão, eu ainda consegui fazer um gesto de positivo para ela. Eu estava querendo dizer que tinha conseguido anotar a placa. Ela diz: Eles estavam me sequestrando e você dizendo que estava tudo bem? Fico puto da vida quando ela conta essa história. 


Depois ela me contou que um dos caras que estavam com ela no carro comentou: Seu amigo anotou a placa, mas não vai adiantar nada porque a placa é fria. Não sabíamos o que fazer. Fomos para o teatro porque estava quase na hora do espetáculo. Estava cheio de gente. Cheguei lá bem louco, falei com não sei quem da administração: Suspende o espetáculo porque levaram a Norma. Como? Não sei, não sei. Não eram militares. 


A primeira ideia que me veio foi falar com a Cacilda Becker. Porque a Cacilda era líder absoluta da classe teatral, além de grande atriz era uma pessoa de grande generosidade e comprometimento com o pessoal do teatro. Era muito admirada por políticos e autoridades. A grande dama do teatro. Nem telefonei, nem nada. O mesmo táxi que pegamos no hotel ainda estava nos esperando na porta do teatro e fomos para a casa dela. 


Quando cheguei lá, devia estar de um jeito que ela logo perguntou o que tinha acontecido. Contei a história. Ela passou a noite inteira telefonando para todas as pessoas que conhecia, ligou para o governador, para várias autoridades, enfim, para todo mundo. A madrugada toda nessa tensão, até que pela manhã alguém telefonou e avisou que a Norma tinha sido levada para o Rio de Janeiro, mas que já iam colocá-la num avião para voltar. Nessa altura a classe toda já tinha se mobilizado. A imprensa também já estava toda agitada. Então marcamos uma entrevista coletiva para os jornalistas no hotel e ficamos aguardando ela chegar. 


A imprensa em peso deu seu devido destaque. Os caras eram agentes do Exército à paisana, ela havia sido levada para o Segundo Exército no Rio de Janeiro. A justificativa para o sequestro foi que tudo havia sido um grande equívoco. Continuamos com a temporada, mas o público foi caindo e nós também estávamos em pânico. Andávamos sempre escoltados por alguém. Não podíamos nunca sair sozinhos. Esse sequestro foi o primeiro de uma longa sequência. E toda essa possibilidade de mobilização de uma classe, a última. Começava a grande repressão.”

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