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Ponto | A Inquisição e a Primeira Peça Brasileira

Publicado em: 13/03/2012 |

“Lembrarei somente que esta é, se não me engano, a primeira tragédia escrita por um brasileiro e a única de assunto nacional.” As palavras do poeta Domingos José Gonçalves de Magalhães, ouvidas no Teatro Constitucional Fluminense, em 1838, foram o prefácio da história da dramaturgia e do teatro essencialmente brasileiros.

 

Antes disso, no século XVI, os primeiros experimentos teatrais no País serviam de moldura para a propagação da fé religiosa e catequização dos índios. Entre os poucos autores, o Padre José de Anchieta se destacou ao escrever alguns autos – pequenas peças, geralmente, feitas em um ato –, que buscavam, também, garantir a integração entre portugueses, índios e espanhóis. Aos poucos, seus trabalhos foram absorvendo a cultura tupi, seja nas danças ou no uso de máscaras, criando uma associação entre as entidades dos indígenas e os santos católicos.

 

Nos dois séculos seguintes, a produção teatral diminuiu bastante. Em virtude do processo de colonização, a defesa territorial era prioridade, e pouco se registrou sobre novas criações.

 

O ambiente voltou a se agitar a partir da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. Seus costumes, cultura e intercâmbio de companhias portuguesas de teatro enriqueceram as ideias e valorizaram a cena artística carioca. Após a Independência, em 1822, já havia condições para que o Brasil conduzisse uma linguagem teatral nacional de forma independente. E foi em 1933 que o ator e empresário João Caetano de Souza fundou a Companhia Dramática Nacional.

 

A arte dramática tomou fôlego nesse período com diversas renovações, como o desenvolvimento da declamação expressiva e a reconstrução da presença do ator no palco. Cinco anos mais tarde, João Caetano e seu grupo faziam parte de mais um marco na história do teatro no Brasil.

 

Hoje, se completam 174 anos da estreia da primeira peça escrita por um brasileiro. Foi o poeta Gonçalves de Magalhães quem trouxe ao Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1838, “Antônio José ou O Poeta e a Inquisição”. A tragédia conta a vida e morte do poeta judeu brasileiro Antônio José da Silva, queimado vivo sob a acusação de prática de judaísmo, em Lisboa.

 

Na trama, o poeta quer se casar com a amiga Mariana e fugir do país em busca de liberdade. Ele conta com a ajuda da criada Lúcia e do Conde de Ericeira. Para ir contra a felicidade do casal, o membro do Santo Ofício, Frei Gil, que é apaixonado por Mariana, passa a persegui-los.

 

Ainda que os acontecimentos da narrativa se passassem em outro país, os elementos presentes no texto recriavam a situação do Brasil na época em que a peça era encenada. A história apontava a condição social, política, econômica e religiosa que estava em formação. A inquisição dialogava com as discussões sobre liberdade e poder que circundavam o processo de nacionalização do Brasil.

 

E apesar das críticas negativas quanto ao conservadorismo no gênero (tragédia, em vez de drama) e na forma (verso clássico em vez da prosa moderna), é inegável a importância histórica de “Antônio José ou O Poeta e a Inquisição” como a primeira peça nacional, escrita e representada totalmente por brasileiros e encenada em território nacional.

 

 

Texto: Leandro Nunes

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