Há exatos 50 anos, após um Golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart, o Brasil entrava em um de seus períodos mais sombrios e conturbados: a ditadura militar, que durou 21 anos e marcou a história recente do País.
O teatro – como manifestação artística e, portanto, avesso aos obstáculos à liberdade – foi um dos que mais sofreram com a repressão e a censura, que colocavam amarras nas produções artísticas.
Para que esse triste período nunca seja esquecido, o Ponto de hoje volta a julho de 1968, quando um grupo de atores era espancado em pleno palco. Rodrigo Santiago, André Valli e Marília Pêra foram alguns dos agredidos durante a encenação da peça “Roda viva”, de Chico Buarque, com direção de Zé Celso Martinez Corrêa, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo.
Naquela noite, o público assistia ao primeiro trabalho do cantor no ramo da dramaturgia. A trilha sonora, também de sua autoria, levava o mesmo nome da montagem, que contava a história da ascensão e decadência de um cantor que muda seu nome de Benedito Silva para Ben Silver, com a intenção de agradar ao público.
A crítica explícita no musical se valia das péssimas condições sociais, políticas e financeiras da sociedade da época e da recente indústria televisiva. Nas cenas, as personagens que representam o povo são mal vestidas, não possuem quaisquer direito de liberdade e são frágeis diante da influência da televisão.
Elenco de “Roda viva” (Foto: Divulgação)
O protagonista (Benedito) representa um indivíduo comum, sem nenhum talento vocal, que se transforma num ídolo nacional graças à influência que a televisão exerce sobre os espectadores. Durante a primeira parte do espetáculo (a ascensão), observa-se que, para o autor, alguns artistas são como mercadoria vendável e são impotentes sem a ajuda da mídia.
O segundo ato retrata como a vida de uma pessoa pública é limitada e cheia de regras. O famoso deve, sempre, tomar cuidado com o que faz e com o que fala, caso contrário, sua carreira estará com os dias contados, como demonstrado na cena que Benedito fica bêbado e um fotógrafo registra esse momento. Para se salvar, a única saída é fazer uma caridade: doar seus bens.
Para exemplificar o período de aniquilamento do artista, os atores estraçalhavam, no palco, um fígado de boi cru, espirrando sangue na plateia.
Outras cenas da montagem causaram polêmica, como a de Nossa Senhora rebolando de biquíni em frente à uma câmera de TV e dos atores perguntando ao público se eles já haviam matado seu comunista naquele dia.
Comprovada a evidente intenção de criticar a situação política, social e econômica da época, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) organizou uma agressão contra os artistas, sob alegação de que precisavam ser repreendidos pelos palavrões e por expor, ao público, os problemas do País.
Esta “proibição” de manifestações públicas de caráter político e censuras prévias aos meios de comunicação provinham do Ato Institucional número 5 (AI-5), decreto emitido pelo governo militar brasileiro (1964-1985) que concedia, ainda, plenos poderes ao Presidente da República para intervir onde, quando e como bem quisesse, extinguindo qualquer tipo de democracia.
A peça, que foi considerada uma das mais importantes dos anos 1960, bem como um símbolo da resistência à ditadura, foi censurada após um novo atentado que sofreu ao ser apresentada em Porto Alegre.
E estes foram apenas alguns dos vários artistas teatrais que sofreram com a ditadura. Por outro lado, rica e diversa também foi a produção artística que conseguiu incorporar os sentimentos daqueles que sentiam cada vez mais a liberdade escorrendo pelas mãos.