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Papo de Teatro com Pedro Freire

Publicado em: 16/07/2012 |

Pedro Freire é diretor

Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Do berço. Meus pais são atores de teatro (Herson Capri e Malu Rocha). Então, na minha infância, eles viajavam muito com peças e eu sempre os acompanhava nos fins de semana ou nas férias. Algumas das minhas primeiras lembranças da infância são a kombi da minha mãe lotada de cenário e figurino; coxias de teatro, e as conversas animadas e intermináveis dos atores.

Lembra da primeira peça a que assistiu?
Sim. Foi a peça “Um Casal Aberto”, de Dario Fo, que meus pais fizeram como atores e produtores. Eu acompanhei todo o processo de ensaios quando era muito novo, com 4 ou 5 anos. E segui acompanhando as temporadas ao longo de anos.

Um espetáculo que mudou a sua vida?

“The Homecoming”, de Harold Pinter, montado em Londres, em 2001. Foi a primeira vez que eu vi uma montagem de um texto de Harold Pinter. Eu tinha 21 anos e entendi ali, durante o espetáculo, que eu teria de ter a direção de teatro como profissão.

Um espetáculo que mudou o seu mode de ver teatro foi…
“Ensaio.Hamlet”, de Enrique Diaz.

Você teve algum padrinho no teatro?
Não poderia dizer que tive um padrinho no teatro, pois me parece que a palavra é muito forte e deve caber a alguém que tenha agido como um mentor ao longo de muitos anos. Mas tive alguém assim em outra área, o professor Charles Watson, que dá aulas de processo criativo, principalmente voltado para as artes plásticas, mas não apenas. O trabalho com o Charles (ao longo dos anos, deixei de ser aluno e me tornei um colaborador esporádico nos projetos dele) me fez encontrar uma forma de pensar a arte como um todo, o teatro incluído aí. Mas, em teatro, especificamente, embora não seja um mentor, o diretor mais incrível com quem eu já trabalhei, e que certamente me influenciou muitíssimo e se tornou um bom amigo, foi o Enrique Diaz, para quem fiz a assistência de direção na peça “In On It”.

Já saiu no meio de um espetáculo?
Nunca. Já quis sair muitas e muitas vezes. Mas acho uma falta de respeito surreal abandonar alguém que está se apresentando para mim – por pior que seja a apresentação.

Teatro ou cinema?
Ambos. Sou diretor de cinema também. Já dirigi sete curtas e trabalhei em diversos longas, como assistente ou preparador de elenco. Para mim, em última instância, é a mesma coisa: lidam com questões muito parecidas, são apenas meios diferentes.

Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
Qualquer espetáculo do Teatro de Arena, de São Paulo. Um dos meus maiores sonhos é ter podido ver em ação Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Flávio Império, Dina Sfat… Toda essa gente maravilhosa.

Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E por quê?
“Ele Precisa Começar”, do Felipe Rocha, que me surpreendeu muito pela forma inusitada de lidar com o público e com a auto-consciência do ator-autor, de estar em cena o tempo todo, sempre presente. Fui ver de novo no dia seguinte, pois não parei de pensar naquilo.

Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?
Brasileiro, inevitavelmente, Nelson Rodrigues. Talvez não seja o que eu mais goste, mas é, sem dúvida, nosso Shakespeare, pois é provavelmente o único dramaturgo brasileiro que construiu uma obra vasta e profunda o suficiente para podermos, por meio dela, vislumbrar algo do que é ser brasileiro, de forma complexa, não redutora. Estrangeiro, o Harold Pinter. Sou apaixonado por ele desde que o conheci. De uma morbidez e elegância ímpares.

Qual companhia brasileira você mais admira?
Teatro Oficina. Acho que o Zé Celso tem uma compreensão do que seja o teatro que ainda vai ter de ser estudada por muitos e muitos anos.

Existe um artista ou grupo de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?
Enrique Diaz e Antunes Filho.

Qual gênero teatral você mais aprecia?
Essa é uma pergunta cuja resposta varia de acordo com o momento. Há pouco tempo atrás, eu teria dito teatro do absurdo. Neste momento estou fascinado com o teatro pós-dramático.

Em qual lugar da plateia você gosta de sentar? Qual o pior lugar em que você já se sentou em um teatro?
Gosto de me sentar bem na frente, no centro, mas não na primeira fila. O ideal é na segunda ou terceira, onde você vê bem o trabalho do ator, mas não quebra o pescoço. Não gosto de teatro que tem uma pilastra no meio do seu campo de visão. Será sempre o pior lugar.


Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Na minha opinião, o encenador sempre é o responsável. E se não há encenador (como no grupo belga TG Stan, que é maravilhoso), ainda assim o responsável será o pequeno coletivo de atores que se responsabiliza pela encenação. Por exemplo: uma vez, vi uma peça que achei genial, “Bugiaria”, do
Moacir Chaves, e o texto era uma espécie de relatório judicial, uma coisa interminável, chatíssima e antiquíssima, mas o que eles faziam com aquilo era incrível.

Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
Bom, se é para sonhar sem pé no chão… Algo que misturasse Isabelle Huppert, Juliana Carneiro da Cunha e montanhas de vidro quebrado…

Cite uma Iluminação surpreendente.
Uma peça chilena, que foi apresentada no Festival Tempo, no Rio de Janeiro, chamada “Neva”. Três atores em cena, em cima de um palquinho minúsculo, eram iluminados apenas por um aparelho aquecedor de resistência (daqueles que produzem uma tênue luz alaranjada quando esquentam). O aparelho ficava no chão e representava uma lareira. Bonito, simples, poético, eficiente. Genial.

Cite um Cenário surpreendente.
O cenário de Daniela Thomas para “Não Sobre o Amor”, dirigida por Felipe Hirsch.

O que não é teatro?
Eu acredito no que disse o Peter Brook: “Se tiver uma pessoa atravessando um espaço vazio e outra que assiste a isso, já é teatro”. Assim sendo, se não houver no mínimo essas duas pessoas (uma que “faz” algo e outra que “vê” este algo sendo feito), me parece que teria outro nome. Mas esses limites existem para serem questionados, sempre.

A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Claro.

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
Não vejo muito por que a tecnologia afetaria diretamente o teatro, mas sim indiretamente. E muito. Acho que o teatro vai se moldar às mudanças que a sociedade vai sofrendo, nossa forma de viver juntos. Neste sentido, talvez a revolução tecnológica que mais vá afetar o teatro seja esse novo momento de relações virtuais, nas redes sociais, pois começa a modificar a nossa própria forma de ver, pensar e de se comunicar com o outro – e o teatro não é outra coisa.

Em sua biblioteca, não podem faltar quais peças de teatro?
Todos os clássicos, até os anos 1970 pelo menos (daí pra frente é bem mais difícil conseguir os textos).

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Juliana Carneiro da Cunha.

Qual o papel da sua vida?
Não sou ator, mas adoraria ter a experiência de fazer qualquer papel de qualquer peça de Harold Pinter.

Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertold Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Ah, eu gostaria de perguntar para o Stanislavski e para o Tchecov o que eles achariam do teatro pós-dramático.

O teatro está vivo?

Claro, sempre. Quando dizem que o teatro está acabando por haver uma queda, ao longo dos anos, da quantidade de público, me lembro de um amigo curador, que disse que a arte contemporânea não precisa de um número avassalador de público para se validar, que todos no mundo da arte já entenderam há muito tempo que uma exposição de obras abstratas num museu pode até fazer sucesso, mas nunca vai se comparar a uma novela, a um filme de Hollywood – e isso não é um problema, pois a novela e o filme blockbuster não se propõem a ser obras de arte. Então por que diabos teríamos de buscar os mesmos parâmetros? Me parece que em teatro estamos esquecendo disso. Não tenho nenhum pudor de dizer que estarei bem satisfeito se passar minha vida fazendo peças em teatros de, no máximo, cem lugares. E filmes que nunca alcancem 1 milhão de espectadores. Não se trata de números, afinal.