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Papo de Teatro com Ana Kfouri

Publicado em: 04/02/2013 |

Ana Kfouri é diretora e atriz


Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Adorava ir ao teatro na minha infância, com meu tio Raimundo, psicanalista. Como experiências marcantes e lembranças indeléveis dos idos anos 70, estão as peças “Gota d’Água”, de Chico Buarque, com Bibi Ferreira fazendo Joana; “Castro Alves Pede Passagem”, de Gianfrancesco Guarnieri, e “Isso ou Aquilo”, com Marilena Ansaldi. Lembro também que fiquei muito impressionada com Ney Matogrosso no Secos & Molhados.


Um espetáculo que mudou a sua vida foi… 

“Blasfêmeas”.

Um espetáculo que mudou o seu modo de ver teatro foi…
“Isso ou Aquilo”, com Marilena Ansaldi.

Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?
Tenho uma lembrança de força e afeto que foi meu encontro casual com Plínio Marcos, quando ele vendia seus textos na porta do Teatro Cultura Artística, na época em que eu fazia “Cyrano de Bergerac”, com a Cia. do Antônio Fagundes (Cia. Estável de Repertório). Plínio me incentivava muito a fazer o meu trabalho, a minha história. No Rio, assim que cheguei em 1988, conheci um grande mestre, com o qual muito aprendi e tive a honra de trabalhar, Paulo José.


Já saiu no meio de um espetáculo? Por quê?
Sim, uma única vez, e nunca mais o farei. Eu era muito jovem, não suportei o que via e, num impulso, levantei e fui embora. Mas acho lamentável esta atitude. Às vezes, o que nos causa estranheza, mal-estar, pode nos surpreender. E é só permanecendo naquilo que não se compreende que se pode vivenciar, muitas vezes, experiências mais profundas.


Teatro ou cinema? Por quê?
Eu adoro os dois. Acho cinema fundamental na vida das pessoas, mas teatro é minha vida. Eu vim pra cá pra fazer teatro.


Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê? 

A montagem de “O Balcão”, de Jean Genet, dirigida pelo diretor argentino Victor Garcia, em 1969, no Teatro Ruth Escobar, com cenografia de Vladimir Pereira Cardoso, que revolucionou o espaço dos espectadores e atores e foi um marco na história do teatro brasileiro.

Já assistiu mais de uma vez a um espetáculo? E por quê?
Lembro que “Castro Alves Pede Passagem”, de Gianfrancesco Guarnieri, foi quase uma febre na minha adolescência. Algo marcante. Eu gostava de estar lá. Bem, já como diretora, eu vejo sempre minhas peças.


Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?

Nelson Rodrigues é um chamamento pra mim, Samuel Beckett também. Estes dois dramaturgos e pensadores do teatro sempre me mobilizaram, desde o início da minha trajetória, cada qual a seu modo. Com eles, compactuo com a perplexidade diante da vida e da natureza humana, que sempre senti de maneira muito intensa. Valère Novarina também é extrarodinário, dono de uma dramaturgia plástico-sonora, lúdica, poética, surpreendente.

 

Qual companhia brasileira você mais admira?
Teatro Oficina Uzyna Uzona.

Existe um grupo ou artista o qual você acompanhe todos os trabalhos?
Eu acompanho, sempre que possível, os trabalhos de José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho, Gerald Thomas, Antônio Araújo, Antonio Guedes, Kike Dias, Cristiane Jatahy, Ivan Sugahara, Roberto Alvim, Pedro Brício, Marcio Abreu, entre outros.


Qual gênero teatral você mais aprecia? 

O que não se enquadra em gênero algum.

Em qual lugar da plateia você gosta de sentar? Por quê? Qual o pior lugar em que você já se sentou em um teatro?
Eu não gosto de me sentar muito na frente quando é palco italiano. Procuro me sentar no meio, pra ficar, de certa forma, perto dos atores, mas com visibilidade do palco todo também. Em peças com espacialidades diversas, vou pela intuição. Nunca se sabe o melhor lugar ou se ele existe.

Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou? 
Acho que há peças que nos afetam, de alguma maneira, seja pela sensibilidade, pela potência de fazê-lo imaginar, pensar, estranhar, emocionar…. Teatro é uma arte coletiva. É bom quando existe uma conjuntura, um pensar e um fazer junto.


Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
Difícil…. O espetáculo dos meus sonhos é sempre aquele que estou fazendo no momento. Mas cito aqui a montagem “Senhora dos Afogados”, que encenei no restaurante Albamar, em 2010/11, como um grande sonho (desejo) realizado.   


Cite um cenário surpreendente.
Eu gostava muito dos cenários da Daniela Thomas, na época que ela trabalhava com o Gerald. Eram deslumbrantes.


Cite uma Iluminação surpreendente. 
Acho maravilhosa a luz do Thomas Ribas para a montagem “Moi Lui”, com dramaturgia e direção de Isabel Cavalcanti, a partir da obra de Beckett.

 

Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Sérgio Britto fazendo Beckett, com direção de Isabel Cavalcanti.


O que não é teatro? 
O teatro contemporâneo não tem contornos bem definidos, nem definitivos. Responder a essa pergunta com algo preciso sobre o que não pode ser considerado teatro, pode também ser um fechamento do pensamento.

A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
O artista é um ser livre. A arte, o teatro, a criação propriamente dita, estão intimamente imbricados à liberdade (de ser, de pensar, de agir, de criar).

 

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro? 
A arte sempre foi produzida com os meios de seu tempo. Esse seria o limite dos artistas, os conhecimentos e os saberes de seu próprio tempo, com todas as temporalidades aí subjacentes. O teatro contemporâneo está situado num universo múltiplo, complexo, híbrido e o que está em jogo na interlocução entre o teatro e as várias linguagens artísticas tem a ver com as tensões que se quer produzir no palco, a partir do cruzamento e da apropriação de um universo de estímulos sonoros, visuais, plásticos, referenciais, auditivos, textuais, espaciais, tecnológicos, eletrônicos, digitais, tensões estas que estimulam artistas e público a produzirem novos lugares e novas formas de estar no mundo. São obras artísticas que visam, acima de tudo, produzir um lugar de ação, de criticidade e de reflexão sobre a sociedade contemporânea, sobre a arte e sua força de atuação no mundo de hoje.

 

Em sua biblioteca, não podem faltar quais peças de teatro?
As de Nelson Rodrigues, Skakespeare, Beckett, Valère Novarina, entre outros, as peças de autores contemporâneos e as tragédias gregas. 

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Bob Wilson, Samuel Beckett, Marilena Ansaldi.


Qual o papel da sua vida?

Ser um eu vazado.

Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertolt Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Para Zé Celso: “O que o chama para a cena? Quais foram seus grandes chamamentos para o palco?”.


O teatro está vivo?
Teatro é vida.