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O Teatro Oficina e os novos paradigmas

Publicado em: 21/06/2013 |

por Ivam Cabral*, especial para o portal da SP Escola de Teatro

A montagem de “O rei da vela”, em 1967, do Teatro Oficina, coloca no teatro brasileiro, pela primeira vez, a expressão multifacetada da cultura nacional. O antropofagismo da modernidade de Oswald, Mário e Tarsila era a expressão dessa necessidade de encontrar uma identidade nacional própria, a partir de influências colonialistas europeias e elementos da cultura popular brasileira.

Seu eixo era justamente a formação de um conceito devidamente organizado, no qual todas as influências seriam assimiladas e retrabalhadas para a elaboração de uma arte brasileira. A Revolução Caraíba proposta pelo manifesto antropofágico delimitava um espaço utópico de reflexão para o fazer artístico:

A Revolução Caraíba estender-se-á a outras nações; o Novo Mundo será, novamente, a fonte da rebelião universal. (…) A ingenuidade da visão utópico-revolucionária de Oswald de Andrade é óbvia. (1)

No caso do Tropicalismo sessentista, a unidade já não é necessária, mas contingencial. A mistura de influências e estilos não tem um projeto artístico definido a seguir, mas está muito mais vinculada à ideia de fragmentação de discurso, de estilos e de formas estéticas. Esse Tropicalismo tardio manifestado em diversas artes, em meados dos anos 1960, incorpora elementos da arte pop e do happening, fenômenos tipicamente pós-modernos, que procuram dar vazão a uma nova atitude dos artistas em relação ao fenômeno estético.

Assim, o Tropicalismo de José Celso Martinez Corrêa em “O rei da vela” não é o mesmo antropofagismo modernista de Oswald; antes, utiliza o mesmo texto para dar conta de formas artísticas distintas, com escopos de ação distintos. Ele usa de Oswald para apontar os caminhos de uma nova arte, mais fragmentada, em que os discursos são menos consistentes e as sensações tomam o primeiro plano.

Nesse Tropicalismo, a ideia de indústria cultural (indústria inexistente para o “Macunaíma”, de Mário de Andrade) é incorporada à produção estética. Portanto, um dos principais valores da modernidade, o “novo”, deixa de ser fundamental para se tornar acessório. A ideologia moderna dá lugar a um “anarquismo sensorial” e o destemor em submergir na cultura de massas evidencia uma atitude exatamente oposta ao radicalismo experimental e elitizante dos artistas da modernidade.

A música da Tropicália devora formas estrangeiras – rock, guitarras elétricas, trajes de plástico – e funde-as com formas genuinamente brasileiras – samba, frevo. No entanto, o movimento carecia de rigor ideológico e quando o elemento cafona surgiu para ser apreciado em seu justo valor, foi logo absorvido pela cultura consumista de massa. (2)

No caso de “O rei da vela”, Marx convive com Chacrinha. (3) O discurso racionalista-utópico dos primeiros modernistas acaba sendo abolido em favor de um discurso “irracional”, termo usado em muitas das críticas feitas ao trabalho do grupo naquele período.

A ruptura com o discurso racional modernista acaba se evidenciando nos dois grupos que se formam dentro do Oficina, a partir desse período, em especial após “Roda-viva”, e tão bem evidenciados pela análise de Armando Sérgio da Silva. Os “representativos”, tradicionais, atores de formação dentro do teatro moderno, que tinham como paradigmas Stanislavski e Brecht, do discurso racional e da elaboração técnica do espetáculo, e a “ralé”, formada pelos jovens, não atores, de limitados recursos técnicos, que procuravam a expressão da “verdade” pessoal em grandes happenings.

O incrível aconteceu no palco da Rua Jaceguai, naquele ano de 1969. Um espetáculo paradoxal formado pelas duas tendências mais importantes do teatro moderno. Num mesmo tablado: o social e o anárquico, a razão e a irracionalidade desenfreada. Nada disso, todavia, integrado à maneira de Peter Weiss, em “Marat/Sade”, por exemplo. Tudo isso em plena divergência, efetuada por grupos que queriam ver suas verdades confirmadas. (4)

“Galileu Galilei” torna-se a expressão estética dessa tensão, enquanto na maior parte das cenas o espetáculo tem um tratamento puramente brechtiano, cujo tema não poderia ser mais científico. No entanto, dentro do espetáculo, surge um momento específico, o Carnaval de Florença, que acaba sendo fonte para uma expressão sensorialista, muito próxima do happening que marcará posteriormente o grupo.

Para José Celso, a cena do Carnaval deveria ser feita no estilo de teatro sensorial, que envolvesse o espectador, que acabasse por trazê-lo para o palco, que minimizasse a palavra como forma de comunicação. Aos poucos, essa parte, no texto muito curta, foi se ampliando no espetáculo até que, depois de algum tempo, passaria a ser mais importante do que o resto da encenação. (5)

A influência do Living Theatre e de Los Lobos culmina no espetáculo “Gracias, señor”, no qual a opção pelo happening torna-se total.

(1) David George, “Teatro e antropofagia”, São Paulo, Global Editora, 1989, p. 28.

(2) David George, op. cit., p. 46.

(3) José Abelardo Barbosa de Medeiros (1916-1988) foi um dos mais importantes apresentadores da televisão brasileira, responsável pela popularização do veículo como meio de comunicação de massa. Nordestino, começou sua carreira no rádio, em 1939. Seus programas de calouros e de divulgação da Música Popular Brasileira, como a “Discoteca do Chacrinha”, a “Buzina do Chacrinha” e o “Cassino do Chacrinha”, foram sucesso em todas as emissoras em que trabalhou: TV Tupi, TV Rio, TV Bandeirantes e TV Globo.

(4) Armando Sérgio da Silva, op. cit., p. 175.

(5) Idem, ibidem.

*A coluna de Ivam Cabral é publicada às sextas-feiras. Clique aqui para ler outras colunas.

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