Uns 20 minutos de exercícios respiratórios, muito provavelmente aprendidos em suas aulas de yoga, prática da qual é adepto há anos. Aquecimento para a voz, uns momentos de silêncio absoluto. E… voilá! François Kahn está pronto para entrar em cena com seu monólogo “Moloc”, no 8º andar da Sede Roosevelt da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco. O relógio marcava, pontualmente, 20h15 da segunda-feira, 27 de agosto.
Tendo às suas costas a paisagem noturna da cidade de São Paulo, exibida pelas enormes janelas que ocupam todo o fundo da sala e diante de uma plateia lotada (todos os cem lugares foram devidamente ocupados por aprendizes e público em geral), o ator e diretor francês passou a encenar a peça que concebeu a partir da transcrição do julgamento do caso “Os Sete de Chicago”, de 1969. Nele, a Justiça iria decidir o destino de sete “arruaceiros”, presos durante o “Festival da Vida”, que aconteceu no Lincoln Park, organizado pelos Yippies (Partido Internacional da Juventude). O evento teve concertos, encontros, aulas, debates, recitação de mantras, cerimônias religiosas, teatro e eleição de misses. Era uma forma de protestar contra o prefeito da cidade, o democrata Richard Daley, político do estilo antiquado, embora defendendo o partido mais liberal do país, que governava Chicago há 21 anos, com “mão de ferro”.
A polícia, claro, foi chamada para interferir e acabar com o festival, que entre suas “façanhas” lançou a candidatura de um porco, Mister Pigasus The Immortal, à presidência dos Estados Unidos. O porco foi preso e seus pseudodonos também. Meses depois, foram levados ao fatídico julgamento (exceto o porco, claro!).
Não entre os acusados, mas como testemunha de defesa, estava o poeta americano, da geração beat, Allen Ginsberg. Durante os dois dias de interrogatório, o procurador o atacou de modo muito violento, para mostrá-lo sob uma ótica ruim. E é justamente esse processo que é encenado por François Kahn.
Ginsberg foi “bombardeado”em quatro direções: na religião, porque ele se dizia budista, o que na época era escandaloso para os americanos protestantes; nas drogas, porque Ginsberg defendia o uso da maconha e havia processos contra ele por uso da erva proibida; na homossexualidade, porque ele se declarava homossexual, o que era um escândalo absoluto, e na poesia, pois ele defendia sua visão da poesia como um ato natural do ser humano que, como tal, deveria ser respeitado.
O procurador queria provocar Ginsberg e pediu para ele ler alguns poemas considerados escandalosos, extraídos de dois de seus livros, “Espelho Vazio” e “Realidade Sanduíche”. Ele aceitou fazê-los, sem deixar de dar uma explicação e um sentido a todos.
Khan, como o procurador que não poupou o poeta Allen Ginsberg, durante seu testemunho (Foto: Helio Dusk/SP Escola de Teatro
Para dar vida às três personagens (narrador, Ginsberg e o procurador), François Kahn lança mão de recursos simples, pondo em ação o que chama de seu Teatro de Câmara. Assim, ao mudar o tom da voz ou simplesmente colocar ou tirar os óculos, ele consegue transitar de uma personagem à outra. “É muito interessante ver um trabalho assim: um ator em cena, praticamente sozinho com seu corpo e o texto à sua disposição. Para mim, é teatro em estado puro”, diz Véver Bertucci, ex-aprendiz, que concluiu em julho os quatro módulos do curso de Atuação da SP Escola de Teatro. Ele também é editor do site Cesar Giobbi.
“Acho muito importante esse trabalho da Escola, de trazer diretores, atores, enfim, profissionais de outras partes do mundo, como o François Kahn, para dividir seu conhecimento com os aprendizes. E ainda por cima, de graça!”, afirma o jornalista e crítico teatral Miguel Arcanjo Prado, editor de Cultura do Portal R7, no qual assina o blog Atores e Bastidores.
E para quem não assistiu ao espetáculo, a dica: “Moloc” será reapresentado na próxima segunda-feira, dia 3 de setembro.
Serviço
“Moloc”
Monólogo com o francês François Kahn
Quando: Segunda-feira, dia 3 de setembro, às 20h
Onde: Sede Roosevelt da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco
Praça Roosevelt, 210, Consolação
Tel. (11) 2292-7988
Entrada franca.
Texto: Majô Levenstein