EN | ES

Meu Reino por um Pote de Baunilha por Cadu Witter

Publicado em: 03/05/2012 |

O ator e professor de teatro Cadu Witter acompanhou o segundo Experimento do Módulo Azul da SP Escola de Teatro  – Centro de Formação das Artes do Palco, no último sábado (28), e relatou suas impressões sobre cada um dos oito núcleos. Veja abaixo suas palavras sobre os grupos 7 e 8.

 

 

O dia começou com Mauricio Paroni falando um pouco sobre a diferença entre performatividade e teatro convencional. Não sei a relevância disso para um texto como este, mas duas coisas ficaram em mim: baunilha e “sadomasô”. Se a performance aproxima-se do “sexo baunilha”, no qual as pessoas ficam peladas, se curtem e gozam, sendo feito na frente do público, o teatro convencional caminha próximo ao sadomasoquismo, pois as pessoas assumem personagens, funções, histórias e interpretam, uma vez que é feito para o público. De qualquer forma, ele mesmo afirma que “a diferenciação é uma simples abstração gramatical, porque nós queremos diferenciar”, mas o fato é que, a partir de então, queríamos muita baunilha!

Núcleo 7. O movimento em todos os espaços é grande. Enquanto aguardo, observo uma lousa com um desenho que imaginei (e depois confirmei) ser da cena que iria assistir: mesas colocadas formando um grande “X” e um tapete quadrado, completando oito pontas, além de setas indicando o sentido horário. Nas paredes, placas indicavam duas portas de entrada, 16 pessoas em cada.

As portas se abrem, acomodo-me na mesa junto a outras pessoas e atores, muita gente ainda fica em pé ao redor. Pouca luz, amarelada. Essa luz vai se modificando com a cena e passa por lanternas e luz negra, conforme o que acontece com os cinco atores que se nos apresentam: um palhaço, um rei, uma prostituta, um homem ao centro, que é o único que não sabe quem é, e alguém que se veste como carrasco, mas mantém a incógnita sobre quem seja e o que faz ali.

Todos à mesa, inicia-se o banquete! As personagens e tipos que sentam nas extremidades do “X” tentam com muita vontade devorar seus pratos de comidas completamente congeladas, até que a mulher com corpete e rendas se coloca como refeição. Convida-nos, ainda que timidamente, com seu olhar, a devorá-la. Sinto falta de um pouco de baunilha, mas não passo fome.

Ao palhaço, que descubro ser um “bobo” é ofertada a dádiva de ser feliz, apesar da dor e incerteza mostradas pelos demais. Observo lacunas da vida e da experiência de cada um que tentam ser costuradas, como uma colcha, enquanto alternam entre personagens, tipos e as situações que se desdobram em cena.

Repentinamente, aquele que se dizia rei, torna-se servo. Todos se dirigem em falas ao ator do centro que questiona ao rei, porque ele fala daquele modo sendo rei, ao que todos lhe respondem: “Você é o rei, meu querido, e todos nós somos seus súditos.”

Todos saímos. É preciso digerir isso. Vai reverberar em algo e é neste lugar que me verei satisfeito. Então caminho a outro andar do prédio, tento perceber que elementos me tocaram, mas ainda não é possível reconhecer.

Na próxima sala, duas telas de tecidos transparentes, atores vestidos de branco nos recepcionam calorosamente com agradáveis “bom dia!” acompanhados de sorrisos e olhares sinceros nos olhos (isso foi fundamental pra minha experiência nesta cena). O público termina de entrar e os “bom dias” continuam! Agora um pouco mais acelerados, cumprimentam qualquer coisa ou pessoa. Já não há calor, nem olhar sincero, nem troca; cumprem um protocolo, como se estivessem batendo cartão e fossem fazer seu trabalho a seguir. Esse lugar tão comum a nós, da repetição e do desprezo casual que fazemos não notar em nosso cotidiano para que não tomemos consciência de nossa perda de humanidade é muito bem conduzido em cena e culmina na transmutação de seres em objetos. E esse ponto chama muito minha atenção: sermos máquinas é algo que experimentamos até em jogos teatrais, mas objetificar o humano é diferente. Seria simples se os atores passassem a mostrar eletrodomésticos ou eletroeletrônicos com seus corpos, mas não foi isso que sucedeu… Os atores eram objetos do humano, enquanto cumpridores da função humana e aptos a dar conta de fazeres humanos. Isso é diferente!

Núcleo 8 (Foto: André Stefano)

Não questionarei aqui os recursos ou os caminhos, dada a genialidade da essência. Defeito e humano, multidão e qualquer um. Projeções e luz transformam todos em números e buscam o caminho pelo qual não se importa quem esteja no papel de humano e no papel de objeto, eles serão exercidos sempre por todos nós.

Enfim, um pouco de baunilha, ainda que temperada, me deixa a sensação de que o teatro é para isso, temperar a baunilha, mas não impedir a reflexão. A sucessão de falas com números no lugar das palavras originais, me remete a outra fala do Paroni, de que a palavra na performance é um universo sonoro que comunica em algum nível.

Experiências intensas foram estimulantes com os núcleos 7 e 8, para iniciar esse mergulho de muitas horas no fazer da performatividade, lembrando-me de uma frase da artista plástica Lygia Clark: “Nós somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e chamamos você para que o pensamento viva através de sua ação.”


 

Veja a opinião de Cadu Witter sobre os outros núcleos do Experimento:

A Performatividade e seu Rastro por Cadu Witter

A Performance e a Magia por Cadu Witter

Luz! Luz! Luz!

Relacionadas:

Uncategorised | 24/ 10/ 2024

Obras inéditas do Atelier de Composição Lírica estreiam no Theatro São Pedro com libreto de Luísa Tarzia, aluna da SP Escola de Teatro

SAIBA MAIS

Uncategorised | 23/ 10/ 2024

Programa Oportunidades realiza atividade de contrapartida na Faculdade Cultura Inglesa

SAIBA MAIS

Uncategorised | 16/ 04/ 2024

Premiado musical ‘Bertoleza’ ganha nova temporada, gratuita, no Teatro Paulo Eiró

SAIBA MAIS