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Ivete Bonfá por
Ovadia Saadia

Publicado em: 16/08/2012 |

Há várias baixas no Cinema Nacional, de atrizes que morreram muito cedo – desde as modernas e radiantes Adriana Prieto e Leila Diniz, ainda na casa dos 20 anos, até outras que se foram no esplendor da maturidade, como as maravilhosas Dina Sfat e Isabel Ribeiro. A paulista Ivete Bonfá também é uma delas, pois morreu aos 51 anos, em 29 de março de 1991.

Ivete iniciou sua carreira nos anos 60, no teatro, arte que estudou com Eugênio Kusnet. Logo após, estreou na Companhia de Nydia Licia e desenvolveu carreira nos palcos até os últimos anos de sua vida. Ainda na década de 60, estreou em novelas, com uma dezena de produções no currículo – seu último trabalho no vídeo foi na minissérie “Boca do Lixo”, em 1990, na Globo.

Nos anos 70, o cinema brasileiro foi marcado pelas pornochanchadas, as comédias eróticas de enorme sucesso, e também por várias vertentes do cinema popular. Foi nesse período que Ivete Bonfá atuou em vários títulos, como “A Super Fêmea”, “Anjo Loiro” e “Já Não se Faz Amor Como Antigamente”. Seu último trabalho, “Sua Excelência, o Candidato”, foi distribuído postumamente, em 1992.

Às vezes eu me lembro de Ivete. Com um carinho e uma ternura imensos. Tenho medo de que não seja mais lembrada. Tenho medo do tempo. Minha lembrança me leva imediatamente ao seu riso e bom humor. Ivete estava sempre bem! O que aconteceu eu não lembro exatamente, e minha maior lembrança é de um dia que tínhamos que ir à discoteca Up and Down, na Rua Pamplona, no fim dos anos 80, para algum lançamento de cinema (a casa era do Zezé, um dos donos do Circuito Hawaii de Cinemas, que também se foi muito jovem, em 1992). Descemos desde a Avenida Paulista, a pé, de braços dados. Essa descida foi uma sessão de análise para os dois – eu com 20 e poucos anos e ela, 40. Nos conhecemos e nos gostamos. Em comum, tínhamos Dulce Damasceno de Britto, a colunista do Brasil em Hollywood, que já morava em São Paulo. Dulce, que era a melhor amiga de Ivete, me apresentou a ela e, lógico, formamos um quarteto  com Hilton Viana, colunista e cronista de Rádio, TV e poeta. Somados ao cineasta e crítico Alfredo Sternheim e ao Antonio Carlos Contrera, formamos um grupinho bem animado. Sabia que Ivete tinha se destacado no teatro em “Um Bonde Chamado Desejo”. Tinha também a Deivy Rose, atriz. Ivete apresentou Alfredinho a Dulce. Viraram irmãos. Já no fim da vida de Dulce, quem diria, Alfredo produziu o mais belo livro da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado, com fotos de Dulce com toda Hollywood, o espetacular e esgotadíssimo “Lembranças de Hollywood”.

O elenco de “Vila do Arco” (TV Tupi, 1975): Daive Rose, Sebastião Campos, Ivete Bonfá (no destaque), Kito Junqueira, Maria Izabel de Lizandra, Kleber Afonso, Vera Praxye, Nize Silva, Liana Duval, Osmar de Pietro, Riva Nimitz, Isadora de Faria, Rogério Márcico e Ivan Lima

Nosso ponto de encontro era o restaurante Orvietto, na Rua Avanhandava, uma aconchegante cantina italiana, onde batíamos ponto. Ivete comentava sobre todos os filmes em cartaz, todas as peças, tinha uma cabeça incrível e aberta, à frente de seu tempo. Falava sobre dez assuntos ao mesmo tempo. Era uma bomba em ebulição. Uma delícia de pessoa.

Profissionalmente, fez peças magníficas, algumas shakespearianas e se divertia com os títulos chamativos de suas participações (suaves) em obras pornográficas; entendia sempre que era um apelo momentâneo de mercado e fazia mais para agradar aos amigos envolvidos. Divertia-se com tudo e chamava minha atenção, sempre.

Em 1990, fui ser cronista e colunista da Revista Veja SP e, com muito orgulho, trabalhava feito louco, me dividia em mil. Minha mãe estava doentinha já. Ivete, solidária. Minha vida tinha mudado muito. Falamos rapidamente ao telefone, sobre uma confusão de uma nota que dei na revista e ela me contou que iria fazer uma intervenção cirúrgica, uma novidade chamada lipoaspiração. Não dei muita atenção. Foi a última vez em que nos falamos.

Alguns dias depois, Dulce me liga na redação e pergunto se está tudo bem…”Não. A Ivete reagiu mal à lipo e corre perigo de morte”. Saí da redação e fui rezar e chorar no banheiro. Não estava acostumado nem a essas noticias, nem a perdas na vida. Mal sabia que tantas viriam até hoje… Mais alguns dias eu estava dormindo à tarde, em casa, tamanha exaustão daqueles tempos e minha mãe entrou no quarto: “Querido, Dulce ao telefone, quer lhe falar… Prepare-se, que sua amiga Ivete não resistiu…”. Foi minha primeira perda, a primeira vez em que vi um corpo num caixão aberto, como é o costume cristão. Ela sorria e a imagem permanece. Com ternura, saudade, comadreios, papos fortes, sem censura, fofocas, a vida das coxias, por trás dos panos, a paixão pelas artes e espetáculos intensa. Os planos para outros grandes papéis na beleza de seus 51 anos.

Não sei o que houve com sua adorável cachorrinha Gigi (sua peça “Carla, Gigi e Margot” foi um belo sucesso num teatro da Rua Apa, tipo 1973), que foi mãe de Peter, o cãozinho de Alfredinho. Ivete tinha um irmão, Douglas, que também morreu na mesma época. Sem filhos, alguns amores (Cícero, dos cartazes de filmes. Ela adorava homens mais velhos), com uma história curta e intensa. Minha amiga Ivete.

A seguir, reproduzo uma declaração que pedi a Alfredo Sternheim, sobre Ivete:

Como atriz, pelo seu temperamento e pela sua facilidade para o humor, ela foi mais aproveitada em comédia, um gênero difícil, onde se saía superbem. Mas Ivete sabia transitar esplendidamente da comédia para o drama. Dedicada, disciplinada, dava prazer dirigi-la.

Como amiga, uma das melhores de toda a minha vida. Sua morte repentina foi um baque, o maior de todos. Sempre de bem com a vida, era naturalmente brejeira e generosa  com quem queria bem. Por um tempo, dizia a Ivete que eu e Antonio Carlos fomos seus parentes cão-sanguíneos. Assim mesmo. É que ela nos deu de presente o Peter,  filho de sua estimada cadela Gigi. 

Sem dúvida, Ivete foi única, insubstituível.

 Na cena e no afeto“.

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