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Experimento do módulo Azul por Regina França

Publicado em: 01/04/2014 |

* por Regina França, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

Que olhar devo ter para escrever sobre um tema tão complexo e importante?

 

Que sugestões ou provocações devo fazer para os coordenadores/formadores e aprendizes, quando vejo, emocionada, uma escola de teatro inteira se mobilizando para trabalhar e criar, em cima de um tema como este: CRIANCISMO.

 

Talvez o mais correto seja eu escrever com o olhar de uma criança que está lendo pela primeira vez sobre tudo isso.

  

Uma vez, trabalhando em Londres com um grande diretor de teatro, ouvi o seguinte ensinamento: um ator deve conservar sempre o brilho nos olhos, o mesmo brilho que uma criança tem quando está brincando de esconde-esconde e alguém se aproxima e a criança faz: “psiu… fica quieto, senão vão me achar…”

 

Núcleo 5 (Foto: André Stefano)

 

Brincadeira para criança é coisa séria, coisa muito séria, e é com esta seriedade que vi os experimentos e todos os aprendizes da SP Escola de Teatro. Todos os oito grupos estavam todos se jogando, defendendo suas criações, seus experimentos. Vi artistas interessados, vi aprendizes e coordenadores/formadores juntos, com o brilho nos olhos, tentando despertar no público perguntas e pensamentos e não soluções, desenvolvimentos e não ideias congeladas. Fiquei completamente apaixonada pela forma genial com que a Escola vai dando, ao longo do processo, instrumentos para que seus aprendizes não sejam “intelectualmente domesticados”, e sim realmente pessoas atuantes, artistas atuantes, donos de um repertório próprio, tudo isso feito com muito amor, nunca tinha visto nada igual, em nenhuma escola ou faculdade de teatro.

 

Quando li o artigo sobre o criancismo tive certeza de que nunca mais ia parar de levantar a bandeira da preservação da criança, tive vontade de fazer um apelo nas redes sociais para que crianças não sofram nenhum tipo de abuso, de nenhuma espécie, e falar que os adultos que fazem isso são assassinos. É um crime horrendo, uma questão tão complexa que merece uma atenção redobrada de todos nós, adultos. Eu, independentemente dos bois da cara preta e homens que pegam criança, tive uma infância criativa e fui muito estimulada, e me sinto na obrigação de sair do meu pequeno mundo para ajudar o planeta. 

 

Mas sou uma artista.

 

E como artistas a minha arma é a arte.

 

E como falar sobre este tema? Como fazer um experimento de performatividade sobre este tema?

 

O fato é que este assunto é muito sério, uma questão de saúde mundial. Trabalhá-lo com aprendizes que vão ser futuros criadores é um bem que a Escola está fazendo. Esta Instituição está formando pensadores–criadores–atuantes e com este processo de experimentos, estes artistas vão ter a possibilidade de encontrar ferramentas para criar, isso é maravilhoso.

 

A vida é sagrada, assim como a arte, então elas precisam dialogar.

 

Para eu conseguir entender o que é criancismo, eu tenho de literalmente olhar para o meu umbigo. Também tenho que entender o que não é; tenho que saber se eu, Regina, tive de alguma forma este tipo de preconceito na minha vida, e se tive, como eu sobrevivi a ele.

 

Quando falamos de performatividade, não podemos ter a mesma lógica e os mesmos instrumentos que para uma peça convencional já seriam suficientes, por mais que um artista, ao trabalhar com a performatividade, ponha sua verdade pessoal. Em um trabalho que se baseia na performatividade, o posicionamento político dos artistas envolvidos precisa explodir em cena, é ele que nos ganha. A performance tem de passar antes de mais nada pelo indivíduo-artista-observador.

 

Núcleo 8 (Foto: André Stefano)

 

Acredito que vai ficar mais divertido para todos os artistas envolvidos nos experimentos se eles criarem no seu pequeno quintal e tirarem da sua vida pessoal as sensações abafadas pelo intelectualismo, que talvez estejam engessadas porque o crianciscmo, este fantasma, que deve ter batido na porta de todos nós, nos ensina quando somos pequenos que o legal é ser adulto e falar coisas bonitas. Ou seja, ensina a sermos exatamente aquilo que não somos, só para agradar aos outros.

 

É fundamental se fazer o exercício de ter uma observação pessoal sobre o mundo que cada artista vive, tirar das gavetas pessoais as impressões sobre o tema. São boas ferramentas, que podem ser usadas para contribuir para um trabalho deste porte.

 

No sábado vi grandes pessoas, quero ver cada vez mais a cara de vocês, pois o brilho no olhar estava lá, a liberdade de brincar da criança foi atendida e escutada nesta escola incrível, e agora os adultos-criadores podem pensar com sinceridade. Acredito que os artistas de performatividade precisem ter este comprometimento político e crítico em relação a um tema e que junto com tudo que cerca um exercício, isso vire uma obra de arte. Creio de verdade que esta escola tem tudo para bancar e trabalhar com muito respeito e amor à escolha de cada um e montar belíssimos experimentos, que possam dialogar com o mundo.

 

Vocês me inspiraram muito, as horas passaram, subíamos e descíamos escadas em busca de novas descobertas e novas discussões. Ver mais de 300 jovens em um sábado ensolarado discutindo a importância da arte para falar de um tema que tem tudo a ver com educação é algo que nunca mais vou esquecer. Realmente espero ter ajudado. Gostaria não de provocar, mas de pedir para vocês não jogarem nada fora, nada do que vi no sábado. Transformar, sim, mas não jogar fora. Os caminhos que estão sendo percorridos pelos oito experimentos são muito bons, não precisa pegar nenhum atalho, afinal, bruxas, bois, professoras e fábulas infantis não são certas nem erradas. Agora, para vocês, neste momento dos experimentos, tudo é material para poder criar e se desenvolver mais e mais.

 

Escrevi um título sobre cada experimento que vi:

N4 – Os aprendizes das 9 horas escutam o anjo cantando “Ave Maria” enquanto esperam a badalada do sol.

N6 – A TV vai no lombo da égua da sua mãe e da outra magra e no chicote do seu pai.

N8 – Os três porquinhos reformam a fábula enquanto comem toucinho e violino. 

N2 – As meninas brasileiras e a ninfa sueca rasgam a cena e jogam luz no boi da cara preta.

N7 – Na escola do terror, as crianças maldosas dão aula para professores esgotados.

N5 – Acendam vela e batam cabeça para a Santa Diva Barbie sangue de Coca-Cola.

N1 – Babilônia do leite e bexigas, o inferno se engravida e nascem sereias e bodes com o cabelo alisado.

N3 – No cubo dadaísta lembrei que algum dia já quis ser alguém diferente do que meu eu.

 

E a vida segue.

 

* Regina França é atriz, diretora, dramaturga e produtora

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