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Experimento do módulo Amarelo por Ana Julia Marko

Publicado em: 07/10/2013 |

* por Ana Julia Marko, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

 

Nós de eles

 

Ela chegou com tempo de sobra, preparou-se, anotou alguns nomes no seu caderno: “Laerte, Eduardo Viveiros, Hagoromo, Ishin-Ha”. Deu-se conta de que cada grupo teria uma tarefa nada fácil pela frente. Pareceu-lhe realmente épica, homérica a possibilidade de equacionar tantos materiais assim em um único experimento. Encantou-se com a tal Odisseia e logo se aprontou para também se misturar. Afinal, ela pensou, o espectador também é uma função. E ainda elucubrou se, dentro de todos aqueles aprendizes, poderia haver um eixo só de recepção. Imagine, dois anos estudando para formar-se uma espectadora especialista: como ser uma receptora autora, propositiva da cena. Sim, ela sonhava. Mas logo acordou assustada. Lembrou-se de que cada núcleo precisou organizar as proposições dos diferentes artistas, e mais! Articular todos aqueles materiais temáticos, e mais! Compartilhar com outro grupo a mesma sala com o mesmo cenário e o mesmo equipamento de luz. Sim! Eram muitas pessoas com muitas ideias com muitos materiais. Sim! Eram equações matemáticas. Épicas e homéricas equações a serem solucionadas. Sim! Ela sentiu-se privilegiada em ser mais uma nesse nó. A primeira operação da qual se lembrou foi a divisão. Pensou na fragmentação da forma épica, na autonomia entre as partes da cena e logo percebeu que os autores daqueles experimentos também puderam criá-los assim. Tomou gosto em ver na cena o próprio modo de produção fragmentado ou dividido. Arregalou os olhos e desejou que muitos dos processos fossem assim: a autoria do sonoplasta e a autoria do dramaturgo pesando igualmente. O iluminador poderia propor, assim como o ator. A criação da cena era compartilhada. Ela se deu conta de que o modo de produção daqueles experimentos já era épico em si. 

 

Núcleo 3 (Foto: André Stéfano)

 

INTERMEZZO: CORO DOS ILUMINADORES

Por muito tempo encaixotados

Afinávamos e operávamos

Quiçá o mapa desenhávamos

À cabine longe condenados.

Iluminar a caixa preta

Era essa a nossa tarefa

E só.

 

Ela calculou então que se o assunto do épico é o próprio coletivo, a forma de gerar o experimento deve ter apresentado contradições. Não se tratava de uma operação dramática. Ela imaginou que a produção não se organizou em torno de um único indivíduo. Não! Imagine, um herói com vontade, decisão de agir, culpa, autonomia, criando a cena. Não! Ela duvidou de que aquelas cenas tiveram uma elaboração individual. Ela supôs que, como em uma construção épica, aqueles processos passaram não por um heroísmo, mas por uma potência das dificuldades do sujeito, o que se revelava na própria apresentação do exercício. Lembrou-se de Brecht que um dia disse que as coisas não são fixas. As coisas não são, mas se tornam. E ela se maravilhava com a maneira pela qual as coisas se tornavam, logo ali na sua frente. Havia um não acabamento, um processo escancarado, uma autoria coletiva e compartilhada, a qual a fazia pensar que nada é! Mas pode ser. Heróis já estão prontos. 

 

Ela então teve vontade de ver mais pedaços de processo em cena, mais modos de construção. Se a criação da cena foi polifônica, se a cena era polifônica, ela sentiu falta de ver a polifonia acontecendo, sendo construída sublinhada na sua frente. Queria ser lembrada de que se tratava de teatro! Perguntou-se por que os elementos da cena estavam escondidos. E ela queria tanto ver! Ela teve vontade de que a escada, as bonecas com asas, o microfone fossem, de fato equacionados, misturados, utilizados. Somados! Ela pensou nas dificuldades de equacionar os materiais de pesquisa! E se lembrou de como o Laerte por exemplo, não apareceu de modo ilustrativo na cena. Pelo contrário! Ela que não estava no processo, sedenta, curiosa, sentiu falta de ver a manufatura do épico, a construção, o desnudamento. Pensou na operação da subtração. Sentiu-se subtraída. Queria fazer parte! Entender o engenho, olhar os refletores de luz. Ela se perguntou por que deixaram os músicos no escuro, por que não mostraram que eles é quem fazem a música? Por que não trazer à luz a guitarra, o tambor, os andaimes, trazer à luz a construção, o uso, a equação. Trazer a luz à luz. No início de um dos exercícios ela prendeu a respiração, pois um por um os refletores acenderam, iluminando a sala. Seu olhar ficou muito atento para cada movimento da luz. O público em completo silêncio. O iluminador gritou alguma palavra e os músicos então puderam começar a tocar. Ela torceu tanto, quis acreditar que essa dança dos refletores era o prólogo da cena. Até hoje ela não sabe se foi sem querer ou se fazia parte, mas ela prefere pensar que foi uma escolha do grupo. Ela ficou com vontade de ser mais testada no jogo da ficção e realidade. Ela imaginou (sim, ela sonhava), ela imaginou que a preparação de um exercício para o outro na mesma sala poderia ser uma cena. Ela estava calma. Eles, os odisseus, estavam no meio do caminho de sua epopeia. Ela sorriu. As descobertas da trajetória tinham mais valia do que qualquer ponto de chegada que fosse. Ninguém sabia qual era o ponto de chegada, nem eles, muito menos ela. Bem aventurado seja o processo épico. Fragmentado. Quem tem começo, meio e fim é o drama e seus personagens fadados ao sucesso ou ao fracasso e só.

 

Núcleo 7 (Foto: André Stéfano)

 

Ela se lembrou de Brecht e de seu estranhamento. De olhar para o mundo de uma forma diferente. Pensou que naquela manhã não havia só somado nem dividido nem subtraído nada em sua vida. Naquela manhã havia multiplicado milhares de possibilidades não apenas de se produzir teatro, mas principalmente de organizar modos pedagógicos de se discutir e produzir teatro. Modos épicos, coletivos, fragmentados, polifônicos e Homéricos. Uma Odisseia sem heróis.

 

EPÍLOGO: CORO DE ILUMINADORES

Dar-se a ver

Recortar

Do centro da cena, no palco

Podemos operar

Cirúrgica operação 

 a nós mesmos iluminar

Uma meta iluminação

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