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Conversa Artaudiana

Publicado em: 02/10/2012 |

“Estou feliz por falar de Antonin Artaud em uma escola de teatro, é o local mais apropriado para isso”. Foi assim que Camille Marc Dumoulié, um dos maiores especialistas da França na obra do artista, iniciou a Mesa de Discussão da qual participou na última sexta-feira (28), na sede Roosevelt da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.

 

A conversa teve mediação do psicanalista Sergio Zlotnic, que também ministra o curso de Extensão Cultural “Psicanálise e Dramaturgia: As Experiências Pessoais e Históricas na Raiz das Produções no Campo das Artes”.

 

O convidado começou pela biografia de Artaud. Nascido em 1896, logo na infância já demonstrava inquietude e fortes tendências anarquistas, fatores que se evidenciaram em sua obra. Debilitado, começou a tomar remédios e drogas quando era muito jovem.

 

Camille explicou que, entre as décadas de 1920 e 1930, o artista tentou três vias artísticas: a poesia, com o grupos dos surrealistas; a atuação, interpretando em teatro e cinema, geralmente com personagens místicas e loucas; e, finalmente, a produção dramatúrgica e teórica para teatro, área que lhe trouxe mais reconhecimento.

 

Em sua obra, Artaud também explicitava certa identificação com a peste bubônica, cuja epidemia matou um terço da população europeia, na Idade Média. Ele encontrava semelhanças entre o teatro e a peste, dizendo que o teatro devia ter a força de uma epidemia. “A ação do teatro, como a da peste, é benfazeja, pois levando os homens a se verem como são, faz cair a máscara, põe a descoberto a mentira, a tibieza, a baixeza, a hipocrisia; a ação do teatro sacode a inércia asfixiante da matéria; e revelando para as coletividades seu próprio poder obscuro, sua força oculta, ela as convida a assumir uma atitude heroica e superior, que, sem isso, jamais assumiriam”, dizia Artaud.

 

“Para ele, essa purificação não era apenas social ou psicológica, mas metafísica e cósmica. O papel do teatro, inclusive, seria fazer entrar a metafísica na carne”, explicou Dumoulié.

 

Em “O Teatro e seu Duplo” (1935), um dos mais importantes escritos do teatro do século 20, Artaud consolida o seu conceito de Teatro da Crueldade, “um teatro onde as formas, os sentimentos, as palavras compõem a imagem de uma espécie de turbilhão vivo e sintético, no meio do qual o espetáculo toma o aspecto de uma verdadeira transmutação”, como definiu ele próprio. 

 

Em 1937, Artaud vai ao México “de encontro com uma cultura que estivesse verdadeiramente em contato com os deuses e com os mitos”, ressaltou Dumoulié. No caminho, em Cuba, teria encontrado um bruxo que lhe deu uma bengala, objeto que para ele tinha propriedades mágicas.

 

A viagem foi um fracasso. Em solo mexicano, o francês participou de rituais do peyote (cacto que produz substâncias alucinógenas) com os índios Tarahumara, mas saiu do país acusando os nativos de enfeitiçá-lo. Dali em diante, mergulhou de vez na loucura e começou a acreditar que a única forma de purificação para a raça humana seria o apocalipse. 

 

Dumoulié e Zlotnic durante a Mesa (Foto: Arquivo SP Escola de Teatro)

 

Asilos e manicômios seriam destino de Artaud durante anos. Constatado como louco irremediável até por Lacan (um dos principais psicanalistas da história), sofreu com o violento tratamento aplicado nestas instituições. Aos poucos, os frequentes eletrochoques foram degradando suas feições e provocando um envelhecimento físico precoce.

 

Ao contrário do que Lacan havia constatado, o artista continuou escrevendo. Também dedicava seu tempo aos desenhos, que às vezes serviam como ilustrações de seus textos. 

 

Na sequência, Dumoulié ainda mostrou o discurso radiofônico “Para Acabar com o Juízo de Deus”, proferido por Artaud e seus amigos. Depois, Bia Szvat e Ivo Leme, ambos participantes do curso ministrado por Zlotnic, fizeram uma leitura dramática deste texto. Emerson Rocha e Giselle Blankenstein também leram trechos de obras do autor.

 

Ao abrir espaço para as perguntas, o convidado falou sobre temas como a influência do teatro de Artaud e a relação entre a filosofia do século 20 e o artista francês.

 

“A conferência foi riquíssima. Camille traçou um caminho cronológico e biográfico, utilizando imagens históricas e evitando complexidades teóricas. Para quem sabia pouco, foi uma excelente introdução a Artaud e, para quem já conhecia, foi maravilhoso aprender mais”, comentou Sergio Zlotnic ao final da Mesa.

 

 

Texto: Felipe Del

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