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Cleyde Yáconis por Rubens Teixeira

Publicado em: 18/04/2013 |





A atriz Cleyde Yáconis morreu na última segunda-feira (15), aos 89 anos (Foto: Divulgação)

Mais Uma Estrela que Sobe

Assisti a um documentário na Globo News sobre o nascimento das estrelas pela Mãe-Universo. É como se fosse um útero gigantesco, de onde se soltam minúsculos pontos pretos que vão crescendo e se iluminando, até se transformar em estrelas. O programa mostrou as fases de crescimento até a idade adulta – milênios – até que um dia se aproximam do buraco negro, são sugadas e desaparecem. Fiquei extasiado e comparei esta trajetória à vida dos atores. Compreendi a razão pela qual são chamados de astros e estrelas: porque têm luz própria.

Ao entrar na dezena dos oitenta anos, perdi inúmeros amigos, tantos e tantos com os quais  trabalhei no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), Teatro Cacilda Becker (TCB), Teatro Maria Della Costa (TMDC), tevês Tupi e Bandeirantes, que se tornaram estrelas e astros de primeira, segunda e terceira grandezas, mas todos iluminados e iluminantes.

O buraco negro não tragou, mas, sim, elevou ao firmamento a atriz nascida Cleyde Becker Iaconis. Convivência de três anos ininterruptos no TBC, na década de 50.

Através de seu trabalho e de sua arte, conheci Elizabeth da Inglaterra, na peça “Maria Stuart”, do alemão Schiller, numa brilhante tradução de Manuel Bandeira. Acredito que foi o ápice da carreira de Cleyde, pela dificuldade que um texto em versos impõe aos intérpretes brasileiros. A cena do encontro de Elizabeth da Inglaterra enfrentando na prisão a frágil figura de Maria Stuart (Cacilda Becker) foi um dos diálogos mais inesquecíveis no palco do TBC e, mais tarde, em diversos teatros do Brasil, Uruguai e Portugal pelo TCB.

Em outra fase marcante, Cleyde estava hilariante em “Volpone”, comédia-farsa de Carlo Goldoni, contracenando com Elisio de Albuquerque, Walmor Chagas, Ziembinski, Leonardo Villar e Jorge Chaia, no TBC, momentos da antiga Commedia dellArte, agora renovada.

Em seguida, protagonizou o mito de Orfeu na peça “Eurídice”, com direção de Gianni Ratto, participação de Walmor Chagas e a juventude da maior atriz da atualidade, Fernanda Montenegro, que tinha apenas uma fala durante toda a peça: “Você não vem, Orfeu?”. E a reação de Ratto, num dos ensaios: “Fernanda, para por aí! A personagem já está pronta!”

No TBC, Cleyde criou papéis totalmente diferenciados durante a temporada brasileira e portuguesa dos anos 1958/59. Cacilda cede a primazia de protagonista à irmã na peça “O Santo e a Porca”, escrita por Ariano Suassuna especialmente para a estreia do TCB, com direção de Ziembinski. Walmor Chagas fazia Pinhão e Cleyde, a Caroba, uma cabocla nordestina, sensual, espirituosa, um “João Grilo de saias”.

Walmor era empresário, ator, diretor, contador, secretário, faxineiro, varríamos (ele e eu) o palco todas as noites. Cleyde e Kleber Macedo eram responsáveis pelo guarda-roupa de todo o repertório. Não havia estrelismos, num elenco de 12 atores, com Raul Cortez, Stênio Garcia, Célia Helena, Jorge Chaia, Fredi Kleemann, Paulo Rangel, Ziembinski, Luis Tito, Benedito Corsi e Otávio Catanho (ator pernambucano), agregado ao TCB em Recife. Todos viajamos para a temporada em Portugal.

Com Walmor sobrecarregado na produção, às voltas com contraltos e conciliando as atividades de ator, diretor e escolha de repertório, pediu-me para substituí-lo na personagem Pinhão. É claro que aceitei e, mais uma vez, testemunhei o desprendimento de Cleyde, tendo calma com um ator iniciante protagonizando o papel masculino de “O Santo e a Porca”. Cleyde foi uma mestra paciente, mostrando os segredos, a responsabilidade e, acima de tudo, a disciplina exigida para um primeiro papel. Depois das primeiras récitas, nos entrosamos e apresentamos um espetáculo de qualidade, graças a uma atriz sem vaidades, sem nenhum espírito de competição, no sentido de prejudicar o colega em cena ou de se destacar, vilipendiando outros atores. Sua generosidade era visível e reconhecida no palco e fora dele.

Uma característica no TCB era o rodízio, em que todos nós tínhamos oportunidades de bons papéis, e não apenas como meros figurantes. Cleyde protagonizava e também figurava nas peças. Cacilda fazia pequenos personagens, sem o mínimo traço de inveja ou estrelismo. Ajudávamos uns aos outros de todas as maneiras, para que todos os atores brilhassem igualmente.

No “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, Walmor representava João Grilo, eu, Chicó, Cleyde Yáconis fazia o Palhaço, que só dizia o texto da abertura e encerramento, nada além de cinco minutos em cena. Cacilda fazia a Compadecida, e só entrava no terceiro ato.

Na vida particular, amores, dissabores, encontros, desencontros, todos nós acompanhávamos sua vida passo a passo, como se fôssemos uma família de irmãos que se amam. Durante anos a vida amorosa de Cleyde e Stênio Garcia, Walmor e Cacilda, Raul Cortez e Célia Helena era acompanhada pela família TBC nas casas de fado, nas tascas, teatros e circos da temporada europeia.

No inverno lisboeta, após os espetáculos, Cleyde e Stênio, vestidos de frio paulista, varavam as madrugadas nas ruas do Chiado, nas casas de fado, de mãos dadas, como dois namorados de antigamente.

Lá se foram imagens de 52 anos de história pessoal e profissional. É preciso que uma estrela suba para recordarmos as pessoas que amamos durante anos e que retornam todas vivas na memória, até que um dia nos reencontremos na mesma galáxia.

Suba, Cleyde, e vá encontrar toda a trupe brilhando no Universo, os que inundaram de luz os palcos deste mundo e que agora iluminam nossas mentes. Obrigado por tudo. Obrigado pelo seu amor ao público. Obrigado por todos os colegas que vivenciaram e participaram de sua arte.

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