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Carnavais

Publicado em: 11/01/2013 |

Por Raul Barretto*

Plante uma árvore, escreva um livro, faça um filho. Este clichê é altamente válido e recomendável, mas cito mais algumas atividades fundamentais  nesta nossa curta experiência terrestre : participe da Parada Gay, assista in loco uma largada e/ou chegada da São Silvestre, vá a um Fla x Flu  ou Corinthians x Palmeiras , GreNal etc e, por fim, assunto destas linhas de hoje, desfile numa escola de samba, de preferência no Rio de Janeiro.

Vamos às minhas experiências momescas. Na juventude punheteira, a participação dos bailes de salão dos clubes nos interiores e litorais do País, aí incluso o maravilhoso harém das festas do Monte Líbano e do Baile do Vermelho e Preto, no Rio, e o folclórico Cordão do Bola Preta, “quem não chora não mama, segura meu bem, a chupeta, esse ano eu vou sair eu vou dançar no Bola Preta”. Não posso deixar de citar o mais espetacular, multi- cultural e diversificado carnaval pernambucano, com certeza o melhor carnaval de rua do mundo, ciceroneado por Antônio Nóbrega.

Tudo muito bom, tudo muito bem, até ser convidado, junto a um enorme bando de atores, coordenados por Amir Haddad, para participar como mendigo de Joãosinho Trinta no inesquecível e antológico enredo “Ratos e Urubus Larguem Minha Fantasia”, vice-campeão de 1989 (que injustiça, que hipocrisia, que traição aos fatos, mas que fidelidade a tudo que diz respeito a premiações, onde sempre impera o gosto médio, da média, da mediocridade). Mas, voltemos a Nilópolis, onde toda a pólis respira carnaval 366 dias por ano – ali o ano é sempre bissexto, o ânus sempre na reta. Como comove presenciar o empenho de toda aquela gente bronzeada explodindo o seu valor. Presenciar Joãosinho Trinta, um dos nossos tantos gênios em ação, pintando coisas, cortando roupas, ensinando como com uma rasgada e uma dobra transformam um trapo num lindo adereço, colando cascas de marisco que estavam no lixo como brilho de pérola nos carros alegóricos, um verdadeiro alquimista transformando merda em ouro. E que organização para vestir, ensaiar, coreografar, ensinar 4.500 pessoas a cantar o enredo:

“Reluziu… É ouro ou lata
Formou a grande confusão
Qual areia na farofa
É o luxo e a pobreza
No meu mundo de ilusão”

No meu sonho anarquista de poder eu entregaria Brasília e toda sua esplanada para as pessoas que organizavam aqueles carnavais… Não aos bicheiros e seus dinheiros, mas aos anônimos e seus saberes, que fazem toda aquela engrenagem funcionar.

Foram poucos ensaios, infelizmente, o que me impediu de ficar ali durante meses aprendendo tanta arte e economia. Deviam transformar aquilo em Universidade.
 





O desfile de 1989 da Beija-Flor de Nilópolis, com o Cristo coberto, cujo enredo era: “Ratos e Urubus Largem Minha Fantasia” (Foto: Divulgação)

E, finalmente, chega o dia do desfile, ainda na Marquês de Sapucaí (o sambódromo ainda dormia nos sonhos do Niemeyer). Anda-se muito a pé até chegar ao local da concentração, e pelo caminho o povo nos saudando, boquiabertos com as novidades estonteantes dos trajes, dos carros alegóricos, do lixo como luxo, do Cristo coberto… Me arrepio ainda hoje com a lembrança . Ao chegarmos à concentração, ainda com a escola anterior se retirando da avenida, a arquibancada já bradava “Já ganhou, já ganhou”. O povo vibra e a bateria ataca e a letra premonitória reafirma:

“Vibra meu povo
Embala o corpo
A loucura é geral
Larguem minha fantasia
Que agonia… Deixem-me
Mostrar meu carnaval

Firme… Belo perfil!
Alegria e manifestação
Eis a Beija-flor tão linda
Derramando na avenida
Frutos de uma imaginação

Leba – laro – ô ô ô ô
Ebó lebará – laiá – laiá – ô”

Nunca mais você vai esquecer um samba-enredo após participar de um desfile. Ainda hoje, 14 anos, depois sei a letra quase toda.

E a escola entra na avenida, palco aberto, plateia repleta, o teatro estádio do Zé Celso acontecendo. Agora é preciso parar.

(longo espaço em branco)

A palavra, a minha pelo menos, não vai dar conta de descrever aquele turbilhão de emoções, prazeres, sensações etc. Tem de ir lá e viver aquilo tudo. E, depois, conversamos.

A título de registro histórico, devo informar que só depois de 10 anos tive coragem de quebrar aquele encanto da Beija-Flor e desfilei no Salgueiro, de novo com o Amir Haddad no comando, em 1999. Foi muito bom, mas o fato é que o primeiro sutiã a gente nunca esquece. E para não desprezar o carnaval paulistano, digo ainda que saí duas vezes por aqui, uma no chão, anônimo, com a Rosas de Ouro, e outra num carro alegórico – aliás, duas experiências totalmente distintas, o chão e o carro –, na Mocidade Alegre, em 2007, como homenageado, num carro de palhaços que trazia os Parlapatões como destaque. E digo que em tamanho o carnaval de São Paulo não deve muito ao Rio, mas o público está mais longe, física e emocionalmente. No Rio, eles estão do seu lado, você quase ouve o barulho do gelo nos copos, e a plateia é quase toda corintiana, vibra o tempo todo.

Como despedida e incentivo a quem não quer nem a experiência do chão nem a do carro alegórico, ofereço o camarote ou a arquibancada. A emoção e o deslumbre são outros, mas a ideia do conjunto é suprema. Tenho um grande amigo que é o responsável por toda iluminação do Sambódromo e ele me deu o privilégio de assistir ao desfile andando livremente no telhado dos camarotes. Eu me sentia aquela câmera da Globo passeando num longo cabo de aço sobre a avenida.

Por essas e outras bote no seu plano de vida um desfile em escola de samba. E bom carnaval a todos.

*Raul Barretto é formador do curso de Humor da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco 

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