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Bravíssimo | Walmor Chagas por Djalma Limongi Batista

Publicado em: 14/11/2013 |

Primeiro capítulo do livro “Ensaio aberto para um homem indignado”, de Djalma Limongi Batista para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, de 2008 (Leia a obra, na íntegra)

 

Capítulo I

Persona & Labirinto de Um Homem Indignado 

 

Sou um ator de teatro eternamente à procura de um personagem cinematográfico que nunca chegou. E, enquanto Godot não chega, se distrai e ganha a vida com alguns maravilhosos personagens que o teatro ainda oferece. 

(trecho de Um Homem Indignado) 

 

Um homem ensimesmado, que num meio-tom de olhar parece nos dizer que sabe tudo, do mundo, de todos. 

 

Walmor Chagas, mesmo sem o cinema, construirá uma persona que é típica do ator cinematográfico, de um cinema que tanto buscou, que não lhe foi fiel. Cercado pelo esplendor da era cinematográfica do século 20, jovem em Porto Alegre, jovem aspirante a ator em São Paulo, Walmor Chagas sabe-se ator de cinema, estrela de cinema – isto sem contar que o cinema com que sonha simplesmente jamais existiu no Brasil. 

 

Desde que surgiu em São Paulo, em 1953, Walmor Chagas consegue forjar sua persona: um tipo cara-intelectivo, capaz de transmitir através do olhar pensativo a sensação e a ideia de poder. Pode conhecer todo o presente, o passado e o futuro dos acontecimentos ao seu redor. Trata-se de um penseroso perturbador, capaz de desvendar a alma do outro e os fatos. 

 

De exprimir o indizível. 

 

Homem belo, num tempo em que isso era ainda uma raridade social e étnica no Brasil, sabe de imediato localizar e construir a identidade de seu carisma. Inteligente e culto, encontraria no auge do Teatro Brasileiro de Comédia, o lendário TBC, a transposição daquele almejado universo cinematográfico do século 20. As encenações do TBC – e não os filmes da Vera Cruz – correspondiam exatamente ao anseio de um Brasil cosmopolita, industrializado, sincronizado com a vanguarda cultural do Ocidente. 

 

Por definição, uma estrela tem sua própria identidade: uma persona cinematográfica perfeitamente identificável. Que está intrinsecamente presente durante e para além de um filme particular em que atua. Por cinco décadas de carreira – para resumir no mínimo – brilhante, Walmor Chagas pairou sua filme-persona, estelar, acima de todos – mesmo sem o cinema… 

 

Walmor Chagas cria uma persona tão racional quanto angustiada. E, justamente porque este introspectivo e meditativo homem-intelecto desvenda o destino – é destino seu que se afaste do mundo. Compreende todas as fraquezas e subjuga-as – o que faz com que despreze o cul-de-sac humano até a náusea. 

 

Persona cerebral, talentosamente colocada a serviço de encontrar todas as matizes, jamais obliterando os meio-tons, que possam expressar e revelar os personagens que encarna, Walmor Chagas só pode parecer pairar em plano de superioridade. 

 

Mete medo e exerce fascínio em cena, atraindo para si o repúdio invejoso ou o estado de veneração hipnótica.

 

Contendo as emoções, entretanto, transmite a sensação do sofrimento de sua sensibilidade aguda, da percepção do desastre do mundo, sem deixar-se nunca levar por auto-indulgência. É no olhar, como nos deuses gregos das esculturas clássicas, que Walmor Chagas revela-nos o turbilhão da alma, o labirinto. 

 

Ele é contenção e êxtase, beleza irrepreensivelmente clássica. Por isso a persona, que escolheu como ator, o coloca num patamar de modernidade só comparável ao da atriz que lhe foi cúmplice em tudo, em cena e na vida, Cacilda Becker. No Brasil, como ator, é o símbolo máximo da matriz ocidental – não só do comediante, mas da cultura que encarna. Daí sua indignação. E perenidade.

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