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Bravíssimo | Cacilda Becker por Maria Thereza Vargas

Publicado em: 24/10/2013 |

 

Apresentação do livro “Cacilda Becker: Uma mulher de muita importância“, de Maria Thereza Vargas para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, de 2013 (Leia a obra, na íntegra)

 

 

Cacilda não diz: Eu sou – Diz: Eu tenho sido.

Eu vou ser – infinita. (Álvaro Moreyra)

 

“Todos os Teatros são o meu Teatro”, assim falou Cacilda Becker, ao visitar o Teatro Ruth Escobar, após o atentado do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) ao espetáculo Roda viva. Muito tempo havia passado, muita água havia corrido até que a atriz, ciosa de seus direitos, abrindo a tapa o seu caminho, conseguisse despojar-se de todo o encanto por si mesma e incorporar com fé, toda uma categoria. Nelson Rodrigues, que nunca a perdoou por não ter lutado para que Senhora dos afogados fosse montada no Teatro Brasileiro de Comédia, chamou-a, nos anos terríveis da ditadura militar de “A Passeata”, despersonalizando-a em tom de piada ou ironia. Mesmo que tenha sido essa a sua intenção, a declaração nunca seria uma ofensa. As agruras da profissão (“a melancolia dos que são obrigados a transigir com os próprios sonhos”, como lembrava Maria Jacintha) desafiaram-na, pouco a pouco, a enfrentar com todas as forças, tanto a vida quanto o palco, e num certo sentido, assumi-lo em toda sua plenitude. No decorrer da vida percebeu-se presente naqueles que com ela começaram e nos que a acompanharam. Sua arte fizera-se com seus companheiros ( a maioria mostrada neste livro, através de fotos, gentilmente cedidas). Compreendera-os. Sentindo-se pessoa responsável, nunca se omitiu, nem mesmo traiu sua classe. Ao contrário, sempre a defendeu com unhas e dentes, até mesmo suas personagens, esgarçadas a partir de 1968. “Não sei onde o teatro vai parar. É estarrecedor!”disse, ao confrontar-se com o Dionysus in 69 de Richard Schechner, em Nova York. Também assustou-se com o Living Theatre. Pena, porque com um pouco mais de calma teria tido com os Beck inolvidáveis conversas.

 

Em verdade, Alma, Antígone, Marta, Maria Stuart, grudaram-se em sua vida. Destruí-las, seria destruir-se. E seus instrumentos de trabalho: técnica apurada, cultura, voz, adestramento psicológico, emoção estavam em perigo. Em tão pouco tempo assistiu a nova geração interessar-se por Stanislavski, confrontar-se com questões sociais, impor Brecht e Roger Planchon e impressionar-se com o “grande medo metafísico” de Antonin Artaud. Lembremo-nos que ao maldito Artaud, até que, por vias transversas, de uma certa forma, não deixou de responder, tragicamente, em Esperando Godot.

 

No entanto, sua estada em Nova York em 1968 foi proveitosa. Viu em pequenos estúdios, atores levarem horas para resolver uma cena. Invejou a calma e a paciência dos intérpretes. E mais do que tudo, “deixou-se viver”, anonimamente, caminhando longas horas entre jovens e velhos, percebendo “a maravilha que é viver simplesmente”.

 

Haveria tempo para uma etapa síntese do que aprendeu no Teatro do Estudante, nas Companhias de Roulien, Bibi Ferreira, no Grupo Universitário de Teatro, no Os Comediantes, no Teatro Brasileiro de Comédia e no Teatro Cacilda Becker? Esperavam-na Arkadina, de A gaivota, ou a rainha Gertrudes, de Hamlet?

 

Decidiu-se por Esperando Godot, o mesmo que, quando levado em 1955, pela Escola de Arte Dramática de São Paulo deixou-a tão perplexa quanto o Dionysus de Schechner…

 

Pelo que foi, pelo que teria sido, mereceu o que disse o historiador Francisco Iglesias, no jornal O Estado de Minas Gerais, em 10 de maio de 1969: “Cacilda Becker é a maior figura que o teatro produziu no Brasil”. 

 

 

Carta de Cacilda Becker para Maria Thereza Vargas 

Vôo 114 – New York – Paris – 26-12-68. 

Minha querida comadre 

Não te escrevi não por ser uma ingrata, mas é que não dá !, ou melhor nem deu. Foi uma dureza aguentar o tirão de conhecer a cidade, vêr cousas e gentes, gostei minha querida, muito. Foi, ou melhor, tem sido uma experiência importantíssima. Vi duas cousas graves em teatro; o Living Theater e o Dionizios! 

Quanto ao Living – capítulo para 3 horas de conversa. 

Tu sabes que não como gato por lebre…Hay de discutir e mucho! Quanto ao Dionizios é estarrecedor, não sei onde é que o teatro vae parar, não sei. Não se pode nem pensar em fazer, claro! 

Nudez completa é o minimum… Nunca vi, sem pecado, tanto sexo masculino. Só que muito caro! dez dólares! Outro capítulo de mais algumas horas de conversa.

 

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