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Balanço do Intercâmbio Brasil x Bolívia

Publicado em: 21/11/2012 |

O boliviano Antonio Peredo Gonzalez saiu de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e desembarcou, em setembro, na capital paulista. Junto com ele, os aprendizes Nádia Verdum e Éric Moura, do Curso de Atuação, voltaram para casa depois de dois meses na Escuela Nacional de Teatro de Santa Cruz de La Sierra. A partir dali, seria a vez de Peredo assumir o papel de intercambista, durante 60 dias, na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco. A troca faz parte da parceria fechada entre as Instituições.

Ator, diretor e professor de biodinâmica na Escuela Nacional de Teatro, Peredo voltou para casa há quinze dias. No texto abaixo, ele conta um pouco do muito que aprendeu durante sua passagem pela SP Escola de Teatro. “Algo diferente, sem dúvida, cresceu em mim”, diz ele.



Antonio Peredo em “La Muerte de un Ator”, monólogo que encenou na SP Escola de Teatro (Foto: Hélio Dusk)

No final
São Paulo, 2012
Um caminho que ainda não conhecia

A minha jornada em São Paulo começou sem muito aviso e com muitas incógnitas. Os dias de estudo e trabalho iam se aproximando e eu pensava quais seriam as grandes surpresas com as quais esta grande cidade e sua gente iriam me brindar.

As minhas primeiras impressões foram logo que saí do aeroporto. Indo de táxi para a cidade, vi uma quantidade impressionante de carros parados numa avenida muito grande, com placas enormes e prédios também gigantescos. Olhei para o céu e, no mais alto, vi uma cor levemente azul cobrir o dia ensolarado. Fui descendo o olhar, percorrendo o gradiente de tons pastel, que acabava num leque de cinzas (quase cafés) e, naquele instante, pensei: “Aqui, tudo é demais”. Em seguida, percebi que aquele “tudo” do meu pensamento era também “demais”.

Após aquele meu primeiro encontro com esta cidade que não para, recebi as dicas geográficas, pedagógicas e logísticas para minha estada, quer dizer: plano, horários e hospedagem. Mas o momento em que percebi que tudo começava realmente foi sob a luz do luar, com um grupo de alunos, umas cervejas rolando (que nunca devem faltar), uma língua mal entendida e as emoções e euforias pelos dias na Escola, que logo iriam começar.

Da Escola
Quando me perguntavam o que eu achava da cidade e da minha viagem, a primeira palavra que vinha na minha cabeça era “grande”… muito grande. Logo comecei uma imersão nos estudos e nas aulas. As aulas de Cenografia e Figurino refletiam exatamente, no seu nome, a sua essência. Não estranhava as aulas de Atuação ou Direção, ou até Dramaturgia, todas costumeiras no meio do qual eu vinha. No entanto, comecei a encontrar alunos de Cenografia, Sonoplastia, Iluminação, Técnicas do Palco, Humor… e uma alegria começava a crescer. Todo aquele conhecimento, que no meu país é meramente empírico ou que não é praticado por quem o estudou e os que o praticam não o divulgam; esse conhecimento todo, sendo transmitido a gerações com as que depois manteríamos contato, fazia com que eu entendesse o indispensável que é pensar o Teatro hoje, de todos os pontos de vista. Tantos cenógrafos, sonoplastas, técnicos em iluminação etc., que não temos e que aqui começam a se formar para o bem do teatro em São Paulo, no Brasil, mas -,embora ainda de modo indireto,- também na Bolívia.

Mas de nada adiantaria que todos eles estudassem sem contato com seus pares, seus colegas, companheiros de outras áreas. Foi um grande prazer encontrar um espaço onde todos se reunissem. Este espaço (de “experimentação”, como é chamado na escola) reúne todos e os coloca em uma situação de criação, expostos totalmente ao ensaio e ao erro, à crítica e ao fogo, tudo para lograr um fato teatral. Tudo muito parecido com o trabalho do dia a dia do artista, idêntico ao processo de quem já não estuda, mas se expõe a um público desconhecido, carnívoro e voraz. Que bom é poder ter isso antes de se defrontar em solidão com o desconhecido. Mas, acima de tudo, e apesar da angústia e ansiedade de todo aprendiz, que útil é poder se confrontar com os colegas num mesmo espaço e com diferentes pontos de vista, pois o teatro os tem: diferentes perspectivas e diferentes dramaturgias. Ainda sem querer, aprende-se, mesmo sem perceber, a pensar a cena (o teatro) a partir de qualquer uma das múltiplas linguagens que podem estar contidas num palco. Atualmente, há pouquíssimos lugares onde isto é -por poucos- ensinado.

Infelizmente, o tempo, como sempre, não é bastante. Apesar de aproximações e participações nos processos criativos e didáticos, a minha posição de observador foi permanente. Observava, como através de uma janela, o desenvolvimento das atividades e criações. O fato de não concluir nenhum processo e ter de sair no meio deles, fez aumentar ainda mais a minha expectativa. Isto tem vantagens quanto à visão geral do processo, mas não quanto à vivência pessoal.

Outra boa surpresa foi que a cada semestre uma temática é abordada. Há que se consolidar a arte em um “objeto de estudo”, que emerge e está por todo lado, atual ou histórico. Assim fiz meu caminho, em dois módulos, com duas temáticas, duas áreas diferentes e dois projetos diferentes, todos paralelos. Eu me questiono: Seria preciso mais tempo para poder re-elaborar as propostas? Precisaria de mais tempo para me aprofundar pessoalmente no que foi tratado em aula? Precisaria de mais tempo para poder criar sozinho? Quer dizer, seria preciso mais tempo pessoal? Esse tempo era quase impossível de ter enquanto estava em dois módulos paralelos. Eu me pergunto: Será que precisava conhecer mais as temáticas, as estudar antecipadamente para assim ter um critério mais aprimorado? Eu me pergunto: Qual área seria mais apropriada para um aprendiz? Aprofundar-se na área que já conhecida ou aprender uma nova? Eu me pergunto: Quanto conhecimento prévio é preciso ter? Quantos textos em português eu deveria ter lido antes de começar, ou, talvez, durante o processo?

Do Teatro
É evidente que as perspectivas e caminhos da arte do Teatro mudam de uma cidade para outra, e, ainda mais, de um país para outro. As cumplicidades, as inovações, os ensaios são muito diferentes de uma sociedade para outra. Os preceitos culturais, os símbolos e os recursos também o são. Contudo, e mesmo parecendo redundante, a “troca”, o intercâmbio, trata justamente de diminuir essas distâncias para enriquecer as diferenças.

O que esta cidade me deu, com a possibilidade de assistir a espetáculos, mostras e performances muito diferentes, é algo muito difícil de achar no lugar de onde eu venho. A quantidade e diversidade de expressões são, sem dúvida, muito enriquecedoras. Esse tipo de aprendizado, mesmo não “escolarizado”, é parte da formação que o artista tem de ter. Costuma-se dizer que é “olhando que se aprende”. As perguntas, nesse caso, aparecem mais rapidamente: Como aproveitar esta possibilidade sendo parte do intercâmbio? Como fazer com que o fato de assistir a um espetáculo não seja apenas diversão, mas tenha um potencial formador? Seria necessário ter um orientador ou crítico para revelar os elementos-chave de uma peça e assim poder entender mais e melhor? É preciso meditar sozinho sobre o que foi visto? Com quem poderia compartilhar estas reflexões? Teriam de ser, essas reflexões, mais um elemento para avaliar?

Assim como é olhando que se aprende, também se aprende fazendo. Nesse mesmo fazer, o que mais surgem são vínculos profissionais e, acima de tudo, humanos. Vamos deixar para cada um avaliar os vínculos humanos, pois esses, quanto mais naturais e orgânicos, mais verdadeiros e não devem ser pautados. Mas os vínculos profissionais são importantes também de serem avaliados.

Todo espaço de formação gera relações entre as pessoas e essas relações irão permitir futuramente um trabalho fluido e mais próximo dos participantes.

Afinidades e empatia com o trabalho e os olhares de outros serão criadas. Isso surgirá naturalmente. Agora, me pergunto mais uma vez: Será preciso incentivar mais especificamente essas relações? Como? Como conseguir manter esses vínculos no futuro? Como fazer com que essas afinidades virem fatos teatrais ou criações? Como lograr o melhor jeito de que esses vínculos sejam profissionais e não apenas humanos? Isso é necessário?

Do humano
Além do aprendido e do ensinado, do visto e das relações humanas estabelecidas, fica o lugar e a cultura. Como aprender sobre o lugar onde estou? Como saber alguma coisa além dos comentários parcos das pessoas?

A vontade de aprender sobre as tradições, os rituais, a sociedade que a gente está visitando. Achar os locais onde são divididas as mais tradicionais experiências, das vidas mais rotineiras aos eventos mais marcantes. Permitir-se perder na cidade e que a cidade nos perca.

Pode ser difícil se comunicar numa cidade que tem uma população que é o dobro de toda a que a Bolívia tem. Estabelecer uma comunicação fluida, não apenas através de conversas, mas de gestos, expressões próprias que podem ser muito diferentes.

Procurar as expressões mais antigas, assim como as mais recentes. Curtir as diversões mais típicas e devolver as mais exóticas e vice-versa.

O espaço para o entretenimento, para a comunicação em diversos níveis, o espaço para encontrar uma nova cultura é tão importante de se estabelecer e favorecer quanto qualquer dos outros espaços necessários para a formação integral. Como? Essa é a pergunta…

Sentado com alguns alunos, com umas cervejas rolando (que nunca devem faltar), um espeto (como são chamadas em português as nossas “brochetas”), ouvindo uma língua agora completamente reconhecível, com emoções e euforias pelos dias de escola já passados, com as distâncias reduzidas e a diversidade enriquecida, percebi que o momento de partir tinha chegado. Algo diferente, sem dúvida, tinha crescido em mim…

Antonio Peredo Gonzales; La Paz, novembro de 2012
 

 

Tradução: Carlos Turdera 

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