“Agradeço ao público presente por reconhecer o valor deste encontro”. Foi assim que o coordenador pedagógico da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, Joaquim Gama, introduziu o seminário de ontem (14), cujo convidado era, nada mais nada menos, que o diretor Aderbal Freire Filho.
Sentado ao seu lado estava o coordenador do curso de Atuação, Francisco Medeiros, que falou, emocionado, sobre a qualidade do autor, diretor e ator. “Aderbal é raro, raríssimo. Talvez, único no cenário teatral da atualidade”, e completou, “seus trabalhos são uma injeção de entusiasmo”.
O diretor Aderbal Freire e o coordenador do curso de Atuação Francisco Medeiros no seminário sobre “Teatro Ilimitado”, que ocorreu ontem (14), na sede da SP Escola de Teatro (Foto: Arquivo SP Escola de Teatro)
Após ser recebido com tantos elogios, o diretor já tratou de dizer: “Eu não sou tudo isso que ele está dizendo não. Ele que é muito generoso”, e brincou, “minha única virtude é que estou durando”, fazendo referência aos seus 70 anos. No entanto, a aparência e o vigor com que se apresentou diante de todos, é inversamente proporcional à sua idade.
Tendo atuado pela primeira vez aos 13 anos, a bagagem de Aderbal é extensa. Um pouco de tudo o que já realizou enquanto profissional de teatro estava em sua mala, a qual trouxe à Escola e levou consigo para o palco improvisado. “Eu quero ser meio que o Homem da Mala (figura popular nordestina). Quem sabe, até o final do nosso encontro, eu não a abra e mostre a vocês algumas coisas que eu carrego”, comentou em meio a gargalhadas do público.
A partir de então, Aderbal explica o motivo pelo qual sugeriu que o tema do seminário fosse “O Teatro Ilimitado”. “Acredito que a infinidade de possibilidades dentro do teatro é algo que não se encontra fora dele. Por exemplo, quando fui fazer a minha versão de ‘Mobdick’, percebi os diversos significados que existem por detrás da personagem principal, a baleia. O próprio romance, que data do século XIX, tem diferentes gêneros teatrais dentro de uma mesma obra. Fazer essa peça foi uma boa experiência para falar de teatro ilimitado.”
O diretor Aderbal Freire respondendo aa perguntas do público (Foto: Arquivo SP Escola de Teatro)
Neste instante, o artista convidado do curso de Iluminação, Roberto Paiva, fez sua pergunta. “Muitos dizem que no teatro tudo é válido. Outros preferem o engessamento do fazer teatral. Dentre esses dois extremos relacionados ao Teatro Ilimitado que você disse, como encontrar o equilíbrio?”
Para responder a questão, Aderbal explica que nem tudo é valido, mas que as possibilidades de se recriar peças são infinitas, desde que haja embasamento e estudo. “Eu gosto de falar sobre a minha teoria do ‘pensamento andante’, em que o diretor pode fazer sua versão de uma montagem introduzindo aspectos da atualidade. Por exemplo, em “Hamlet”, numa cena onde a Ofélia devolve todos os presentes que havia ganhado de Hamlet, ela joga em seus braços todos os objetos. Entre eles, está a capa do disco de vinil dos Beatles. Tenho certeza que se Shakespeare tivesse conhecido a banda, ele teria feito o mesmo”, brincou.
Com esse gancho, o diretor lançou, talvez, a frase mais instigante dentre todas que disse ao longo de duas horas de palestra. “Nós, diretores, somos a reencarnação dos autores das peças que dirigimos. Portanto, eu, enquanto Shakespeare, adorei a encenação que o Aderbal fez da minha peça.”
No desenrolar da conversa, o diretor contava, também, sobre sua história de vida e de vivência de palco. “Desculpem-me, mas sou um homem de muitos parênteses. Prometo que já volto ao nosso assunto inicial”, se explicava para a plateia. Aderbal não se restringiu a discursar somente sobre encenação e atuação. Em certo momento, citou, ainda, a cenografia de seus espetáculos.
Quem estava lá, nas primeiras fileiras, para fazer sua pergunta era o coordenador dos cursos de Cenografia e Figurino e Técnicas de Palco, J. C. Serroni. “Com base no que já pude presenciar, suas peças possuem, em sua maioria, cenografias excelentes. No entanto, sei que você poderia fazer uma grande peça em um pequeno espaço e até mesmo sem cenário. Quero saber como você dialoga com essa outra área? Quão importante é, para você, a cenografia?”
Aderbal, novamente, deu exemplo de uma de suas peças para responder a questão. “No espetáculo ‘Depois do Filme’, o cenógrafo com quem mais tenho contato (Fernando Mello da Costa) conseguiu realizar um trabalho magnífico em um espaço limitadíssimo. Com apenas algumas cadeiras e um palco em formato de passarela, o ator, no caso eu, conseguia estar num posto de gasolina, numa praia, num carro e num bar. Portanto, nem sempre a cenografia das minhas montagens são fotográficas, mas é, sem dúvida, indispensável”.
Faltando cinco minutos para o final, o diretor sintetiza toda a conversa em apenas uma frase. “Não faz diferença apresentar uma peça num local pequeno ou grande, pois a imaginação do expectador é o palco do teatro ilimitado.”
Texto: Jéssika Lopes