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A Tênue Linha Entre Vida e Obra

Publicado em: 17/09/2012 |

Mentes da psicanálise e da literatura reunidas em uma única mesa, com a proposta de discutir um tema amplo e com várias possibilidades: “As Experiências Pessoais na Raiz das Produções no Campo das Artes”. O resultado de um encontro como esse só poderia ser uma frutífera conversa, e foi isso que aconteceu na Mesa de Discussão promovida na última sexta-feira (14) pela SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.

 

Mediada pelo psicanalista Sergio Zlotnic, a discussão contou com três convidadas: a escritora, professora e crítica literária Noemi Jaffé; a psicanalista e escritora Luciana Pires; e Yudith Rosenbaum, que é psicóloga, professora e escritora.

 

Da esquerda para a direita: Sergio Zlotnic, Noemi Jaffé, Luciana Pires e Yudith Rosenbaum (Foto: Arquivo SP Escola de Teatro)

 

Após introdução de Zlotnic, que apresentou as participantes e sugeriu um tempo médio de 30 minutos para cada uma delas falarem antes de abrir para as perguntas do público, a conversa começou com uma explanação do assunto do ponto de vista da literatura. Noemi salientou que, para um crítico literário, não importa tanto a relação entre a biografia do autor e aquilo que ele escreve – afinal, a obra é o objeto da análise.

 

Separando os conceitos de “trauma” e “marca” – o primeiro seria um ferimento, algo que modifica a voz de quem fala e, o outro, parte da biografia do artista –, Noemi citou o poeta de língua alemã Paul Celan, que se destacou no Pós-Guerra. Filho de judeus, suas experiências em Auschwitz, campo de concentração instalado no regime nazista, modificaram permanentemente sua obra. “Quem escreve poesia depois de um trauma, não escreve sobre ele. O artista escreve o próprio trauma, para livrar o ‘eu’ do objeto do trauma”, explicou.

 

A próxima a assumir o microfone foi Luciana Pires, que compartilhou um pouco de seu conhecimento de psicanálise. “São muitos os destinos que o traumático pode ter na psicanálise”, ela lembrou, antes de destacar que “o valor da arte transcende o psíquico”.

 

Casos vistos durante sua atuação como psicanalista também foram lembrados pela convidada. Em uma pesquisa com crianças autistas – que têm como característica principal a repetição de situações –, ela percebeu que uma das participantes fazia uma espécie de edição autoral dos vídeos que eram apresentados, selecionando cenas que retratavam momentos pelos quais estava passando, o que fugia totalmente à regra.

 

A passagem do que reside em nosso inconsciente puro para a formalização foi o primeiro assunto tratado por Yudith Rosenbaum. Segundo ela, todos passam por vários traumas desde o nascimento, mas “o artista deve ser capaz de fazer o trânsito entre o caos e a forma”. 

 

A discussão durou cerca de três horas e encerrou com as perguntas do público (Foto: Arquivo SP Escola de Teatro)

 

Dotado dessa capacidade de utilizar a linguagem para conferir forma aos pensamentos e sentimentos, o artista teria a chance de transmitir aos outros uma visão daquilo que ele próprio vivenciou. Yudith citou Clarice Lispector como exemplo capaz de ilustrar o tema da Mesa, parafraseando-a: “Escrever é uma maldição, mas uma maldição que salva”.

 

Depois de encerrada sua parte, foi aberto o espaço para as perguntas do público. A relação entre a coragem e o trauma e a utilização das marcas pessoais no trabalho do ator foram alguns dos tópicos levantados neste momento.

 

“O público foi muito receptivo, atento, interessado e acolhedor. O tema é bastante mobilizador: pensar a presença [ou não] do trauma nas produções do sujeito no campo das artes sempre provoca impactos. Isto quer dizer que ainda levaremos um tempo para digerir as questões discutidas aqui”, avaliou Zlotnic.  

 

“Acho que a mesa articulou de modo bastante fértil as questões que envolvem os temas de trauma, memória, repetição, fato e ficção. Tanto no campo da escrita [poética ou literária – e aqui, importante, também dramatúrgica] quanto no campo psicanalítico [ao pensar na constituição do próprio psiquismo]”, finaliza o mediador.

 

 

Texto: Felipe Del

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