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A Performance e a Magia por Cadu Witter

Publicado em: 03/05/2012 |

O ator e professor de teatro Cadu Witter acompanhou o segundo Experimento do Módulo Azul da SP Escola de Teatro  – Centro de Formação das Artes do Palco, no último sábado (28), e relatou suas impressões sobre cada um dos oito núcleos. Veja abaixo suas palavras sobre os grupos 3 e 4.

 

 

Que o teatro é mágico e que suas possibilidades são inúmeras, todos já esgotaram de falar, mas parece que a performatividade, ainda que presente desde os primórdios dos tempos, quando ganha o status de algo a se fazer no teatro, acrescenta a ele possibilidades que o teatro convencional até imaginaria, mas executaria diferente.

Nesse dia rico em alimento pra alma de qualquer público visitamos cenários e iluminações, conhecemos atores e diretores em ação e pudemos ver técnicos de palco fazendo seu trabalho. Tudo isso foi muito bem aproveitado em todos os Experimentos, mas havia algo de especial neste núcleo 3.

 

Experimento do núcleo 3 (Foto: Andre Stefano)

Seis atores presos, ligados uns aos outros pelos seus medos, por suas dificuldades. Seria desnecessário dizer mais alguma coisa, isso por si já bastaria para chegarmos em algum lugar, não fosse este um artigo, pararia por aqui, mas como não é dividirei um pouco do que experimentei com vocês, deixando claro que esta é apenas uma das visões possíveis, a minha.

Ao entrar encontramos um ambiente cuidadosamente preparado. Nada é demais, a iluminação fraca não esconde, mostra. O cenário meticulosamente pensado não sobrecarrega a visão com o emaranhado de elásticos brancos que ligam diversos pontos da sala e os atores entre si e a sala. Estes atores, por sua vez, estão exatamente ali, possuem um roteiro de ações, mas fica claro que trabalham a partir do que está acontecendo naquele instante.

Se você pode imaginar isso, então basta! Há coisas que são difíceis de reproduzir em palavras. Uma atriz tenta se infiltrar na plateia, mas fica meio de lado. Por que não abrimos espaço? Por que ela não insiste mais? Timidez das partes, não saber lidar direito com a situação?

Um ator, com cabeça de caixa prateada, que reflete imagens distorcidas, ou não, de todos ali, nos convida a entrar em cena. Outro ator chega a estender sua mão e chamar algumas pessoas, não o faz de forma incisiva, mas o faz e novamente ninguém vai. Por quê? Por que eu não fui? Será que vendo as dificuldades de cada um temos receio em mostrar as nossas, ou isso é só especulação de uma mente que precisa justificar o que viu?

Performance! Eles fizeram aquilo e pronto! Não precisa ser justificado, mas eu quero dialogar…

Há um espelho no fundo da sala. Ele reflete tudo que acontece, inclusive nossa acomodação em não fazermos nada senão assistir, mas é especialmente utilizado para mostrar o rosto desfigurado de uma bela moça que sentava bem ao centro da cena.

Um bom trabalho de corpo, principalmente do último ator a se mover, que tenta desesperadamente sair do emaranhado, deixar aquela situação e caminhar para a luz que vem de fora da sala, pela porta que agora se abriu, mas os elásticos que ligam tudo não permitem.

Antes de ir embora, mais um convite, só que dessa vez sem deixar opções ao público: precisamos passar pelo emaranhado de elásticos e atravessar todos os atores em cena pra sair da sala.

Pequenos detalhes, sutis nuances, grandes reflexões e muita ligação com o que aconteceu. Assim eu deixo a sala e caminho para o próximo Experimento.

O núcleo 4 nos recebe já do lado de fora da sala, a cena não começou, mas o cenário e o ator já estão ali.

 

Ariane Alves, do núcleo 4 (Foto: André Stefano)

Um homem sentado ao chão, com uma calça branca brinca com um pó também branco, sobre barbantes esticados que me lembram uma escala musical. Há uma rampa preta e todos ajudamos o homem a contar. Abre-se a contagem ao final da qual ingressamos na sala.

Um ambiente muito bem cuidado, igualmente ao anterior, mas muito mais claro. Algumas pessoas ao chão. Técnicos e atrizes cozem com o barbante várias linhas por toda a sala. No entanto, essas linhas não formam um emaranhado. Estão muito bem organizadas e, ainda que se cruzem, não se misturam.

Uma atriz escreve à lousa, enquanto outro ator rege e balbucia uma canção que depois descobri impregna os ouvidos.

“Nos tempos de meu tempo.” Os barbantes ao chão me lembram harpas bem no instante em que o texto fala em anjos. Coincidência?

O que você vê?

Essa é uma questão recorrente. Eu vejo três bruxas sentadas conjurando magia no canto da sala. Alguém que pode estar regendo tudo aquilo e uma mulher com asas tatuadas nas costas escrevendo.

Os atores estão absolutamente entregues ao que fazem, mesmo o ambiente sendo propício à dispersão. Muito espaço, muita claridade e muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, o que não impede que existam focos de cena.

Alguém amamenta flores. A cantiga prossegue, ao menos na minha cabeça. Presenciamos momentos tensos entre alguns atores, enquanto outros estão quase alheios ao que se passa.

Entender? Acho que não quero. A mim basta o que experimentei naqueles instantes e que pude carregar comigo até este momento.

Isso é a magia do teatro? Poder carregá-lo comigo sem que sequer os “mágicos” saibam? Algo aconteceu nesses núcleos que dispensa qualquer resposta, mesmo que eu insista em chegar a ela.


 

Veja a opinião de Cadu Witter sobre os outros núcleos do Experimento:

A Performatividade e seu Rastro por Cadu Witter
Luz! Luz! Luz!
Meu Reino por um Pote de Baunilha por Cadu Witter

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