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Memória (III) coríntia contada por São Paulo

Publicado em: 21/06/2023 |

Cabeçalho com o escrito "Chá e Cadernos" e abaixo uma xícara de chá.

Chá e Cadernos 200.2
Mauri Paroni

Na Primeira Epístola aos Coríntios 11,23-2, São Paulo conta de Jesus ter dito, na última Ceia (*) “(…)na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo, que será entregue por vós; fazei isto em memória de Mim’. Do mesmo modo, ao fim da Ceia, tomou também o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de Mim’”. Essa citação bíblica virou – perdão pela forçação – uma “fake news” em poucos anos de palavra cristã difundida na antiguidade, entre 56 e 59 d.C. Declaração vital simples que se repete nas missas… mas reproduzidas e descontroladas por camarilhas inspiradoras de extermínios e genocídios.

Por meu turno coríntio, ainda que eu não seja um São Paulo, esta é uma nota intuitiva de memória a mim passada em conversas da biblioteca da Escola Paolo Grassi de Milão, sobretudo com Ettore Capriolo, (1926-2013), intelectual historiador e companheiro do Gianni Ratto antes de sua emigração ao Brasil.

As fake news do tempo do imperador Nero e sucessores denunciavam os cristãos habitantes ou frequentadores das catacumbas romanas – misteriosos, longos, onipresentes subterrâneos da cidade.

Mártir na arena do circo por Fyodor Bronnikov, 1869

Mártir na arena do circo por Fyodor Bronnikov, 1869 | Foto: Divulgação

Em toda a extensão do império, pelo que sabemos da história, os Romanos escravizaram e dominaram os vencidos (Vae Victis, ai deles). Estabeleceram feitorias comerciais que eram o principal instrumento de manutenção daquele domínio, plantado pelo uso da língua propositalmente burocrática que foi o Latim. Sem ela, não havia como concordar e exercitar o comércio, em alternativa a lutas civis – com saques militares durante as campanhas de conquista. Uma vez escravizadas, as meras peças humanas eram comercializadas juntamente a alimentos e artefatos em todos esses domínios provinciais. A língua, pois, necessitava do poder militar para ser coercitiva e operar riqueza. Tais eram os contratos comerciais orais ou escritos nos papiros, tábuas e pedras entalhadas por instrumentos pontiagudos chamadas de “stillus”. Contratos eram tão importantes na vida diária quanto a alimentação, o sexo, a organização social, a ordem, “Pax”. Importantes como as navegações seguras entre África do Norte, Europa do Sul, do Oriente e do Ocidente. Tal prática foi resultado direto da influência poderosa da cultura feminina etrusca, que – essa sim – os latinos destruíram para que fossem absolutos no domínio de Urbe, a cidade física em que e com quem conviviam. Etruscas eram as mulheres cultas e dadas ao comércio nas doze cidades confederadas na hoje região italiana toscana, aproximadamente.

(Ver art)

No estilo romano/etrusco, conquistadores tendiam a conservar os costumes e as religiões de culturas e povos respectivamente derrotados, desde que não disturbassem os cultos grecolatinos. Tabu absoluto era a total proibição de sacrifícios humanos. Mesmo que a fabulação da história tenha provavelmente exagerado, ajudada também pelo polonês (carola atávico…) Henryk Sienkiewicz (1846-1916, Nobel 1905 ), de seu Quo Vadis, base do homônimo filme hollywoodiano, a consequência é fácil de ser imaginada.

Urso devorando um criminoso. Mosaico romano

Urso devorando um criminoso. Mosaico romano – Anônimo | Foto: Divulgação

Espertos rivais na luta pelo poder constituído do centro de Roma ou, por exemplo, membros do sinédrio na longínqua terra judaica espalharam com malícia palavras cristãs: “Tomai e bebei todos vós, este é o meu corpo, este é o meu sangue, a nova e eterna aliança…” (sic). Altos dirigentes romanos ficaram horrorizados. A agravar a situação havia uma séria disputa entre a nova fé e a do culto a Isis, ambas médio orientais e fundamentalistas; qual deusa misericordiosa e amorosa, muitos cristãos a fagocitaram via bondade da Virgem, em simbiose com a severidade do Pai. Foi uma importante disputa religiosa no coração do império, cuja religião oficial politeísta dava mostras de cansaço. Pela lógica do poder autocrático, eclodiu a perseguição, com perdas de cidadania, crucificações, alimentação humana de bestas (damnatio ad bestias) e incinerações (cidadãos romanos não podiam ser crucificados). Coisa repetida nos séculos seguintes, cristãos ascendidos ao poder político fundido ao religioso queimaram bruxas e outros de si. Por aí se foi a centenas de genocídios, até hoje. Talvez em futuro. Não custa repetir: Dirigentes romanos acabaram quando cristãos ascendidos ao poder político fundido ao religioso, “limparam”, queimaram etc. etc. etc.

Não custa repetir: Dirigentes poderosos ainda o fazem. Quosque tandem – Até quando?

Custa escrever relacionando isso tudo, ainda que intuitivo.

(*)

Martírio de São Marcienne, miniatura do século XV

Martírio de São Marcienne, miniatura do século XV Desconhecido – Reproduction d’une miniature du XVe siècle sise à la BNF | Foto: Divulgação

Fontes
http://www.paroquias.org/catecismo/index.php?vs=15&vss=4

– Uma outra tradução, entre milhares a encontrar na net:

“E, quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos; Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados.”
Mateus 26:26-28
https://www.bibliaonline.com.br/acf/mt/26/26-28

Fonte principal
https://www.churchofjesuschrist.org/study/manual/new-testament-seminary-teacher-manual/ introduction-to-the-first-epistle-of-paul-to-the-corinthians?lang=por