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Victor Nóvoa, novo artista docente da SP Escola de Teatro, conta como é o trabalho de um dramaturgo no Brasil

Publicado em: 02/02/2021 |

Victor Nóvoa/ Divulgação

2021 promete ser um ano de recomeços e muita esperança pelo fim da pandemia de Covid-19, e a SP Escola de Teatro compartilha deste sentimento, principalmente neste período de início de ano letivo.

A instituição tem como meta oferecer sempre um corpo docente dinâmico, competente e que tenha uma ampla bagagem em sua área de atuação, como é o caso de Victor Nóvoa, novo artista docente do curso de dramaturgia.

Ator formado na Escola de Escola de Arte Dramática (EAD) da ECA/USP, mestrando em Artes cênicas pela UNESP e com uma experiência de 25 anos em teatro de grupo, o artista tem uma carreira nos palcos e na escrita de prestígio, com textos montados por diretores como Carla Candiotto, Domingos Montagner, Luis Fernando Marques (Lubi), Kiko Marques, Rogério Tarifa e Verônica Veloso.

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Empolgado com o desafio de ensinar na SP Escola de Teatro, Victor conversou com a equipe de comunicação da Instituição e contou como é ser dramaturgo no Brasil, as perspectivas de um educador de artes cênicas e como está a  expectativa em conhecer os estudantes da SP Escola de Teatro.

Você tem uma carreira no teatro, com dramaturgias suas adaptadas por renomados diretores do Brasil. Em sua opinião, o que é necessário para ser um dramaturgo bom, que consegue desenvolver textos de excelência e que cativem o público? Quais são os conhecimentos necessários e ferramentas?

Penso que escrever é colocar-se em estado de travessia. E esse estado permeável não é um conceito abstrato, é uma postura ética frente ao trabalho. Ser atravessado é abrir espaço para si e para o outro. É cavar fundo na própria carne, sem deixar de escutar o mundo. Nos percursos pedagógicos que oriento, sempre digo que dois verbos são essenciais para a escrita: transpirar e escutar. Transpirar, pois escrever é artesania com as palavras. É trabalhoso, leva-se muito tempo para compor uma obra escrita. Desconfio muito da visão romantizada do “grande escritor” tocado por sua genialidade. O ato da escrita é uma construção social e por isso que também precisamos praticar a escuta. Ficar atento às coisas do mundo, como elas reverberam em mim e como elas me deslocam da minha realidade. Quando falo em escutar, falo de um modo expandido, falo de ler muito os dramaturgos e dramaturgas que estão produzindo hoje, e claro, ler os grandes clássicos. Ler textos de teatro não para corresponder a uma expectativa neoliberal de acúmulo de conhecimentos, mas ler para ver como os outros artistas e pensadores desenvolvem suas obras e a partir dessa escuta ativa ir descobrindo qual o seu próprio trajeto.

Como a educação horizontal da SP Escola, em sua visão, ajuda o estudante a se desenvolver como um artista e como pretende ajudar a Instituição nessa missão?
Minha experiência artística nasceu no teatro periférico amador e nas oficinas culturais do estado. Trabalho com teatro de grupo há 25 anos e minha trajetória está em movimento, sempre pensando que o teatro é a prática humana da coletividade. E como está difícil de fazer essa prática nos dias de hoje… por isso a importância de uma escola que coloca no debate público questões estéticas, sem deixar de pensar a ética das relações. O desenvolvimento de uma poética própria está completamente relacionado aos encontros artísticos que acontecem no percurso da vida. Quando começo um trabalho pedagógico, nunca penso que estou dando um curso de dramaturgia, mas sim, estou em percurso artístico junto com os participantes. Um curso é um percurso de trocas em um tempo e espaço. Sempre me coloco duas perguntas logo após conhecer a turma que trabalharei – Como a minha experiência pode potencializar a poética desses artistas? – Como a experiência desses artistas pode potencializar a minha poética? – Minha intenção é criar um estado de liberdade e acolhimento para que os/as estudantes possam escrever a partir do atrito criativo e afetivo entre duas realidades: a verticalização na descoberta de suas próprias narrativas e o deslocamento de sua subjetividade.

Qual é o projeto como dramaturgo que você mais se orgulha ?
Por necessidade da vida, eu morei por um ano em um imóvel ocupado sem abastecimento de água e com risco iminente de despejo e a partir dessa experiência escrevi em 07 anos a Trilogia do Despejo, um tríptico de textos teatrais que foi produzido pelo coletivo que faço parte, A Digna. Os dois primeiros já foram encenados: Condomínio Nova Era com direção do Rogério Tarifa e Entre Vãos com direção do Lubi. O último texto está escrito e publicado, chama-se Estilhaços de Janela Fervem no Céu da Minha Boca e está em processo de montagem com direção da Eliana Monteiro. Tudo o que foi colocado nessas dramaturgias partia de uma relação muito viva e pulsante em minha trajetória de vida. As conversas afetivas com os outros moradores do imóvel ocupado, o medo de não ter onde morar em São Paulo, alguns processos de violência presenciados, o cheiro das paredes, o toque do carpete verde nos pés. Toda essa matéria estava presente em meu corpo e eu queria que ela se reverberasse e transbordasse em palavras… palavras que buscavam estar presente em outros corpos, que buscavam virar acontecimento cênico.

Como é trabalhar no dia a dia com a profissão de dramaturgo?
Falando sobre a profissão… são muitos aspectos a serem abordados, a falta de incentivo do estado, as questões da pandemia que atravessam os corpos, a dificuldade em conseguir que seus textos possam ser produzidos, ou até mesmo serem lidos… enfim… poderia ficar aqui enumerando incontáveis dificuldades, mas o que quero mesmo dizer é que não me vejo fazendo outro trabalho e por isso fui cavando as brechas possíveis. A que encontrei é ter parceiros artísticos que têm afinidade com meus escritos. É preciso ir encontrando como viabilizar seus trabalhos e eu quase sempre produzo a montagem dos meus textos. Enfim… não basta escrever, é preciso estar em estado de guerrilha com a realidade, para descobrir ou forjar as frestas pelas quais se possa respirar e continuar trabalhando com arte.

Você é ator de formação também. Como é conciliar as duas carreiras? Acredita que a formação do ator ajuda muito no desenvolvimento de uma dramaturgia?
Trabalhei por muitos anos como palhaço e me formei como ator pela USP. Hoje já não atuo mais, salvo raríssimas exceções. Ter trabalhado como ator ou palhaço me faz pensar na escrita a partir da perspectiva da cena. Não para criar textos que ficam dirigindo o olhar de quem vai encenar minhas dramaturgias, mas para pensar que materialidades meus textos podem disparar. Sempre que escrevo um texto, me faço uma pergunta: que convites esse texto faz à cena? Penso que essa pergunta vem da minha prática como ator e palhaço.

Envie um recado para os seus novos alunos e comente como será ensinar para eles através das plataformas digitais, devido à pandemia de covid 19?
Tão importante quanto as práticas de escrita, ou o conteúdo teórico de um curso, é o convívio artístico que se estabelece entre os participantes da aula. O que me interessa como docente ou artista, as duas práticas sempre se misturam, é criar um ambiente afetivo para que todos se sintam acolhidos para escrever livremente. Já há tantas amarras sociais que nos dificultam a escrita… por isso a importância desse ambiente afetivo em sala de aula (seja virtual ou presencial). A realidade que vivemos nos faz ter que usar as plataformas digitais, então vamos ocupá-las. Precisamos ocupar todos os espaços do pensamento. Deixo uma pergunta aos que estarão comigo nesse módulo performativo: “Como o nosso encontro, nessa plataforma, pode potencializar a escrita de cada um dos envolvidos ou envolvidas nesse percurso artístico que realizaremos em convívio?”

Siga: @victornovoa

Dramaturgia na SP Escola de Teatro

Direcionado a novos dramaturgos, o curso tem como objetivo estimular inovadoras percepções de mundo e diferentes formas de construção textual. Equilibra teoria, técnica e prática, incluindo conteúdos que compõem a base de criação a outras mídias.

É coordenado há 10 anos pela dramaturga, jornalista e curadora teatro Marici Salomão, autora de peças como o “O Retiro dos Sonhos”, “Bilhete”, “Maria Quitéria” e “Território Banal”. É autora do livro “O Teatro de Marici Salomão” (Coleção Aplauso/Imprensa Ofical).

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Por Luiza Camargo




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