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SP Escola de Teatro entrevista Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, conselheiro da ADAAP

Publicado em: 17/08/2023 | por: Guilherme Dearo

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes (centro), conselheiro da ADAAP, ao lado de Tato Consorti e Ivam Cabral, na SP Escola de Teatro (2023).

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes (centro), conselheiro da ADAAP, ao lado de Tato Consorti e Ivam Cabral, na SP Escola de Teatro (2023). | Foto: Comunicação ADAAP

A SP Escola de Teatro, criada e gerida pela Associação dos Artistas Amigos da Praça (ADAAP), entrevista em 2023 todos os seus 13 conselheiros.

Inaugurada em 2010, a SP Escola de Teatro é uma instituição da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo.

A associação é uma Organização Social e exemplo do modelo de gestão de Políticas Públicas que vem sendo implantado pelo governo do Estado desde 2004, com base na Lei Complementar n° 846/98 e no Decreto Estadual nº 43.493/98. Através da publicização, ou gestão pública não estatal, serviços e atividades públicas são geridos por meio de parcerias entre o Estado e o terceiro setor.

A ADAAP faz parte da Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura (Abraosc) e tem por finalidade desenvolver e administrar projetos socioeducacionais, culturais e institucionais, valorizando a arte e a educação no estado de São Paulo.

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes

O entrevistado de hoje é Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, Procurador de Justiça do Ministério Público Estadual de São Paulo, professor-titular da Universidade de São Paulo e membro do conselho fiscal da ADAAP. 

Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1984), especialização em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de São Paulo (1985), especialização em Atualização Em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (1984), especialização em Atualização Em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (1987), doutorado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1993), doutorado em Direito Penal pela Universidad de Salamanca (1995) e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (1999). Autor de mais de vinte obras na literatura jurídica no ramo do Direito Público e Direito Penal, Lopes idealizou o programa de responsabilidade cultural na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo.

Confira a entrevista com Mauricio Antonio Ribeiro Lopes

Como se deu sua entrada no conselho da ADAAP? Por que, para você, é importante participar desse conselho e contribuir para a ADAAP? 

À época do convite, eu era Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo em São Paulo e li notícias sobre os riscos que os teatros da Praça Roosevelt corriam por conta da intensa valorização imobiliária na região. Essa questão sempre me preocupou e era o início do projeto piloto de responsabilidade cultural dos empreendedores imobiliários. Na minha visão, aqueles que obtinham lucro com a exploração da terra tinham, também, a obrigação de ajudar a preservar o patrimônio cultural da cidade. Certas atividades não sobrevivem às regras de mercado. Os cinemas de rua, as livrarias, os teatros.

Preocupado com a notícia, procurei alguns empresários da construção civil e conversei sobre formas de fazer aproximações com os teatros, viabilizar patrocínios etc. Isso durou um tempo. E muitos grupos conseguiram adquirir sua sede por conta desse diálogo. Nessa época, veio a aproximação com o Ivam Cabral e o Rodolfo García Vázquez nos Satyros. Logo, por volta de 2017, veio o convite do Ivam para fazer parte do conselho da ADAAP e ajudar no projeto da SP Escola de Teatro.

Para mim, foi uma honra aceitar o convite. Em primeiro lugar, sempre quero participar de qualquer movimento que envolva proteção e difusão cultural. Desde o colégio, quando fiz teatro amador por oito anos, sou apaixonado por teatro e outras artes. Na ADAAP, tenho tentado dar a minha contribuição, trazendo esse entendimento do funcionamento do estado, a preocupação com a transparência. Não por acaso, a SPET tem nota máxima em transparência diante da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas, isso é muito importante e mostra que o dinheiro público está sendo muito bem empregado pela ADAAP.

Para você, qual a importância e o impacto do trabalho da ADAAP e da SP Escola de Teatro? 

A SPET impacta de diversas maneiras. Em primeiro lugar, impacta a vida daqueles que entram na Escola. Tanto as aulas quanto o Programa Oportunidades, que oferece uma bolsa-auxílio, e as possibilidades de intercâmbio transformam a vida de quem estuda ali. Fora a proposta pedagógica única, que sempre propõe a discussão, que contagia, que traz a busca permanente por reflexão e aprendizado. Aprende quem é estudante e também quem está no papel de ensinar. A SPET é uma instituição de ponta, de vanguarda, até mesmo em termos mundiais. Ela se coloca entre as melhores na função de educar pela arte.

Qual a importância das artes cênicas e das artes do palco para você? Qual o papel transformador do teatro na vida das pessoas e na sociedade? Até pensando no exemplo da presença da SPET e de grupos teatrais na Praça Roosevelt, que já foi muito violenta e marginalizada…

Para mim, as artes cênicas são de toda importância. Tenho 61 anos. Frequento teatro desde os 10, 11 anos. Meu avô sempre me levava. E naquele tempo eu já via peças para adultos. Então são cinco décadas onde vejo como o teatro pode impactar a sociedade.

O teatro sempre foi peça de resistência. Na época da Ditadura Militar, era uma grande tribuna onde havia resistência ao regime. Ele tinha um papel de debater o país. Aliás, sinto um pouco de falta disso nas peças de hoje, esse viés para o debate público. Sou da época em que os espetáculos não terminavam quando os atores recebiam os aplausos. Era obrigatório ter o debate posterior entre público e elenco. Esse encontro entre os dois lados é importantíssimo para discutir arte, valores estéticos, valores sociais, discutir cultura e espaço.

Em uma época em que tantas livrarias estão fechando, quando o streaming está derrotando o cinema, o local de resistência da arte é o teatro. Lembro de uma frase magnífica do Aderbal Freire-Filho, que acabou de nos deixar, onde ele dizia: “Não sei qual será o futuro das artes, mas sei que o teatro vai permanecer”. Isso é perfeito. Ele é muito antigo, tem milhares de anos. Ele vai persistir. Vai descobrir novas formas e vai se perpetuar. Nesse sentido, a sociedade encontra no teatro uma reflexão sobre o que foram, sobre o que são e sobre o que podem vir a ser. O teatro é atemporal, imortal, sempre vivo.

Eu sou do Ministério Público. Durante muitos anos, fui promotor do júri. No exercício da atividade, há teatro no Direito. A capacidade de despertar emoção em seu semelhante a partir da fala, em expor, em convencer. Então o teatro trouxe para mim essa perspectiva de dar ao Direito um fluidez emocional, de ter contato com o povo. Mesmo hoje, quando faço sessões perante o tribunal, também utilizo da oratória, do convencimento.

Creio que o teatro deveria ser obrigatório no processo educacional de crianças e jovens. É uma ferramenta transformadora de autoconhecimento.

Você idealizou o programa de responsabilidade cultural na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, ajudando grupos de teatro independentes e outros coletivos artísticos. A arte sofre no espaço urbano (aluguéis, gentrificação, especulação imobiliária etc.) e faltam incentivos para projetos artísticos. Como você vê essa situação em 2023? Muito difícil ainda? Como resolver isso? 

É uma situação de grande preocupação, quase de desespero. Livrarias fechando, o Itaú falando que irá deixar de patrocinar salas de cinema e outros exemplos tristes. Certo tipo de atividade, como a artística, não consegue se manter no meio social com as disputas econômicas em torno do território. E a pandemia agravou muito o problema, quando esses espaços tiveram de fechar temporariamente e não tinham receita do público.

Outro problema é que estamos ficando órfãos de guias culturais impressos, aqueles que a imprensa fazia semanalmente. Quem precisa olhar hoje a programação da cidade, precisa entrar em diferentes sites, fazer pesquisas etc. Fica essa grande pesca na internet. E o guia cultural já trazia tudo organizado e ajudava a divulgar muita coisa. Não ter esses espaços é muito prejudicial pra produtores, artistas e público.

Sobre o teatro, é especialmente mais complicado porque é uma atividade cara e encontra menos oportunidades com difusão, capação, remuneração, distribuição, se comparado ao cinema, por exemplo. O teatro teve de encontrar um preço de ingresso de sobrevivência, o suficiente para não acabar, mas sem poder ser alto, porque senão as pessoas não compram. Mas certamente é um preço bem mais baixo do que vale, deveria ser maior.

Vemos esse afastamento do público e a diminuição da pauta. Antes, temporadas duravam meses. Agora, são semanas ou um mês. Antes, havia sessões de quarta a domingo. Hoje, é de sexta a domingo ou apenas o final de semana. Além disso, percebo que a plateia está envelhecendo e não está se renovando.

Como a nossa sociedade, unida – governo, entidades, cidadãos -, pode pensar em ampliar mais a cultura e as artes na cidade e no estado, aumentando o seu papel imprescindível de transformação e educação? 

A proteção à cultura pode vir de várias frentes e a própria sociedade civil pode criar um cinturão de proteção. Por exemplo, o caso do Cine Belas Artes, que só resistiu porque houve uma movimentação civil, pressionando para que surgissem interessados em manter o espaço.

Outra forma de proteção são as leis, como as leis de incentivo que trazem um capital privado para as entidades culturais em troca de incentivos fiscais. Mas, idealmente, deveria existir aqui o que se vê com mais frequência nos Estados Unidos e na Europa: patrocínio não vinculado a um retorno de renúncia fiscal, mas feito por amor à arte. Por interesse de contribuir, não pelo favor em retorno. Um mecenato, efetivamente.

Precisamos que essas pessoas que se dispõem de capacidade econômica sejam mais generosas na proteção à arte. O poder público, além da demanda importante da arte, precisa lidar também com saúde, educação, habitação. Então essas pessoas, com o capital privado, precisam ser estimuladas a contribuir, a se importar com a cultura. Só o poder público não dá conta de tudo.

Falta mais vontade do poder público e falta mais interesse por parte dos empresários. Falta essa aproximação com os produtores culturais e os artistas, para pensarem juntos projetos culturais de interesse público. E faltam leis que conversem com os dois lados e mostrem caminhos. O empresário da construção civil pode construir algo, mas também ser convencido a criar um ambiente cultural junto de sua nova obra, pode ser incentivado a apoiar um projeto artístico novo para a cidade.

Qual livro, filme, peça ou outro trabalho artístico você recomendaria para uma pessoa que quer conhecer mais sobre o Brasil atual, entender mais onde vivemos?

Uma das questões mais importantes do Brasil atualmente é a questão da escravidão e do racismo. Assim, uma forma de conhecer o Brasil de hoje é ler tudo da produção contemporânea sobre história da escravidão e racismo. É um primeiro passo.

Sobre teatro, acho que a obra de dois autores sintetizam muito nosso país: Nelson Rodrigues e Oduvaldo Vianna Filho. Quem tiver acesso a esses textos, não pode perder a oportunidade. Além disso, é preciso vasculhar o legado de Zé Celso. Sinto muito por quem não teve a oportunidade de ver ao vivo uma encenação feita por ele. Ao longo de mais de 50 anos, ele melhor sintetizou nossa sociedade.

E, claro, nunca se deve esquecer o culto aos grandes nomes da MPB, eles serão sempre insubstituíveis, trazem um panorama monumental do Brasil.

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