Morreu ontem (9) no Rio de Janeiro o diretor brasileiro Aderbal Freire-Filho, aos 82 anos. Ele estava internado e sofria com complicações de saúde desde que sofrera um AVC hemorrágico, em 2020. Ele deixa a mulher, Marieta Severo, e o filho, Camilo Freire.
Um dos maiores nomes do teatro brasileiro, era conhecido por suas montagens ousadas e por defender a integração do teatro brasileiro com o de outros países da América do Sul.
Nascido em Fortaleza e formado em Direito, ele se envolveu com teatro, foi ator e estreou na direção com “O Cordão Umbilical”, de Mario Prata, em 1972. Depois, fez o sucesso “Apareceu a Margarida”, de Roberto Athayde, estrelada por Marília Pêra.
Entre as peças que escreveu, estão “Lampião, Rei Diabo do Brasil” (1991), “No Verão de 1996” (1996), “Xambudo” (1998), “Isabel” (2000) e “Depois do Filme” (2011). Ele também criou o Centro de Demolição e Construção do Espetáculo (1989-2003) e foi membro do Conselho Diretor do Festival Ibero-americano de Teatro, de Cádiz, Espanha.
Aderbal e a Escola
Aderbal Freire-Filho sempre esteve presente na vida da SP Escola de Teatro, mantendo amizade e relações profissionais com diversas pessoas ligada à Escola. Por seis anos, também, ele foi conselheiro da ADAAP (Associação dos Artistas Amigos da Praça), associação que criou e gere o projeto SP Escola de Teatro. Nos anos em que foi conselheiro, Contardo Calligaris presidia o conselho.
Em 2017, quando a Escola estava instalada provisoriamente em um prédio na rua Marquês de Itu, enquanto a sede Brás passava por uma reforma em seu prédio tombado e centenário, Freire-Filho deu a aula inaugural aos novos estudantes daquele semestre, em 28 de janeiro.
Após breve introdução do coordenador pedagógico da Escola na época, Joaquim Gama, Freire-Filho se apresentou aos estudantes e avisou que trataria da utopia e da distopia, duas ideias interligadas, sendo que a última é tema dos experimentos cênicos do semestre.
A utopia apareceu em dois vídeos exibidos por ele, com trechos de seu programa Arte do Artista, da TV Brasil. Para Freire-Filho, a arte tinha um vetor utópico muito forte. Neste contexto, o teatro é naturalmente utópico, dizia. “A arte é um dos lugares mais férteis de resistência da utopia porque é por meio dela que criamos outras realidades”, disse o diretor, empolgando os ouvintes.
Em 2012, ele também participou do Diálogos SP, conversando com Francisco Medeiros, na época coordenador da linha de Atuação. Assista:
Despedidas
Leia algumas palavras dos amigos da SP Escola de Teatro sobre Aderbal Freire-Filho:
“Aderbal Freire-Filho, além de ser um diretor de teatro genial, que teve influência forte na minha carreira, principalmente no teatro narrativo, na reflexão sobre a narratividade em cena e na relação entre literatura e teatro, foi um parceiro incrível como conselheiro da ADAAP. E sempre com ideias muito legais. Era uma pessoa com alma de teatro. Se tem alguém que tinha a alma do teatro, era ele. Ele vai fazer muita falta e sempre será uma lembrança eterna”. – Rodolfo García Vázquez, coordenador da linha de Direção
“Em 2014, no meu primeiro ano na SP Escola de Teatro, tive a felicidade de trabalhar ao lado do Aderbal na organização do I Congresso Brasileiro de Dramaturgia. Sempre muito gentil e cativante, tinha um magnetismo surpreendente, não consigo imaginar alguém dizendo um não a qualquer coisa que Aderbal pedia. Conseguimos organizar dezenas de seminários em São Paulo e no Rio com os maiores dramaturgos, roteiristas e estudiosos do país.
Como encenador, manteve-se sempre inventivo, dirigindo peças com extremo rigor formal. ‘Incêndios’, de 2013, é um dos meus espetáculos favoritos dessa última década”. – Marcio Aquiles, crítico teatral, lidera o setor de projetos internacionais
“O Brasil perde um de seus maiores diretores teatrais, Aderbal Freire-Filho, no mesmo ano em que perdemos o gênio Zé Celso. Um duplo golpe aos palcos. Tive a sorte de poder entrevistá-lo em 2012, quando Aderbal lançou o programa Arte do Artista na TV Brasil – EBC. Na época, sua atração substituiu outro grande nome que havia nos deixado, Sergio Britto, que apresentou na mesma emissora pública federal o Arte com Sergio Britto. Em seu talk show, Aderbal buscou abrir espaço para nomes que geralmente não ocupam a TV. O programa ficou no ar com episódios inéditos por cinco anos, até que os ventos fascistas sufocaram o País. Passaram pelo inteligente talk show de Aderbal nomes cruciais do teatro, como Eugenio Barba e Nicette Bruno, além de ícones da dança como Deborah Colker e Ana Botafogo, músicos como Lenine e artistas visuais como Eduardo Kobra. Além de seus grandes feitos no teatro, Aderbal Freire-Filho contribuiu na TV com a criação de uma memória inestimável para o campo artístico.” – Miguel Arcanjo Prado, coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais
“Postei no meu Facebook ontem que grandes mestres com quem muito trabalhei já se foram. Adhemar Guerra, Antonio Abujamra, Vadimir Capela, Antunes Filho… Que fiquei agora mais órfão ainda com a partida desse meu amigo Aderbal. Ele foi um entusiasta do meu livro ‘Teatros do Brasil’, onde super colaborou. Trabalhamos juntos na Fundacen, no projeto Resgate de Técnicas Cênicas, em espetáculos como ‘O Martelo’, ‘Kean’, ‘A peça do bebê’ de E. Albee. A última vez que estive com ele foi para a gravação do seu importante programa A Arte do Artista, que guardo com muito carinho. Isso sem contar com nossos inúmeros encontros quando ele era conselheiro da ADAAP. A situação dele era muito complexa após um AVC destruidor. Mas sempre existia uma esperança! Ela não veio e Aderbal se foi. Fiquemos aqui para honrar o seu legado mais que generoso!” – J. C. Serroni, coordenador das linhas de Técnicas de Palco e Cenografia & Figurino