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SP Entrevista | Aprendiz egresso Mateus Monteiro estreia como diretor

Publicado em: 21/06/2016 |

Quem acompanha a cena teatral paulistana, certamente deve ter trombado com o ator Mateus Monteiro por aí. Se não o viram no palco, podem ter visto algum trabalho cuja assistência de direção foi assinada por ele.
 
Só neste ano, Monteiro esteve em cartaz com três espetáculos — e tudo ao mesmo tempo. Aprendiz egresso do Curso Regular de Dramaturgia da SP Escola de Teatro, ele é um multifunções das artes do palco: representa, escreve e, agora, dirige.
 
Na semana passada, o artista estreou “Mente Mentira”, de Sam Shepard, em sua primeira incursão como diretor. Em uma visita à Escola, Mateus bateu um papo com o portal. Leia os melhores momentos da entrevista.
 
Cena de “Mente Mentira”
 
SP Escola de Teatro – Como surgiu a ideia de montar ‘Mente Mentira’?
 
Mateus Monteiro – Foi um convite do ator Gustavo Vierling. Eu não o conhecia. Ele entrou em contato comigo por uma amiga em comum, que me indicou. Estava procurando alguém para dirigir essa peça, e sabia que eu fazia assistência de direção.
 
Gustavo é um cara muito corajoso. Tirou dinheiro do próprio bolso para montar “Mente Mentira”, correu atrás de tudo. Quando me convidou, me deu mostrou o texto. Depois que eu li, fiquei alucinado. Quis logo entrar nessa loucura.
 
SP – E por que o texto chamou sua atenção?
 
MM – O texto é muito intrigante. O Sam Shepard tem uma capacidade de escrever sobre as relações, principalmente as relações familiares e interpessoais, de uma forma muito contundente. Algumas pessoas até o comparam como o Nelson Rodrigues neste sentido. Ele traz uma vertente mais expressionista na criação dos personagens. Você lê aquele texto e pensa “Não estou acreditando que isso está acontecendo aqui!”.
 
A escrita é muito clara. Trata do homem contemporâneo, que não consegue se comunicar. AS pessoas falam ao mesmo tempo, mas não conversam. Uma fala uma coisa, a outra responde outra. Foi nisto que o texto me pegou: essa gente esquisita, com personalidades retorcidas. Quando você lê o texto e vê a peça, você diz “Nossa, que gente estranha! Mas eu me ideintifico com estas pessoas.. minha família tem um pouco disso”.
 
 
 
“Quando o texto é bom, é mais fácil dirigir. Porque a peça vem de algo mais firme, mais consistente”
 
 
 
SP – Estas características do autor deixam a peça mais fácil de se dirigir? Ou fica tudo mais difícil?
 
MM – Foi bem difícil dirigir, não fica mais fácil, não. Estas características me levaram a fazer escolhas. Foi isso  que eu aprendi na minha primeira direção: dirigir é fazer escolhas. Fomos por um caminho que traz a crueldade dos pesonagens. Procuramos colocar nas figuras — até fisicamente, no jeito que elas se comportam em cena — a crueldade que está no texto. Então o texto foi guiando, pelo menos no meu imaginário, para esta encenação. 
 
Quando o texto é bom, é mais fácil dirigir. Porque vem de algo mais firme, mais consistente. Difícil é fazer milagre, pegar texto ruim. Fizemos uma leitura de “Mente Mentira” na sala Paschoal Carlos Magno, no Teatro Sérgio Cardoso, e só na leitura o texto já pegava o público. Com a encenação está sendo ainda mais legal.
 
Cena de “Mente Mentira”
 
SP – E como você avalia a sua primeira direção?
 
MM – Estou feliz com o resultado. Bastante feliz. É o que eu posso oferecer com o que eu tenho de experiência de vida, de experiência profissional. Fiz o máximo que eu podia com atores muito capacitados que eu tinha em mãos, uma turma muito boa pra trabalhar. É uma bela ousadia fazer isso sem quase nenhum dinheiro. Estou gostando de vivenciar isso.
 
SP – Você se inspirou nos profissionais que dirigiram você em outros trabalhos?
 
MM – Me inspirei em quem me dirigiu e em profissionais para quem eu fiz assistência de direção. Acabei de trabalhar com o [Marco Antônio] Pâmio, em “Playground”. Ele é um diretor em quem eu me inspiro muito. Sandra Corveloni, com quem trabalhei em “L’illustre Molière”, Zé Henrique de Paula… são diretores de quem eu fui bebendo. 
 
Bruno Guida também tem uma influência. Ele tem uma pesquisa de bufão, as peças dele vão por essa vertente. Nossa peça não vai para o bufão, mas flertamos com a linguagem pra trazer a crueldade dos personagens.
 
SP – Você tem formação em dramaturgia, mas é ator e, agora, diretor também. Alguma dessas funções o agrada mais?
 
MM – Indepentende da função, o que me agrada é o projeto. É como aquela ideia faz meu olho brilhar. Eu tenho feito muita coisa como ator. Este ano, estreei três peças como ator [“Playground”, “Memórias Não Inventadas” e “Amarelo Distante”], e todas vão por uma vertente diferente, o que é muito legal. Mas é o brilho no olho que me mantém vivo, mantém a chama acesa.
 
Mateus em cena de “Playground”
 
SP – Você esteve em cartaz com três peças ao mesmo tempo. Como conseguiu se organizar antes de elas entrarem em cartaz?
 
MM – Fevereiro foi um mês difícil pra mim. Pela manhã, eu ensaiava o “Memórias”. À tarde, “Playground”. À noite, o “Amarelo Distante”. Eu não tinha muito tempo para estudar os textos em casa, para me dedicar. Então eu tinha que estar 100% presente nos ensaios. Nos fins de semana, eu pesquisava referências.
 
O “Amarelo” e o “Memórias” estrearam praticamente na mesma semana, o que me deu um respiro porque, passada a estreia, não precisamos mais ensaiar todo dia. 
 
Mas os projetos nasceram muito antes do período de ensaio. Para o “Memórias”, fizemos [Mateus e as atrizes Fernanda Viacava e Lara Hassum, aprendiz egressa da SP Escola de Teatro] uma pesquisa dramatúrgica sobre o Tennessee Williams. “Amarelo Distante” também teve um trabalho de texto com o diretor Kiko Rieser. Nada é imediato. “Playground” é um projeto meu de janeiro de 2013. Traduzi, coloquei no ProAC. É cansativo, mas recompensador.
 
SP – E como você disse antes, as peças são bem diferentes entre si.
 
MM – O “Memórias” tinha uma vertente bastante expressionista. Eu fazia a dona de um bordel, e a peça era contada sob a óptica de uma prostituta que estava morrendo. Ela vê tudo de forma distorcida: a dona do bordel no corpo de um homem, com voz de homem, mas com vestido e maquiagem. 
 
“Playground” é realismo, mas com uma dramaturgia bem fragmentada, mais contemporânea. O desafio ali era fazer o mesmo personagem dos oito aos 38 anos de idade. E “Amarelo Distante” é um monólogo com uma encenação mais simbólica. São poucos movimentos, o gesto conecta com a palavra e a força do texto está acima de qualquer outra coisa.
 
O ator no monólogo “Amarelo Distante”
 
SP – Quais são seus próximos planos?
 
MM – Gostaria de fazer com que esses três produtos que estreei este ano rendessem mais. Quero voltar com “Playground”, um projeto pelo qual tenho muito carinho, pelo qual batalho desde 2013. O “Amarelo” tem viagens marcadas. Ainda faço uma substituição, em julho, na peça “Assim É se lhe Parece”, do Pâmio.
 
Se pintarem coisas novas… eu adoro estudar projetos novos. Até agora como diretor. Estou tomando gosto por essa coisa de dirigir. Mas eu gostaria de fazer os trabalhos renderem, senão a gente entra em algo muito descartável do teatro. Você faz, acaba e a peça não tem uma história, uma trajetória. Acho que estes três espetáculos e o “Mente Mentira” têm lenha para queimar, uma carreira para percorrer. Tenho medo de ir tocando outras coisas e engavetar esses projetos, que são lindos. Quero trabalhar para dar mais vida para eles.
 
 
 
“Gostaria de fazer os trabalhos renderem, senão a gente entra em algo muito descartável do teatro. Você faz, acaba e a peça ão tem uma história, uma trajetória”
 
 
 
SP – Qual foi a importância da formação na SP Escola de Teatro para você?
 
MM – A Escola foi muito importnte. Eu não tenho formação acadêmica em Cênicas, fiz faculdade de Direito. Sou advogado, com pós-graduação em Direito Tributário, trabalhei cinco anos em empresa, escritório. Quando entrei no teatro, não sabia direito o que era, fui metendo a cara.
 
Fiz um curso na escola do Wolf Maya que foi muito imporante porque me colocou em contato com pessoas muito interessantes. Foi lá que eu conheci o Zé Henrique de Paula, a Sandra Corveloni, o André Garolli.. gente com quem eu fui trabalhar depois. Só que o curso não tem uma formação teórica tão importante quanto a técnica. 
 
Aqui na SP Escola de Teatro eu vim estuda Dramaturgia. Aí é que eu fui entender melhor do que se tratava a dramaturgia, principalmente contemporânea. A minha visão sobre teatro ampliou inúmeras vezes quando estrei neste universo que é a SP. Por aqui circula muita gente e cada profissional traz um panorama diferente: vem alguém de teatro de grupo e você descobre que tem toda uma pesquisa na área. Vem a Companhia da Revista, alguém do Teatro da Vertigem. É uma bagagem muito importante.
 
SP – Você acredita que os estudos de Dramaturgia contribuíram para a sua carreira de ator e diretor?
 
MM – Não tenho dúvidas. Para você ser um bom diretor ou ator, você tem que estudar. De qualquer forma, você tem que ter contato com tudo. Você precisa de referência. Um bom profissional tem referências, tem de saber o que está acontecendo no mundo, tem de ler o que está sendo produzido, ter contato com coisas novas. Não tenho dúvidas de que a formação é importante para o artista, independente da função.
 
O que eu tenho visto de iluminadores que são pesquisadores, que estão fazendo mestrado. As pessoas têm olhado para os profissionais das áreas mais técnicas de forma muito mais respeitosa, vendo o pessoal que faz luz como artistas de verdade. E isso está mudando já faz algum tmepo. Sonoplastas, cenógrafos, artistas plásticos.. independente da função, é preciso buscar essa bagagem, se aprimorar sempre.
 
No elenco de “Memórias Não Inventadas”
 
SP – Como você, que está ativamente em cartaz, vê o mercado de teatro em São Paulo atualmente?
 
MM – Eu acho que a gente é muito efervecente, tem muita coisa acontecendo. Toda semana tem estreia, todo mundo produz muito. Isso é claro como água. Mas duas coisas me preocuram. Primeiro é a forma de produção a qualquer custo. É importante você valorizar a profissão, não só com prestígio, que também é importante,mas financeiramente. Os artistas devem ser pagos como merecem, como profissionais que eles são. Isso me incomoda muito, porque nessa ânsia de fazer, a gente vai fazendo. Falo isso por mim — eu tenho esse bichinho do teatro que não me deixa ficar parado, e eu topo fazer as coisas, mesmo com pouca verba, porque eu gosto. Conversando com artistas amigos meus, todos estão reclamando de que se ganha muito pouco como artista. Aí todos dão seus pulos pra pagar contas, dão aulas, participam de eventos, fazem teatro em empresa. 
 
A outra coisa que me incomoda — e aí é uma luta que não sei como resolver — é como levar o público ao teatro. Vejo muitas produçoes, muita coisa rolando, mas vejo muitas casas vazias também. Cansei de ir ao teatro e ver oito pessoas na plateia. É triste porque a gente sabe o empenho que faz pra apresentar o espetáculo, como nos dedicamos, nos entregamos, nos rasgamos para fazer uma peça qualquer que seja. E a gente quer contar história, contar para o mundo. Então entristece quando a gente abre a porta do teatro para oito pessoas entrarem.
 
 
 
 
“É importante valorizar a profissão, não só com prestígio, mas também financeiramente. Os artistas devem ser pagos como merecem, como profissionais que eles são”
 
 
 
SP – Você sabe dizer o que causa o desinteresse do público?
 
MM – Não sei. São tantas possibilidades. Tem o mito de que o teatro é caro, que a gente tenta derrubar, mas sempre vem à tona. Muitas vezes o teatro é mais barato do que o cinema, do que a cerveja do fim de semana, e a pessoa poderai ter ido. São muitos mitos. Há o mito de que teatro é chato, é elitista. São coisas que afastam o público. Tem também a história do convite. As pessoas querem ser convidadas e, se não conseguem, não vão. E aí volta o argumento de que o teatro é caro.


Serviço
“Mente Mentira”
Espaço Parlapatões. Praça Roosevelt, 158, metrô República, 3258-4449.
4ª e 5ª, 21h. Até 21/7.
R$ 40. 

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