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Sergio Zlotnic comenta a peça “A Recaída”, de Filipe Doutel e Victória Camargo

por Sergio Zlotnic

NÃO TEM CABIMENTO

O rosto e o gesto de Victória Camargo seduzem instantaneamente, assim que ela pisa no palco, numa peça que transcorre em 50 minutos cheios de densidade.

Teatro é contação de história. O bom teatro é uma história bem contada.

Costurando dois eixos: os estertores da ditadura [nos anos 1980] e a pandemia [2020, 2021], Filipe Doutel – que assina a dramaturgia, junto com Victória Camargo – conecta esses dois momentos históricos, dando voz à narrativa íntima da protagonista, uma atriz, no camarim, instantes antes do início de um espetáculo. Num solilóquio, quarenta anos depois do primeiro trauma, ela relembra momentos de seu drama privado.

Além dos gestos precisos da atriz, o texto tem momentos ótimos: “aqueles que partem cedo não tiveram tempo de nos decepcionar” [solto de livre memória, a frase certamente é melhor no original].

O espectador se pergunta: será real esta história? O flyer responde que não [mas a interrogação é que vale!].

Doutel flexiona ainda os dois acontecimentos a um fato mais recente, que levanta memórias menos obvias, “varridas pra debaixo do tapete”, mobilizando aquilo que sabíamos [em algum lugar da alma], mas não podíamos [ou não tínhamos coragem de] confessar.

É o acaso encontrando novas ressonâncias para acontecimentos que ainda pedem derivações.

O espetáculo ganha assim mais camadas que se sobrepõem.

O espaço do teatro Atelier Cênico é simpático, aconchegante, pequeno, ideal para a peça, que é pausa de elaboração: é o sujeito buscando fazer caber numa equação as dores todas de uma vida. Elas cabem?

Cenografia, objetos de cena, luz: nada sobra, nada falta.

Os objetos de cena, em especial: são metonímias, marcas de momentos habitados da história pessoal da personagem. Sem querer dar spoiler, ao final, eles [os objetos de cena] cabem todos numa espécie de carroça de memórias. São as memórias que carregamos.

O espetáculo vai começar. E então ele acaba.

Será a peça como um sonho que limpa o campo e prepara para a vigília? Será o sonho um ensaio para outra coisa?

Será o sonho – como o mangue –, um metabolismo simbólico [sabedoria do corpo] que digere nossas tragédias para que caibam em algum lugar?

Senão, elas não teriam cabimento.

*

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia – Filipe Doutel e Victória Camargo
Direção – Marcelo Braga
Elenco – Victória Camargo

SERVIÇO
Temporada: 1º a 23 de novembro de 2025, aos sábados, às 20h, e domingos, às 19h
Atelier Cênico – Rua Fortunato, 241, Vila Buarque, São Paulo
Ingressos: R$ 80 (inteira) | R$ 40 (meia-entrada)
Venda online via Sympla
Capacidade: 50 lugares
Classificação: 12 anos
Duração: 50 minutos
Acessibilidade para cadeirantes

Ingressos: Sympla