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Sérgio Viotti por Nilu Lebert

Publicado em: 14/03/2013 |

Um dos maiores nomes das artes nacionais faz aniversário hoje, dia 14 de março. Trata-se de Sérgio Viotti (1927-2009), que, se vivo estivesse, completaria 86 anos, repletos de grandes realizações profissionais, como os anos em que viveu em Londres, trabalhando na BBC como crítico literário, tradutor, produtor, diretor e ator de rádio-teatro ou seu empenho na criação das rádios Cultura e Eldorado, em São Paulo.

Assim, reproduzimos, a seguir, a introdução do livro “Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes”, que Nilu Lebert escreveu para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (para ler o livro, na íntegra, clique aqui). O livro foi publicado em 2004, portanto, cinco anos antes da morte desse grande ator:

Sérgio Viotti por Nilu Lebert
Impossível falar sobre a produção cultural brasileira das últimas décadas sem incluir o nome de Sérgio Viotti. Responsável pela criação da Rádio Cultura e da Rádio Eldorado FM, em São Paulo, seus trabalhos como diretor, adaptador, tradutor e ator em dezenas de peças teatrais e em novelas e minisséries de televisão representam um marco no cenário artístico nacional.

Romancista e escritor premiado, Sérgio nasceu, viveu e continua vivendo cercado pelas Artes. O Belo é seu alimento, o pão de cada dia que ele faz questão de repartir, generoso que é. Nos conhecemos pessoalmente há mais de uma década, num jantar oferecido por Maria Adelaide Amaral. Bem antes disso, eu já havia me rendido – como admiradora anônima – aos seus múltiplos talentos. A admiração alicerçou uma amizade, depurada ao longo do tempo. Raro presente.

Para que este livro se transformasse em realidade, passamos diversas tardes juntos em seu apartamento, na Rua D. Veridiana, em São Paulo, um cenário rico em obras de arte colhidas pelo bom gosto. Foram quase 20 horas de gravação, horas de puro prazer permeadas por lembranças de família, amigos, desafios profissionais, aprendizados e relatos de viagens.

Sem nunca perder o senso de humor, Sérgio riu e também se emocionou às lágrimas ao rememorar as emoções vividas no palco e fora dele. Falamos de Vida, matéria-prima do ator e do homem sensível que Sérgio é. No meio daquelas tardes, um momento britânico na hora do chá, hábito adquirido na Inglaterra, durante os nove anos em que ele trabalhou na Rádio BBC, em Londres. Chá, geleias, porcelana e prataria inglesas valorizando as torradas e o indispensável queijo mineiro, talvez uma homenagem às férias na casa de vovô Manoel Viotti, em Caxambu. À mesa, toalha e guardanapos de linho impecavelmente cuidados por D. Chiquinha que, de tantos anos trabalhando na casa de Sérgio, hoje faz parte da família.

Guloso confesso, Sérgio se extasia como uma criança na hora do recreio. Sou testemunha do brilho que seus olhos adquirem diante de uma pizza de aliche, de um bolo de chocolate ou das almôndegas preparadas por Chiquinha. Mas a gulodice não para por aí e inclui seu saudável prazer em degustar a vida, saboreando cada momento como combustível infalível para voos cada vez mais altos.

Ler os livros de Sérgio, sempre tão bem construídos, é um jeito prazeroso de conhecer melhor o arquiteto de palavras e de ideias que ele é. Ver Sérgio atuar é constatar seus poderes mágicos, que transformam ilusões em verdades concretas. Ágil na manipulação, ele retira de um baralho imaginário cartas-personagens deixando a plateia extasiada, como crianças que assistem ao ilusionista tirar pombas e coelhos da cartola. Do traficante insensível (“O Contato”, de 1961) aos personagens shakespearianos de “As Idades do Homem” (1995), Sérgio interpretou padres, mafiosos, aristocratas e homens do povo com o mesmo vigor e a mesma verdade. Creio que esse “milagre” acontece graças a um componente especial contido no DNA dos grandes artistas e que o público aplaude e identifica como talento. Viotti se considera “um afilhado dos deuses” e, acredito, a maior prova disso é que ele sabe manipular suas próprias ferramentas com habilidade e sabedoria. Quando lhe perguntei, anos atrás, qual o segredo de sua energia e vitalidade, a resposta veio, imediata: “A cada dia procuro aprender alguma coisa nova”.

Para um humanista como Sérgio, aprender se completa com ensinar. Por sugestão dele, incluímos, ao final deste livro, as perguntas (e respostas) mais freqüentes, feitas por seus alunos dos cursos de Teatro que ministra. Sem sombra de dúvida, uma colaboração extra e generosa para todos aqueles que se interessam pela arte de representar e pelo mundo mágico dos palcos.