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Sérgio Britto por José Roberto Jardim

Publicado em: 27/03/2012 |

Falar da minha convivência com o Sérgio Britto é reavivar alguns dos porquês de eu ter entrado para essa profissão e, também, reafirmar alguns dos motivos pelos quais ainda continuo nela.

 

Penso, inclusive, no termo que usei acima, “profissão”, pois aqui ele assume o valor de ofício, sacerdócio, devoção incondicional a esse local que exige tanto estudo, empenho e amor, que é o palco, e isso Sérgio Britto fazia questão de transmitir, involuntariamente até, com as suas atitudes e gestos. Eram ensinamentos constantes.

 

Com sua morte, um modo de pensar teatro, uma forma de se relacionar com esse ofício se foram, porque ele não era apenas um ator, um diretor ou um espectador compulsivo; ele era um daqueles que definiam a ideia do que é ser um “homem de teatro”, e isso está além da forma ou estética com a qual se realiza um espetáculo. Está ligado, sim, à maneira irrestrita de se relacionar com toda a liturgia que envolve o fazer teatral, que não é para todos e nem para diletantes, pois, como ele mesmo me disse um dia: “Não há mais volta depois que essa decisão é tomada”.

 

Com ele, a palavra “comprometimento” assumia outra qualidade e era impossível não admirá-lo por esse seu amor, quase pueril, ao lidar com o cotidiano dos ensaios e das apresentações. Drummond afirmou que “amar se aprende amando”. Talvez, ele, por meio de suas escolhas constantes, completasse a afirmação de Drummond dizendo: “… e teatro se aprende ‘teatrando’, oras!”. (risos)

 

O Sérgio se impunha desafios constantes, fora e dentro do palco, e isso é uma condição sine qua non para todos aqueles que pretendem construir uma sólida carreira e que podem agregar o epíteto de “grande” à sua trajetória. Ao invés de um espetáculo obviamente adequado à sua tessitura artística ou que pudesse lhe trazer apenas um status imediato, ele tendia sempre a optar por algo que ainda não tivesse sido experimentado, se impondo zonas de risco, abismos artísticos, que o faziam ter prazer em sair de casa e tentar, de alguma forma, redefinir a incógnita que é vivenciar a vida por meio da ótica do teatro. 

 

Por isso, a cada novo trabalho, ele tentava encontrar a intersecção do chamado “teatro mais clássico” com o que chamam de “algo mais alternativo”, convidando para dividir a coxia com ele desde atores jovens, diretores recém-formados a dramaturgos estreantes, fato esse que aconteceu inúmeras vezes, além da vez que eu mesmo pude presenciar.

 

Muito mais que assisti-lo, tive a oportunidade de acompanhá-lo, dividindo a cena ao seu lado, no que acabou sendo o seu último espetáculo. E isso foi, e ainda é, algo que dificilmente conseguirei transmitir nessas poucas linhas, ainda mais usando palavras ou tentando organizar tudo que vi, ouvi e senti da nossa rápida convivência, pois ainda continuo digerindo tudo aquilo a que fui exposto, apesar de poder dizer que, sim, fui contaminado.

 

No taoísmo dizem que “há coisas que não podem ser ensinadas, apenas aprendidas”. Então, talvez, a única coisa que eu possa afirmar, verdadeiramente, desse meu período com Sérgio Britto, é que o “homem de teatro” que pretendo ser, será uma somatória de todas as experiências e vivências que tive ao longo de minha vida. E que ele, Sérgio Britto, certamente será sentido e eternizado em todas as minhas ações.

 

Assim, vida longa ao modo como ele pensava teatro; vida longa ao modo como ele desejava teatro; vida longa ao modo como ele se comprometia com o teatro; e vida longa aos que irão ser novos Sérgios Brittos do teatro em seus tempos! E que venham!

 

Amém.

 

 

Veja os verbetes de José Roberto Jardim e Sérgio Britto na Teatropédia.

 

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