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Rosana Stavis por Marcos Damasceno

Publicado em: 30/03/2012 |

Costumo dizer que Rosana Stavis, mais que uma atriz, é uma entidade. Ou muitas. Exagero? Exagero é o talento dessa atriz. Sou apenas o eco das vozes que, junto comigo, a admiram. Como atriz, como mulher, como parceira, como força da natureza. Vê-la em cena dá a sensação de que, naquele corpo, existe mais de uma pessoa.

 

Também costumo brincar, dizendo que quando os extraterrestres chegarem à Terra e forem coletar alguns exemplares da raça humana, certamente escolherão atores. Atores como Rosana Stavis. Nela (como nos grandes atores, de modo geral), parece viver, de alguma forma, tudo o que já fomos, desde o início. Sua capacidade de transitar entre mundos materiais e imateriais, suspender nossa respiração apenas com um olhar, de surpreender a cada papel, atuando em tantas diferentes vertentes e segmentos, mantendo igual competência, emociona. 

 

Rosana Stavis é dessas raríssimas atrizes que surgem de tempos em tempos, e nas quais parece pulsar, de alguma forma, toda a história da humanidade. Tudo o que já fomos vive quando Rosana Stavis está em cena. Todos nossos antepassados, ali, naquele corpo. Toda a nossa história. Ali, no corpo daquela atriz. E nãonãonãonão! Rosana Stavis nada tem a ver com aquela mulherzinha misantropa de “Árvores Abatidas” ou “Para Luis Melo”. Nem com a frágil Ifigênia, de “Antes do Fim”. 

 

Talvez, tenha um pouco da personagem insanamente lúcida de Sarah Kane em “Psicose 4h48”. Ou sim. Talvez, tenha um pouco de todas elas. Afinal, que grande ator não carrega, dentro de si, dentro das dobras de seu íntimo, as múltiplas facetas da complexidade e contraditoriedade humana? Sempre fico impressionado em vê-la transitar com igual competência e facilidade pelas mais diversas linguagens teatrais, além do domínio que possui trabalhando em diversos veículos – teatro, cinema, teledramaturgia e óperas. 

 

Outra grande qualidade é seu domínio vocal. Uma das poucas atrizes nossas que, verdadeiramente, dá conta do recado de cantar em cena, a exemplo de grandes ícones da cena teatral nacional. Rosana é uma em muitas. E muitas numa só. Sua generosidade não tem limites. Que o digam os atores que contracenam com ela e, imediatamente, se apaixonam. Como disse o diretor Edson Bueno. 

 

Ela interpreta a lógica e o paradoxo na mesma respiração. Por algum mistério divino e, ainda mais, por nunca ter-se negado à aventura da vida. Livre de medos e preconceitos, a Rosana permitiu que o sopro dessa aventura fluísse em sua história o tempo todo. Risos e lágrimas, vitórias e derrotas, paixão e ódio, delírio e consciência tiveram, sempre, o mesmo peso em sua história e foram, com certeza, vividos com a intensidade natural de quem não se nega. 

 

E se, há vinte anos, ela interpretava com a sinceridade de uma princesa, hoje, experiente e madura, interpreta como uma rainha, uma deusa, uma santa pecadora dos palcos. A música humaníssima que flui da sua garganta, cada vez que ela tem uma personagem para interpretar, é de uma plenitude verdadeira e artística, que vai muito além de uma afinação perfeita ou de uma intenção exata. É sempre uma resposta artística à deliciosa e triste experiência de estar vivo. 

 

Minha amiga querida, atriz inigualável, eu sempre, em cada momento, curvo-me aos seus pés de atriz, orgulhoso de ter estado com ela esses anos todos, apaixonado pela sua arte e, ainda mais apaixonado, por sua beleza humana, que se espalha, escancaradamente, além do palco. 

 

Ela é essa grande artista, cada vez mais generosa, em constante reinvenção de si mesma e, por consequência, em constante reinvenção de nossa humanidade. Reveladora, em seu talento único, de tudo o que somos, do que fomos e do que podemos ou poderíamos ser. Por intermédio de Rosana Stavis, meus cumprimentos e amor a todos que fazem o teatro brasileiro. 

 

 

Marcos Damasceno é diretor e dramaturgo.

 

Veja o verbete de Rosana Stavis na Teatropédia.

 

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