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Rasgando os Véus da Ilusão*

Publicado em: 10/12/2012 |

Por Ivan Feijó

O conceito de “vanguarda” está intimamente ligado com a possibilidade que a arte tem de exercer um papel transformador na realidade social. O artista tem, portanto, como ferramenta de revolução, sua própria expressão, e acredita que mudanças de paradigmas no olhar e na maneira de ler o mundo podem transformá-lo, por meio de alterações intrínsecas à natureza humana. Ou seja, apenas um novo homem pode construir um novo mundo, e não há revolução externa sem revolução interna.

Este sentido de vanguarda só está apto a acontecer quando é expressão coletiva, uma iniciativa articulada de vários artistas, com as mesmas crenças de interação social, as mesmas ferramentas estruturais e, apesar da pluralidade estética, uma mesma unidade ideológica, que desemboca numa concepção compartilhada de vida.

Foram assim as vanguardas artísticas da primeira metade do século 20, sucessão de propostas narrativas/visuais, explosão de criatividade, arautos críticos dos equivocados caminhos do capitalismo, tão bem analisados pela escola de Frankfurt e seus seguidores.

Após a Segunda Guerra Mundial, assistimos ao fim das vanguardas, ao esfacelamento das utopias e ao fracasso dos últimos movimentos emancipadores dos anos 60. E o mundo ficou mais “careta”, individualista e fragmentado. E a pós-modernidade não ofereceu novos valores, os coletivos perderam sua importancia e capacidade de articulação e o teatro foi perdendo sua importância, arrastado pela mesmice epidêmica.

Até que no dia 8 de dezembro de 2012, sábado, envolto por um calor desértico bíblico, fui surpreendido por um verdadeiro acontecimento inovador, que não só ultrapassou minhas expectativas, como marcou minha retina permanentemente.

Vi articulações narrativas, que dialogavam umas com as outras, num frenesi de referências culturais contemporâneas, que iam de Godard (“Pierrot Le Fou”) até Jean-Pierre Jeunet (“Delicatessen”), “Les Triplettes de Belleville” (Sylvain Chomet), à pop-art, à multimídia futurista reconfigurada, “Navigator” (Vicent Ward), “The Muppets Show”, uma vasta onda criativa perturbadora, mas alinhavada, costurada, focada, dirigida, logísticamente envolvida pela técnica, pela orientação racionalizada de mãos sensíveis, no objetivo comum do aprendizado orgânico e, sobretudo, humano.

O lírico e o lúdico de braços dados com a pedagogia. Narrativas unidas por um tema social de grande relevância, que aconteceu na cidade de São Paulo em 2006, e que continua acontecendo. A arte resgatada para sua contundência social, irmanada com sua capacidade revolucionária.

Um teatro que rasga os véus da ilusão, revelando o social para além do capítal.  Um espaço novamente de ação, finalmente conduzido com todos os seus instrumentos, com seu poder expressivo, sem secundarizar nenhuma de suas partes. Um tempo novo, de perspectivas avançadas, de processo formativo eficaz. Foi isto que vi, no sábado, dia 8 de dezembro de 2012: uma vanguarda. Corajosa, livre, artística, teatral, humana e substancialmente coletiva.