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Papo de Teatro com Rubens Ewald Filho

Publicado em: 18/10/2010 |

Rubens Ewald Filho é diretor, crítico e jornalista.


  

Como surgiu o seu amor pelo teatro?

As pessoas se espantam um pouco quando eu digo que prefiro ir para Nova York e ver peças da Broadway ou off Broadway, do que ir para Hollywood. Acontece que os filmes estão dentro da nossa cabeça, da nossa fantasia. Hollywood é fake, de mentira. A magia do teatro, porém, está viva em qualquer palco, por menor que seja, e sempre me captura. Por vezes, confesso, sou mais severo com o teatro do que com o cinema. Talvez seja por ter maior respeito a ele. De qualquer forma, nunca sonhei em ser ator, mas minha formação fundamental foi com o grupo do Tefi, em Santos, na Faculdade de Filosofia da Católica. Eu cursava Direito, Jornalismo, Historia e Geografia. Foi a Neyde Veneziano quem me influenciou a entrar para o grupo. Jandira Martini foi primeira diretora e do grupo faziam parte gente como Carlos Alberto Soffredini, Ney Latorraca, Eliana Rocha. Bete Mendes, Nuno Leal Maia e Jonas Mello eram meus contemporâneos da época em Santos. Ou seja, comecei com esse grupo, que, por sinal, me influenciou muito.

Lembra da primeira peça a que assistiu? Como foi?

Minha família, ou, melhor, meu pai era contra teatro, porque era esportista. Mas tem outra história nisso. Meu pai foi namorado da Cacilda Becker, que foi madrinha de formatura dele. É uma história meio secreta na família e ele nunca me explicou direito. De qualquer forma, por causa de Cacilda, teatro era tabu em casa. Ao cinema íamos muito, mas teatro eles não iam e não me deixavam ir. Resultado, eu ia escondido! Em Santos passava muita coisa. Eu vi Dercy Gonçalves, Nydia Licia, mas acho que aquilo que me marcou pela primeira vez foi  “Plantão 21”, encenada pelo Antunes Filho, com um elenco ótimo (era um texto que tinha sido filmado como “Chaga de Fogo”). Tinha até Tarcísio Meira e Maria Célia Camargo, que nunca esqueci e depois a coloquei na novela “Éramos Seis”. Nunca vi teatro infantil. Comecei logo com o Antunes (risos).

Qual foi a última montagem que você viu?

Procuro ver ao menos uma por semana. Os últimos foram os musicais  “Jekyll & Hyde – O Médico e o Monstro” e “Gypsy – O Musical”, uma obra prima do gênero, adoro a dupla Cláudio Botelho-Charles Möeller, são talentosos e grandes profissionais.

Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.

Foram muitos. Na Broadway, foi a primeira versão de “Company”, de Stephen Sondheim, em 1990. Depois, “O Balcão”, de Victor Garcia; “Hair” (fui tiete da primeira versão quando já era crítico no Jornal da Tarde), e, naturalmente, o  “Macunaíma”, do Antunes. Agora lembrando bem, “O Rei da Vela”, do Oficina, foi o máximo e se ligou também ao Glauber Rocha de “Terra em Transe”.

Um espetáculo que mudou a sua vida.

Acho que volto ao “Company”, porque me definiu um pouco as prioridades, assumir do que você gosta, uma certa marginalidade. Eu tinha trauma de virar pequeno burguês, de ser igual aos que eu desprezava. Aos poucos isso foi se cristalizando numa opção de ser autodidata, de às vezes é melhor ser só do que mal acompanhado.

Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?

Acho que teria que ser a Neyde Veneziano, que me ensinou muito (ela é livre docente da Unicamp e a pessoa que mais entende de teatro de revista no Brasil). E, de uma certa maneira, o Silvio de Abreu, com quem comecei a escrever; ele me ensinou muito sobre a arte e a vida.

Já saiu no meio de um espetáculo? Por quê?

Sim, mas de preferência no exterior. Não escrevo a respeito, paguei ingresso, se for horrível, vou embora sim. Mas aqui fico chateado se ofender algum ator que em geral não tem culpa. E não quero fazer isso. Acho o pessoal de teatro muito mais interessante, instigante e colega do que o pessoal de cinema. Quando esses se encontram, só falam sobre financiamentos e projetos que estão parados. Não veem filmes, com raras exceções, acham que fazer cinema já basta, ou seja, ficaram para trás. Com gente de teatro fala-se de tudo, troca-se informações, dividimos influências, um empresta um livro, outro pede emprestado um DVD, recomenda tal peça, enfim, acho que são mais artistas, coisa que eu sempre admirei.
 
Teatro ou cinema? Por quê?

Não pretendo dirigir cinema. Faço o que posso para ajudar a produção de filmes, dou palpites quando me pedem, ainda existe o meu trabalho em Paulínia, na criação de um pólo de cinema que já fez mais de 50 filmes: nunca interferi neles. Perdi a fantasia do cinema. Por outro lado, fico bem quando estou dirigindo, criando. Ser crítico tem um lado negativo, destrutivo, que tenho que segurar, porque estão sempre pedindo para ser mais cínico, mais engraçado… Quando estou dirigindo, estou feliz. Adoro os atores, o ambiente que se cria, comer o lanche depois… Quer me ver feliz é trabalhando numa peça… 
  

Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?

Como disse, não tenho a fantasia de ser ator, embora curiosamente tenha recebido vários convites ultimamente. Admiro muito quando um diretor consegue um espetáculo enxuto, redondo, valorizando o que o texto e o elenco têm de melhor. Engraçado, não penso muito em estar nele. Acho que assistir é uma coisa que me dá prazer, já é participar. O que seria do teatro se não fossem os espectadores? E ser um bom espectador é uma arte que deve ser desenvolvida.

Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? Por quê?

Sim, com frequência, quando gosto muito, às vezes, volto na semana seguinte levando amigos. Também lá fora, revejo sempre que gosto. Aliás, faço isso também com cinema. Acho que se aprende muito vendo um filme ou peça pela segunda vez, ainda mais teatro que é uma coisa viva (sempre vá no começo da temporada na Broadway, porque as substituições costumam matar a alma do show).

Qual dramaturgo brasileiro você mais gosta? E estrangeiro? Explique.

Estou cansado de ver e rever Nelson Rodrigues, já li tudo, já vi tudo, encenado ou filmado (até mais de uma vez). Sempre gostei muito da Leilah Assumpção e seu texto inteligente e fluente. Tenho um ponto fraco pelos americanos que me influenciaram quando bem jovem, Tennessee Williams, Arthur Miller, William Inge. Pena que ficaram prolixos e não deixam reduzir. Adorava as comédias de Neil Simon e mais ainda as de Feydeau, adoraria fazer uma delas. Aliás, concordo com todos que dizem que é muito difícil fazer humor e isso me desafia. Ainda mais atualmente, quando tudo virou chanchada, virou Zorra Total.

Qual companhia brasileira você mais admira?

Tive a sorte de ver, ainda adolescente, o Arena, o Oficina, alguma coisa do TBC, bastante Maria Della Costa, e, por ir ao Rio com frequência, também vi muito a Fernanda Montenegro, o Ítalo Rossi, a Eva Todor. Engraçado como fazem parte da nossa vida as peças, filmes e atores que observamos. Não sei dizer qual era a que mais me tocava. “Depois da Queda”, por exemplo, foi um marco. Ah!, e as peças do Ademar Guerra, gostava muito dele.

Existe um grupo ou companhia de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?

Procuro ver tudo de importante que acontece. Mas sem dúvida atualmente sou mais ligado ao Satyros.

Qual gênero teatral você mais aprecia?

Comédia inteligente e crítica, sátira, eu acho. Adoro musical, também, está no sangue e nem tento evitar. Depois, os clássicos; tenho um fraco por eles. Mas prefiro teatro de ator e autor a de diretor ou grupo.

Qual lugar da plateia você costuma sentar? Por quê? Qual o pior lugar que você já sentou em uma plateia?

Eu sempre me escondo um pouco, até porque achava que passava despercebido. Claro que é ilusão minha. Como sou grande, cada vez que me viro, a fileira toda se mexe (aliás observo muito a plateia, tanto em cinema quanto em teatro, adoro ver a reação das pessoas). Na Broadway, sentei muito na primeira fila. No musical “Fela”, deixaram cair um charuto de maconha em mim, aceso, em brasa, e vieram me pedir desculpas com medo de processo. O mais engraçado é que era maconha de verdade, como todo mundo em volta de mim percebeu.

 

Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou?

Gosto de arena e de palco italiano, mas tenho paixão por teatros com pé direito alto, como, aliás, o de Paulínia, que ajudamos a construir. Gosto de peça em close ou plano geral. E não quero atirar pedra em teatro alheio. A gente sabe quanto custa para todos consegui-los e mantê-los.

Já assistiu a alguma peça documentada em vídeo? O que acha do formato?

Sim, claro, muita coisa, principalmente estrangeira.  Aliás, vi até em vídeos piratas. Francamente, prefiro ver algo que perdi dessa forma, do que nunca ver, como, por exemplo, Angela Lansbury, em “Mame”, feita nos anos 70. Ao menos fico sabendo como foi feito e não preciso imaginar cobras e lagartos na minha cabeça.

Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?

Existem as duas coisas. Temos problemas com autores, assim como com roteiristas. A Globo tem 200 contratados e tem problemas com suas novelas.  Imagino então o teatro, faltam textos, autocrítica, mais experiência para os que começam. As leituras dramáticas que voltaram à moda ajudam, mas não podem fazer milagres. Ainda acho o problema da falta de autores menos grave do que o dos jovens diretores que se acham gênios. Esses a vida se encarrega de ensinar, de dar porrada (risos). 

Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?

Teatro Municipal (quando vão acabar a reforma afinal?), com grana para pagar todos e com cenografia e figurinos adequados.

Cite um cenário surpreendente.

Acho que foi “O Balcão” mesmo, que revolucionou tudo.

Cite uma iluminação surpreendente.

As de Daniela Thomas para os espetáculos do Gerald Thomas.        
                       
O que não é teatro?

Tenho dificuldade com espetáculos muito lentos, muito alemães (risos).  Daqueles que dão a impressão de que o tempo parou e você contempla a possibilidade de suicídio para escapar da sala. Sempre foi assim.

Que texto você foi ler depois de ter assistido a sua encenação?

“Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, de Edward Albee, tive a sorte de ver ainda a montagem original com Cacilda Becker, Walmor Chagas e Lilian Lemmertz.   

A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?

Não concordo, acho que em toda parte a ética, a responsabilidade social e a defesa dos direitos humanos são valores indispensáveis e não consigo conceber ou aceitar um projeto sem eles.

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?

O maior espetáculo vai ser sempre o ser humano, que continua misterioso, contraditório, complexo, diante das mudanças da tecnologia. E esse é um tema fascinante e inesgotável. Nada substitui o contato humano, a vontade de assistir a um espetáculo cercado de outros seres vivos, falantes, pensantes.

O teatro é uma ação política? Por quê?

Sim, sempre. Ao menos deveria ser. Nem sempre é assim evidentemente, mas para mim qualquer obra de arte ou diversão terá sempre uma leitura política integrada à sua época  ou momento histórico. Com frequência o artista trabalha com a intuição, que pode ser mais reveladora do que qualquer consciência política.

Quando a estética se destaca mais do que o texto e os atores?

Acho ruim quando ela sobrepuja ambos. Ela tem que estar a serviço do espetáculo; quando se sai do espetáculo elogiando o cenário, o tipo de luz (porque era grande demais e enchia o palco), as marcações, ou seja, quando chamou mais a atenção e não em função do projeto inteiro. 

Qual encenação lhe vem à memória agora? Alguma cena específica? 

Eu adoro “Longa Jornada Noite Adentro”, de Eugene O’Neill e vi duas grandes encenações desse texto, uma com a Vanessa Redgrave, na Broadway, outra com a Cleyde Yáconis, em São Paulo. E também um filme lindo, com Katharine Hepburn.

Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?

Desde adolescente que eu coleciono textos de teatro, mesmo quando nem pensava em entrar nele. Tinha sede de me informar e lia francês, inglês, italiano. Até roubava revistas de teatro de biblioteca (risos). Continuo a comprar os textos que são publicados.

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
 

São muitos e alguns já citei, Antunes Filho, Ademar Guerra, Zé Celso, Rodolfo García Vázquez. São tantos… E atrizes, então? Somos abençoados com mulheres incríveis como Fernanda Montenegro, Marília Pera, Irene Ravache, Eva Wilma, Glauce Rocha, Eva Todor, Cleyde Yáconis, Joana Fomm e muitas novas. Mas cada uma que cito sinto dor no coração de esquecer as mais jovens e muito promissoras. Por favor, aceitem minha homenagem a todos eles e elas, que respeito muito e admiro. E a Coleção Aplauso não é outra coisa se não a retribuição desse amor, por parte da Imprensa Oficial, do presidente Hubert Alquéres e meu próprio.

Qual o papel da sua vida?

Nunca penso nisso porque não quero ser ator. Posso imaginar sim atores que admiro fazendo certos papeis.

 

Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertold Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.       
 

Will, você é muitos?

O teatro está vivo?

Sim  e já nem se fala mais que ele morreu como fizeram durante décadas. Encontro no palco paulistano grandes talentos, grandes atores, alguns ainda desconhecidos. Fico aborrecido quando faço testes porque tenho que recusar pessoas com enorme potencial. Tenho que escolher um caminho para a encenação e às vezes não combinam ou algo assim. Admiro esses artistas que lutam, brigam, se entregam totalmente a sua paixão pelo teatro.